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O escritor de “A Ilusão Americana”
“... Sinto a dupla felicidade de
louvar, através do homem que tanto prezo; terra que tanto amo.”
Eça de Queiroz, o primoroso
estilista da Casa de Ramires, assim disse do fino espírito do dr.
Eduardo Prado, num artigo da Revista Moderna de Julho de 1898.
Ninguém melhor do que o
romancista português apreciou e literariamente analisou as qualidades, o
talento e as preferências do vigoroso escritor brasileiro, nesta célebre
publicação na cidade de Paris.
O dr. Eduardo Prado foi
publicista que se distinguiu com brilhantismo em nossa literatura. Ele era
nacionalista, muito amava as causas da pátria brasileira, não obstante os
tempos que passou em viagens mundiais, instruindo o seu espírito, distraindo-se
e observando civilizações diferentes.
Nascido nesta capital de S.
Paulo, em 1860, era filho do consórcio da ilustre Sra. d. Veridiana da Silva
Prado com o dr. Martinho Prado.
O dr. Eduardo Prado escutou as
portas do saber desde muito moço e tendo concluído o bacharelato, na Faculdade
de Direito, que nos países latinos se tornou um complemento do batismo, pouco
depois defendeu teses, e doutorou-se, foi quando empreendeu suas peregrinações.
Escritor e jornalista, ele
revelou-se desde estudante na imprensa acadêmica e depois no Correio
Paulistano. Escreveu as monografias e brochuras: Viagem ao Rio da
Prata; Viagens; Viagem ao Oriente; O
problema da Imigração; A Arte no Brasil; Fastos da
Ditadura Militar no Brasil; A Ilusão Americana; Conferência
sobre a vida e a ação do Padre Anchieta; Discursos proferidos no
Instituto Histórico de S. Paulo; A Bandeira Nacional; Vida
do Padre Manoel de Morais; Terra Roxa, este manuscrito
perdeu-se; numerosos artigos da redação d’O Commercio de São Paulo e
que foram publicados nas Coletâneas.
“Em tudo isto, — acertadamente
disse o inolvidável literato dr. Afonso Arinos, no seu discurso de 18 de
Setembro de 1903, na Academia Brasileira: — encontramos Eduardo Prado com os
seus contrastes, o seu sarcasmo, a sua vivacidade, a singular harmonia entre as
coisas sérias e as coisas alegres, as coisas leves e as coisas profundas.”
Brasileiro e americanista, o
fluente e brilhante escritor paulista empregou as energias da sua inteligência,
os recursos da observação e a coragem das idéias, na ocasião em que se operou
neste país a transformação do regime governamental.
Eduardo Prado veio para a fileira
do combate aos políticos que fizeram a República.
Achava-se então na Europa, e
pertencendo a comissão representativa do Brasil na Exposição Universal de
Paris, tinha colaborado no excelente livro Le Brésil en 1889 com
a publicação dos dois artigos L’Art e Immigration;
fez uma viagem ao país de Portugal, que ele tanto estimava afetuosamente e
apreciava espiritualmente e logo na "Revista de Portugal", o escritor
com o pseudônimo de Frederico de S., principiou a tratar dos “Acontecimentos do
Brasil” em artigos que antecederam os Fastos da Ditadura Brasileira.
Estas publicações ecoaram com
vibração intensa por todas as cidades deste país. Ignorava-se quem era
Frederico de S., que analisava e criticava com o rigor da sua lógica aos
desmandos e aos erros do novo regime proclamado pelo exército e armada em nome
do povo.
Soube-se mais tarde que esse
vigoroso escritor era o dr. Eduardo Prado que com a sua costumada independência
declarava:
“O Brasil está neste momento sob
o regime militar. Quanto tempo durará esse regime? No tempo do Imperador,
quando o soberano resistia aos ministros, se estes insistiam — a coroa cedia.
Hoje quando o marechal Deodoro
pensar de um modo e os seus ministros de outro quem cederá?
A espada que não tremeu ao ser
desembainhada contra as instituições que o general jurara defender, não
precisará mesmo reluzir de novo para fazer emudecer e sumir-se debaixo do pó da
terra os novos ministros, talentosos patriotas, mas patriotas desarmados!”
Patriota na acepção legítima da
expressão o dr. Eduardo Prado “agarrou-se às tradições do passado sem temor de
ser esmagado no caminho; segurou-se ao rochedo da nossa História, viveu nela,
viveu por ela e morreu fiel a ela...” Então respondeu de uma vez aos seus
adversários e detratores:
“Anti-patriotas, nós? É uma
injustiça! Nós que exaltamos a coragem do nosso povo, a sua energia, a sua
constância; que temos um imenso amor pela sua História, pelo drama da conquista
desta terra; que, com reverência, amamos a nossa raça e tudo que a ela se
refere: as lendas da sua vida primitiva, as tradições do seu passado; que
amamos a língua que falamos, a arte de nossos pais d’além mar; que temos imensa
ternura pelo homem do campo, que com ele convivemos, ouvindo-lhes as longas
narrativas e o pitoresco falar: nós, que temos votado a vida ao estudo de tudo
quanto é brasileiro — nós não temos patriotismo!...”
Ainda é o dr. Afonso Arinos, no
formoso discurso acadêmico de 1903 quem nos conta: — Moniz Barreto, “aquele
moço de gênio que morreu em Paris aos trinta anos, depois de ter-se nos
revelado um pensador, disse verbalmente a mim que Eduardo Prado era uma das
mais completas organizações de escritor que ele jamais vira.”
E das suas qualidades de escritor
de combate que as condições do Brasil obrigaram-no a adotar, disse o fulgurante
estilista Eça de Queiroz:
“...Todos os seus livros são
guerras e ele intelectualmente um guerrilheiro.
Desde a primeira página ao
primeiro frêmito, as idéias alçam o pendão, as ironias despedem a sua flecha,
os argumentos brandem a sua clava, as citações clamam, as cifras silvam e, na
pressa e excitação da lide, tudo rompe, um pouco tumultuariamente, num arranque
para avante, contra a causa detestada que urge demolir!...
E mesmo quando em dias de paz,
recolhido e quase ajoelhado, glorifica, como na Apologia do padre Anchieta,
ainda alguma confusão se estabelece no seu estilo — mas docemente alvoroçada e
enternecida, como a de turba piedosa que se empurra para um altar amado.
É que os seus livros são sempre
atos intensamente vivos, ora uma hoste em marcha ora um povo em prece... Ele
concebeu e trabalhou todos os seus livros num momento de urgência, por
impulsivo patriotismo para atacar idéias ou homens de quem receava a
desorganização do Estado ou para animar aqueles que reagiam contra essa
desorganização pela força latente de alguma virtude social.”
Eça de Queiroz confirma esta
apreciação da índole do publicista Eduardo Prado e da situação que coube ao
Brasil transformado em República pelo pronunciamento militar e pela ação dos
propagandistas democráticos, dizendo:
“Assim a vitória do Jacobinismo
político e do fanatismo positivista determinou essas veementes crônicas de
Frederico de S., Os Fastos da Ditadura, que acompanharão, na História, a
ditadura com um silvar, de certo amortecido, mas perenemente desagradável de
látego.
Assim as tendências norte
americanistas da República provocaram esse esplêndido libelo, A Ilusão
Americana, o mais forte que se tem construído contra a raça
neo-anglo-saxônia, tal como a moldaram na América um solo novo, o uso muito
duro da escravatura, o contato violento com as raças bárbaras, o excesso de
democracia utilitária e a carência de uma tradição.”
Valente beluário foi o dr.
Eduardo Prado, e como tal mestre na redação de panfleto, gênero de literatura
que costuma aparecer nos períodos de agitação partidária e de veemência de
paixões políticas.
Ainda é o romancista Eça de
Queiroz quem nos vai dizer acerca da arte de panfletário em que o talento do
dr. Eduardo Prado teve relevo:
“Todos os seus livros políticos
desde os Destinos do Brasil, perfeito estudo de psicologia social
são, pois panfletos... Certamente realizam e com singular rigor, a definição de
panfleto formulada por Paulo Louis Courier, mestre panfletário deste século.
— Que é um panfleto? — "Uma
idéia muito clara saída de uma convicção muito forte, rigorosamente deduzida em
termos curtos e límpidos com muitas provas, muitos documentos, muitos
exemplos..."
— E também:
“A mais corajosa, mais útil, mais
pura ação, que um homem pode praticar no seu tempo, porque se a idéia é boa,
derrama a verdade e, se é má, logo aparecerá quem a corrija, e a correção
produzirá exame, comparação, prova e, portanto aproximação da verdade!...”
— A visão que este vibrante
escritor tinha das coisas era: Como um fino dardo que vara horizontes.
A esta clara visão ele junta um
raro poder de deduzir, de desfiar, de sutilmente desfiar, e de ligar depois os
fios sutis numa trama miúda e resistente que, quando combate, se torna aquela
rede de ferro com que os gladiadores no circo imobilizavam para a morte os
contendores e quando solicita ou propaga, aquela doce rede de seda aconselhada
pelos santos padres para docemente pescar as almas...
A todas estas superiores
potências junta a potente paciência de esquadrinhar os textos, desenterrar os
documentos, amontoar os exemplos, percorrer toda a História e toda a Natureza,
para recolher um fato, um precedente, uma analogia, de sorte que a sua lógica,
bem armada e destra, sempre combate sobre uma maciça, formidável muralha de
prova.
E em todo este esforço, ajudado
por uma memória de prodigiosa diligência e segurança. Ora, a memória é a décima
Musa, ou talvez, a mãe das Musas.
A sua maneira de utilizar esses
dons, o seu Estilo — é o melhor, o mais adequado a um publicista e, participa
superiormente da natureza desses dons. É limpo, transparente, seco, quase nu,
sem roupagens roçagantes e bordadas que lhe embaracem a carreira destra, ou
deformem as linhas puras do raciocínio.
Não há nele molezas, repousos,
tendências a vaguear e a cismar, mas sempre o mesmo ímpeto elástico o anima e
arremessa.
Ainda menos tenta essas fugas
vistosas de foguetes que estala nos ares, cuidadoso em nunca perder o solo
maciço da Realidade, que a todos, como a Anteu, comunica força invencível;
quando, por vezes, atinge a essa plenitude e abundância sonora que se chama
Eloquência, é porque, inesperadamente o exaltou a grandeza da verdade
entrevista, um arranque generoso de indignação, alguma brusca emoção de
piedade, ou aquela segura proximidade do triunfo, que solta todo som aos
clarins...”
Desta forma completa e clara o
apreciado escritor d’Os Maiastratou a individualidade literária e
política do dr. Eduardo Prado, cavalheiro cuja amizade cultivou com extremosa
afeição; espírito cujo brilhantismo, ele, perfeitamente admirou.
***
O feitio da sua intelectualidade
de pugilista apareceu nitidamente no valente panfleto que é o livro A
Ilusão Americana.
Embora, como escreveu o Poeta
Olavo Bilac no seu discurso-resposta ao do dr. Afonso Arinos, na Academia
Brasileira: “O escritor d’A Ilusão Americana exagerou bastante os
perigos do que ele chamava e do que vós mesmo chamais a nossa:
Desnacionalização.
...Tive e tenho para mim que
Eduardo Prado foi sempre um firme, um puro e excelente brasileiro, no Brasil e
na Europa, no Sertão e no boulevard.”
Outro panfleto ardente que a pena
de Eduardo Prado escreveu é A Espanha e no qual trata do
auxílio poderoso que os Estados Unidos deram aos cubanos insurgidos para
conseguirem, afinal, a sua independência como nação, sem contudo deixar de
fazer comentários à situação dos “povos da América do Sul que são fracos, são
mal governados e, não pagando os juros da sua dívida ao estrangeiro estão
prejudicando ou projetam prejudicar os interesses de cidadãos de países
fortes...”
Mais adiante declara acerca do
mesmo fato:
“A luta dos Estados Unidos e da
Espanha é, talvez, o prólogo de um drama universal, representado em formas
novas, com desprezo pela arte antiga e pelas convenções fora da moda, tais como
o Direito, em geral, e o único Direito Internacional, muito especialmente.
Nos países fracos, devia ser
proibido o estudo desse pretendido Direito, origem de perigosas ilusões entre
os povos e de uma falsa confiança entre os governos de boa fé.
A guerra atual justifica essa
opinião...” Coletâneas — vol. I, pág. 371.
O publicista Eduardo Prado com “a
sua lógica bem armada e destra” expõe e confronta as fases do conflito
hispano-norte americano e possuído de simpatia pela cavalheiresca nação de
Cervantes, exaltou a sua atitude em face da política do Tio Sam.
E este “drama universal
representado em formas novas” parece que era a visão dos tempos previstos pelo
malogrado escritor.
Tempos que agora são de luto,
sangue, horror, miséria e calamidade causada pela Guerra Atroz, no mundo
inteiro.
Vem a propósito traduzir aqui o
conceito do crítico dinamarquês Georges Brandés quando discutiu com o
jornalista Clemenceau sobre o paradoxo de Fred. Nietzsche: “A moral da
segurança necessária”, — Revue Suisse, Bib. Universelle.
Disse o autor das “Novos Rumos da
Literatura”:
“Embora considere a guerra
presente uma demência coletiva, recuso admitir que os agravos estejam de um
lado só, les torts soient d’un seul côté...
Esta guerra como quase todas as
grandes guerras é uma guerra econômica.
Naturalmente nenhum beligerante
concordará nisto, pois, é mais conveniente dar aparências aos fatos. Pois cada
povo não luta pela liberdade? Conforme declaram os seus intelectuais. — Desde a
Rússia, a clássica terra do Absolutismo; a Alemanha, o país dos burgueses
afidalgados e do caporalismo; a Grã Bretanha, que nunca deixou de se esforçar
pela conservação da sua superioridade industrial no mundo; a França que nestes
últimos anos aumentou consideravelmente o seu império colonial...
A verdade é que cada uma destas
potências luta pela supremacia econômica.
Veja-se porém o que acontece:
Cada nação se julga campeão de uma civilização superior e serve-se dos mesmos
argumentos... Quanto às atrocidades digo que:
O homem é um animal feroz, capaz
de tudo, uma vez que estiver armado e livre: só pensa em destruir, incendiar e
matar. Ah! e, como os civilizados suportam a guerra?...
Sim, depois de cada carnificina
humana, nos consolamos em exclamar: Esta foi a última. É o que se
dizia depois da de 1870: — Será a última guerra da Europa; puro engano! Nenhuma
guerra é a última: a guerra é eterna como a maldade dos homens é perpétua.”
Pela sua vez o dr. Rudolf
Kjellen, prof, na Universidade de Upsal, na sua monografia sobre os Problemas
políticos da Guerra mundial, escreveu que:
“A guerra é um cataclisma
geológico, uma catástrofe horrível! Que o seu problema é extenso e complexo,
tem muitos problemas entreligados: o problema geográfico-histórico; o problema
nacional frequentemente ligado ao da raça; o problema sociológico e político
que consiste em determinar até que ponto a política interior de um país pode
influenciar a sua política exterior; finalmente, o problema Econômico, sem
dúvida o mais imperioso e que parece dominar todos...”
Talvez fosse atendendo aos
fatores destes problemas de sociologia, de política e de economia que o
publicista Eduardo Prado na ocasião em que a guerra civil dividia extremamente
as opiniões no Brasil escreveu A Ilusão Americana, denunciando com
a sua argumentação as práticas dos Estados Unidos com as outras nações
continentais e latinas.
Seja como for, esse livro teve
uma imensa popularidade; no momento em que o governo federal do Brasil
negociava com o dos Estados Unidos amparo para a sua legalidade;
pela sua vez a autoridade policial de S. Paulo confiscava a primeira edição que
aqui aparecia e, o seu ilustrado autor foragia-se no sertão para garantir a sua
liberdade, como também a vida contra a exaltação dos jacobinos.
A Ilusão Americana nos recorda um episódio de
nossas lutas jornalísticas pelo princípio da liberdade neste país.
Éramos, então, prisioneiros
d’Estado quando, cuidadosamente, um moço oficial, de nossa amizade, entregou um
exemplar dizendo-nos: Veja este livro. Veio de S. Paulo e o governo
proíbe que circule! ...
Mais de vinte anos decorreram
desta poça de calamidade nacional. A intervenção da esquadrilha dos Estados
Unidos nas águas do Rio de Janeiro cooperou bastante para o desastre da
Revolução, celebraram-se diversas conferências pan-americanistas e agora pouca
importância é ligada aos vôos expansionistas da grande Águia de Washington,
cujas garras suplantam raios...
E do dr. Eduardo Prado, do seu
luminoso espírito e da bondade do seu coração, restam reminiscências sinceras,
pois ele faleceu prematuramente em 1901.
Foi o seu amor pela literatura e
a tradição brasileira que o tomaram contrário “à imposição das instituições
anglo-saxônicas da América do norte ao nosso país...”
LEOPOLDO DE FREITAS
Março — 1917 — S. Paulo.
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