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O Rei e o Partido Liberal
“E a história dirá um dia a verdade da corrupção e o nome do
corruptor.”
Lindulpho
Lindulpho
O sangue de Joaquim José da Silva
Xavier e de tantos outros patriotas, derramado pelo déspota português para
consolidar a sua dominação nesta parte da América não foi perdido.
As idéias de separação da
metrópole, de emancipação e de independência germinaram, e se desenvolveram.
E o astuto e ávido Rei de
Portugal, prevendo o acontecimento, como ele reputava que era, inevitável, não
trepidou em dar a seu filho um pérfido conselho.
“Se a independência se
fizer, (lhe
disse ele) como brevemente se fará, põe a COROA sobre tua cabeça antes
que algum aventureiro lance mão dela”.
O astuto rei persuadia-se de que
o Brasil independente seria fácil presa de qualquer aventureiro, ou aquisição
segura de primeiro ocupante, e neste caso quisera que, entre os aventureiros,
fosse preferido aquele que melhor satisfizesse a seus desígnios e ambições.
Esse conselho pérfido, ao mesmo
tempo que humilhante ao povo que se queria constituir nação livre e
independente, deveria servir de aviso ao critério de patriotismo que se erguia
nobre e sobranceiro, e predispô-lo contra os aventureiros, mesmo quando eles
fossem estirpe de testa coroada.
Não foi, porém, compreendido, e
daí as consequência funestas que se seguiram, e que ainda hoje afligem o
Brasil.
A revolução da independência, fez
efetiva a previsão do Rei de Portugal. Fomos liberados da metrópole.
Mal acautelada, porém e
incompleta foi essa revolução.
Os patriotas sinceros, que a
promoveram, podendo por si só determiná-la, e conseguir a emancipação como ela
deveria ser, confiaram de mais em quem, por sua posição e interesse, por sua
índole, por sua educação, e pelo respeito às regras únicas que aprendera, mais
poderia ser o chefe patriota, desinteressado e livre, do estado que nascia.
O partido liberal, o partido da
independência, o partido americano, o das idéias generosas, foi vítima de um
grave erro desde que, procurando constituir a antiga possessão portuguesa, na
América do Sul, em nação independente, esquecera que a liberdade da nação que
começava dependia unicamente da forma de governo a adotar.
O partido liberal, que devia,
como seu primeiro trabalho, eleger o seu chefe temporário e responsável,
escolhendo-o dentre si, garantido com a nacionalidade e filiação, entendeu
conveniente, para poupar sacrifícios, a apressar o complemento de seus nobres
desejos, fazer do adversário amigo, aceitando as promessas falazes de quem, por
interesse seu, se ostentava infiel à sua pátria, aparentando bons desejos pela
terra que fingia adotar.
Em vez de um chefe brasileiro,
tivemos pois, um rei estrangeiro, em vez de um cidadão criado e desenvolvido ao
puro ar da liberdade, um homem já formado nas práticas absolutistas, e nas
falsas idéias de nobreza artificial, desigualdade entre os homens, divisão da
sociedade em servos e senhores.
O partido da independência, o
partido liberal, foi, como tem sempre sido, vítima da sua boa fé e ingenuidade.
Esqueceu o nascimento, a
procedência, a ligação, a tradição horrível da família, os escândalos
prodigalizados na Europa por toda a geração que então reinava no velho mundo, e
persuadiu-se que as memoráveis palavras: — a árvore da liberdade quer
ser regada com sangue; — se o Brasil quer ser republicano não tenho dúvida em
ser seu primeiro cidadão; — e outras quejandas, eram sinceras.
Faltou aos deveres políticos de
sua crença, cometeu o erro fatal que até o presente há comprometido o partido
liberal, guiou-se pelos sentimentos generosos da ocasião, supôs marchar mais
rápido ao fim desejado, apartou-se da linha reta que a sã política determina
sem exceção, porque toda a exceção em política é desastrosa, guiou-se mais pelo
coração entusiasmado do que pela cabeça refletida, fria e pensadora, e
entregou-se de corpo e alma a um senhor que criou, sem se lembrar de que era
ele filho do senhor de quem queria libertar-se, e que assim consideraria sempre
como herança a posição que a generosidade lhe permitia!
Foi assim que tivemos o 1º Rei,
sendo que os absolutistas da metrópole, aparentemente convertidos em patriotas
no Brasil, continuaram aqui a sua posse feudal, o seu domínio; só a sua vontade
foi lei.
Não tardaram as consequências do
erro: o desengano apareceu. Mas os constituídos dominadores dispunham já da
força que o próprio partido liberal lhes criara.
As pretensões democráticas, as
aspirações verdadeiramente patrióticas, se chamaram desde logo — confusão
irrefletida, preconceitos repugnantes, ausência absoluta de conhecimentos
práticos de governo e de administração.
Na verdade, a uma testa coroada
na América deviam parecer descompassados e anárquicos todos os pensamentos
generosos.
Era mister enraizar a planta
exótica no solo que a repelia, e desde que só com sangue podia ela medrar e
fortalecer-se, não faltaram vítimas, e estas foram escolhidas entre aqueles
mesmos que fizeram a revolução para libertar a pátria.
Verificou-se a fábula das rãs que
quiseram um rei!
Era indeclinável, porém,
aparentar desejos, que se traduziam bem em condescendências, de que o novo país
que se emancipava, ditasse a lei com a qual devia organizar-se.
Conspirava-se para isso, e era
indeclinável aceder, ainda que só para iludir.
Nesta conjuntura foi convocada
uma assembléia constituinte e soberana, única que podia legitimamente
estabelecer a forma do governo, e dar as regras fundamentais ao regime do
estado.
Já Pernambuco e as demais
províncias do norte desconfiavam das intenções dos dominadores; e, perdidas as
esperanças da realização das idéias democráticas, tentaram libertar-se da nova
metrópole, que em si tinha o germe da outra de que ela procedia.
Bastou isso. A república do
Equador, foi o pretexto de que se serviu aquele mesmo que antes não
duvidava em ser o primeiro cidadão da república brasileira, para
desenvolver o aparato militar, estabelecer comissões militares, e assim
comprimir, até com centenas de assassinatos, as aspirações patrióticas que
tendiam a desenvolver-se.
O sangue brasileiro correu em
jorros: a força, e o fuzil destruíram grande número de patriotas dedicados;
muita ilustração se perdeu, muita virtude cívica foi assim abatida.
Então já funcionando a
constituinte, eram aí desenvolvidas as teorias democráticas, que deveriam
formar a base do sistema de governo a adotar.
Mesmo antes das manifestações
patrióticas nas províncias a constituinte incomodava os dominadores, que tinham
a consciência de sua fraqueza.
O acontecimento de 1824 em
Pernambuco, serviu de pretexto (por amor da ordem!) para se burlar as
tendências naturais dos brasileiro para se obstar à obras que a democracia
construía.
A constituinte foi dissolvida!
E os patriotas que dela faziam
parte foram expulsos do recinto em que ela trabalhava, expostos à irrisão, aos
motejos, aos insultos da soldadesca desenfreada que cercava o mesmo recinto,
contra o qual até fora assestada artilharia!
A nação que se constituía, foi
assim privada de formular a sua lei orgânica, a sua constituição. O Rei que se
dizia, como ainda hoje se diz, 1º delegado da nação, não passou como não pode
passar ainda, de conquistador feliz, mas sem poderes para governar o povo, que
certamente nada lhe delegou.
A dissolução, porém, foi fatal ao
rei, como fatal à nação, o sangue derramado dos democratas que o rei
assassinou, não abateram o patriotismo no Brasil. É inerente ao partido liberal
viver tanto mais vigoroso quanto mais perseguido.
A conspiração contra o governo
absoluto continuava cada vez mais desenvolvida. A ditadura, que se firmara na
ausência da constituinte, levava o povo ao desespero; e o déspota como os seus
satélites sentiram que lhes escapava a presa, e mesmo que lhes fugia dos pés o
terreno em que se apoiavam.
O fatal fermento de
tristes ódios, como bem disse um dos retrógrados da época, ficara
enraizado nos corações.
A revolução, pois, caminhava, e o
partido liberal se dispunha reivindicar os seus direitos, e a tomar conta
daqueles em quem tão imprudentemente havia confiado.
Tudo dizia, que as coisas
sofreriam profunda modificação, e que o Brasil teria enfim organização, que lhe
é adequada.
Era, porém, indeclinável ao Rei
ir de encontro às idéias que se manifestavam com a maior força e vigor.
Era mister fazer abortar a
revolução que se ostentava já.
E como consegui-lo?
Nos antros da realeza, mais um
artifício enganador foi engendrado.
O Rei se arvorou em poder
constituinte da nação!
E conhecendo que, prometidas
muitas das desejadas garantias de liberdade, bem como aparentando a intervenção
do povo nas leis econômicas do país, na criação de impostos, na distribuição
das rendas, na fixação da força pública, etc., angariaria de novo a confiança,
e campo mais vasto criava assim ao seu poder, promulgou ELE SÓ a constituição
que publicou em 1824, e que jurou cumprir e fazer cumprir, dando-a
como aceita pela nação, quando aliás para ela só a vontade do déspota foi
ouvida.
E o partido liberal ainda uma vez
foi mistificado!
Iludiu-se ainda uma vez com as
promessas que lhe faziam, e contando com a imprensa livre, liberdade de cultos,
segurança individual e de propriedade, representação nacional, julgamento por
seus pares, etc., consentiu em sustentar assim esse mesmo rei, confiando em sua
boa fé!
Que amargas decepções lhe há
custado a sua incrédula ingenuidade!
Não apreciou então o que hoje compreende
à custa de sofrimentos e de martírios.
A flor de tão bela aparência, de
tão deslumbrante aspecto, e cuja virtude e vigor tanto o animava, era cercada
de agudíssimos e pungentes espinhos. Ninguém que dela quisesse gozar se podia
contar seguro; sofria mais do que aproveitava. Tudo o que havia de bom na
aparência se nulificava na realidade.
Neste monstruoso parto da
perfídia, se aninhara o absolutismo astucioso, e tanto, que ficava ele sempre
armado, e bem armado, contra tudo, e contra todos que de certo modo procurassem
arrastá-lo em seus desmandos.
Aqui “a nomeação livre
dos ministros”, ali a nomeação também livre dos agentes do poder
judiciário; além o veto contra a vontade dos representantes do povo, mais
adiante a centralização de todas as faculdades administrativas, etc.!
E como tudo isso não bastasse
para nulificar as prometidas garantias, foi, nessa intitulada constituição,
criado o mais estupendo dos poderes, o denominado — Moderador, — e pelo qual
o Rei só se constituiu o árbitro de todos os outros poderes; e
acobertado com a prerrogativas de inviolável, sagrado e irresponsável, tem as
faculdades de nomear senadores (nulificando o poder legislativo) prorrogar e
adiar a assembléia geral, nomear e demitir livremente os ministros, suspender
os magistrados, perdoar e comutar as penas impostas pelo poder judiciário,
conceder anistia, etc.
A um tal poder quem poderá
resistir? O que são os outros poderes em presença dele? O que é a
responsabilidade, única salvação do cidadão perseguido, e injustamente
ofendido, desde que se o mal é feito por ordem do Rei, o perdão virá em socorro
do delinquente?
Se todos os outros poderes ficam
assim na dependência do moderador, e se o Rei pode livremente exercer este, e
sem responsabilidade, toda a constituição de 1824 se reduz, praticamente,
quanto à natureza do governo, ao absolutismo; cercado, é verdade de um cortejo
grandioso de idéias liberais, mais irrisoriamente desprezadas, olvidadas,
escarnecidas, conforme os caprichos o determinarem na ocasião.
E assim deixou-se iludir o
partido liberal!
E quanto tem ele sofrido por essa
sua longanimidade!
Comparada esta constituição, obra
do 1º Rei do Brasil, com a promulgada pelas cortes portuguesas de 1822,
conhece-se a enorme diferença que entre ambas existe, sendo esta muito mais
garantidora e liberal na prática do que aquela.
O poder moderador, criado para
nulificar a do Brasil, que aliás em uma nação se constituía, não foi tolerado
na portuguesa.
O veto nesta é limitadíssimo:
A vontade dos representantes do
povo mais efetiva e eficaz:
O direito de perdão conferido ao
Rei, não foi ali concedido arbitrariamente, como na de 1824, bem ao contrário
foi ele limitado ao cumprimento das leis que o regulassem:
Se também um conselho de Estado
foi criado na constituição de 1822, não foi a nomeação dos conselheiros de
escolha só do Rei, mas dependente da iniciativa e proposta do corpo
legislativo.
E como essas muitas outras
disposições se acham, que obstam a ação de uma qualquer vontade absoluta.
O 1º Rei do Brasil, tratou logo
de cercar-se de quem mais o entendesse, e melhor satisfizesse suas intenções.
Procurou serventuários, procurou ministros entre os seus patrícios.
Estes por sua educação e índole,
como antigos senhores da terra, procuraram amesquinhar os nacionais.
Enquanto havia cargo de
importância, ou comissões lucrativas, para elas só os patrícios do Rei serviam.
Os brasileiros, cujas tendências eram todas democráticas, foram cuidadosamente
esquecidos. O despotismo queria instrumentos fiéis, e, certo, os não encontrava
tão adaptados senão nos homens que vinham ao Brasil para desfrutá-lo, e que o
continuavam a apreciar como sua antiga colônia, embora já apelidada nação livre
e independente.
Daí veio que os liberais,
geralmente brasileiros, se constituíssem adversários naturais do governo, ao
passo que os retrógrados, em maioria nascidos em Portugal, que tinham
necessidade de garantir suas posições e influência, apoiavam zelosos o governo,
e procuravam por todos os meios fortificá-lo.
Essa disposição dos liberais, o
desenvolvimento democrático que então foi extraordinário, ainda mais se
exacerbou pela fatal guerra da Cisplatina, nascida do capricho do Rei, como
hoje é a que sustenta entre o Brasil contra o Paraguai.
A decadência das finanças que
então se manifestou e que ameaçava o novo reino com a
bancarrota, o apoio que o Rei procurou em soldados mercenários estrangeiros, a
confiança que os retrógrados nutriam no regresso do exército, contando com ele
como com o seu mais eficaz instrumento para a compressão do povo, isto é, do partido
liberal, as intenções dos absolutistas, que já nem tinham reservas em seu
procedimento, e que manifestavam já ostentosamente, tudo enfim concorreu para
que paixões irresistíveis se alimentassem, e o partido liberal ganhasse força.
Essa força de que os liberais
dispunham latentemente, se patenteou de modo a fazer estremecer o Rei e os seus
satélites, na luta que então se deu do povo contra os soldados estrangeiros,
que se achavam no Rio de Janeiro a soldo e à disposição do partido retrógrado.
Desde logo a revolução deixou de
ser uma conjetura, um projeto; tornou-se um acontecimento verdadeiro e real;
efetuou-se.
E a força de que no país
dispunham os liberais já era inabalável.
O Rei esmoreceu, desistiu de
reinar efetivamente, mas calculou, mesmo em tais condições, deixar implantado
no Brasil o seu sistema de governo. Era absoluto, e quis perpetuar nesta terra
o absolutismo.
Convinha iludir ainda o partido
liberal.
Após intensos sacrifícios, e
quando o povo se achava na pujança de seu legítimo poder, e tinha em suas mãos
o meio de consolidar de modo infalivelmente prático a sua liberdade, foi
mistificado pela bem calculada abdicação.
O 7 de abril de 1831, não deu em
resultado, como era de esperar e devia acontecer, o triunfo completo da
democracia sobre a realeza de apregoada origem divina!
O partido liberal foi ainda
enganado; errou não completando a sua obra: o coração, como sempre o guiou,
quando só a cabeça o deveria ter conduzido. Constante e fatal erro desse
generoso partido!
O Rei, que para empolgar o novo
trono desdenhara da pátria com a maior ingratidão, com perfídia mesmo: aquele
que para poder ser acreditado quando dizia que “se o Brasil quisesse
ser republicano não duvidaria em ser o primeiro cidadão da república”,
acrescentava com petulância, e falaz desdém — De Portugal, nada, nada
quero: não repudiou a coroa portuguesa que lhe cabia por sucessão, morto D.
João VI.
Bem ao contrário: querendo já
tudo de Portugal, a aceitava, mas calculando mistificar a própria inteligência
do Brasil, abdicou a coroa, repugnante na América, em seu filho, e
a de Portugal em sua filha.
Tornava-se ele assim o centro dos
dois reinos, os quais só aparentemente se achariam divididos!
Tal foi o resultado da muito
gloriosa, mas muito infeliz revolução que triunfou na noite de 6 de abril de
1831.
Os retrógrados devem sem dúvida
exclamar contentes, gratidão à generosidade dos liberais de 1822, glória e não
menos gratidão à imbecilidade dos de 1831!
Os que deviam por direito dominar
foram dominados em ambas essas épocas memoráveis.
O Rei abdicara o que não tinha, e
o povo o que não podia abdicar: aquele uma coroa que o povo lhe não dera
regularmente, este um direito inalienável, qual o de cada um governar-se por
sua própria lei.
Deus tirou ao Rei abdicante a
possibilidade de efetuar seu plano nefando, e puniu o povo com os sofrimentos
que até hoje lhe tem pesado, pela sua criminosa generosidade.
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