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Capistrano de Abreu e o Descobrimento do Brasil
A obra relativamente exígua de
Capistrano de Abreu teve, com freqüência, dois livros valorizados, Capítulos de
história colonial e Caminhos antigos e povoamento do Brasil. A razão para o
fato parece-nos estar em que, além do valor intrínseco como sínteses dos anos
formativos coloniais e frutos amadurecidos de sólida pesquisa e reflexão,
deixam os demais trabalhos do autor para trás pela própria natureza destes: a
tese sobre o descobrimento do Brasil é vista como obra de juventude, presa ao
esquema spenceriano; os opúsculos sobre o descobrimento e o trabalho acerca das
línguas indígenas são forçosamente mais restritos; e os artigos de jornal
reunidos nos Ensaios e estudos, após a morte do autor, ressentem-se às vezes da
fugacidade dos comentários e do pequeno desenvolvimento.
Se examinarmos as obras
principais buscando o tema do descobrimento, constataremos que o assunto está
ausente dos Caminhos, o que é perfeitamente lógico,1 e nos Capítulos de
história colonial é tratado no terceiro capítulo, de um conjunto de onze,
correspondendo a 15 páginas de um volume com 297, o que significa 5%.2 Se o
tema for alargado para os antecedentes europeus e a disputa inicial pela terra,
isto é, para o capítulo antecedente e o posterior, a conjuntura dos
descobrimentos cresce para 31 páginas. O tema preferido de Capistrano, o
sertão, foi tratado nesse livro em capítulos de 105 páginas, correspondente a
pouco mais de um terço da obra.
Devemos concluir, por esses
dados, que Capistrano de Abreu, após um breve entusiasmo de juventude,
desinteressou-se do tema do descobrimento? Teria sobre ele, na maturidade, um
juízo semelhante a aquelas conhecidas opiniões sobre as invasões holandesas e a
conjuração mineira?
Para responder às duas perguntas,
temos de repassar os textos nos quais o autor se refere ao descobrimento.
Em 1880, publicou um texto não
referente de modo direto ao descobrimento, mas à sua conjuntura: O Brasil no
século XVI: a armada de d. Nuno Manuel, quando defendeu o ponto de vista do
comando desta personagem na expedição de 1501. Trabalho de juventude, mais
tarde o autor reformularia conceitos nele emitidos, a partir do próprio comando
da expedição. Esse trabalho e a tese foram as obras nas quais se baseou o
relator Manuel Duarte Moreira de Azevedo para dar parecer favorável ao ingresso
de Capistrano no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 14 de setembro
de 1887.
Na tese apresentada em 1883 ao
Imperial Colégio Pedro II, para a obtenção da cadeira de história do Brasil, o
autor apresentou o trabalho Descobrimento do Brasil e seu desenvolvimento no
século XVI. O assunto foi desenvolvido em pouco mais de oitenta páginas e
compreendeu duas partes. Na primeira, foi tratado o descobrimento de 1500, sob
o ângulo das pretensões francesas, espanholas e portuguesas. Na segunda,
Capistrano continuou utilizando o conceito de descobrimento, estendendo-o para
todo o século: “Descobrimento do Brasil no século XVI”. As duas partes possuem
conclusões parciais.
Dezessete anos mais tarde, no
contexto das comemorações do IV Centenário do Descobrimento, Capistrano
publicaria mais dois trabalhos: “O descobrimento do Brasil pelos portugueses”
foi publicado primeiro pelo Jornal do Comércio, na edição de 3 de maio de 1900,
seguindo-se a edição em opúsculo, no mesmo ano, pela editora Laemmert. O outro
texto, intitulado “O descobrimento do Brasil – povoamento do solo – evolução
social”, foi concluído no Livro do centenário 1800-1900, publicado pela
Associação do Quarto Centenário do Descobrimento do Brasil, entidade que fora
fundada com o objetivo de centralizar as comemorações do evento.
Os dois trabalhos não se repetem.
No primeiro, o autor descreveu e analisou a viagem de Cabral, as questões
conexas (local da chegada, originalidade da carta de Caminha, a grafia da
palavra Brasil) e as duas ‘correntes históricas’ das navegações, pelo litoral
africano e no oeste.
O segundo texto de 1900 é mais
abrangente, revelando a visão ampla do autor em relação aos antecedentes da
expansão européia, quando remonta sua análise ao século XII. Levando em conta o
estado da historiografia à época, a síntese de Capistrano era atualizada e
muito superior ao que circulava no Brasil sobre o assunto, com exceção do então
recém-lançado (também em 1900) compêndio de João Ribeiro, cuja filiação à
Kulturgeschichte de Lamprecht explica a importância atribuída à sucessão de
quadros conjunturais da baixa Idade Média.
No caso português, Capistrano
trata da política do infante e de d. João II. Considera ainda os grupos
indígenas existentes em 1500 e o papel que assumiria o Brasil nesse processo de
expansão. Como na tese, organizou no texto as fontes para a história do
descobrimento então disponíveis, trabalhando com as cartas de Caminha e do
mestre João.
Em 1905, voltaria ao tema dos
descobrimentos com dois artigos publicados na Revista Kosmos. Neles trata das
controversas expedições de 1501 e 1503, descrevendo os acontecimentos com base
nos documentos existentes e elaborando inferências fundadas no conhecimento dos
portugueses sobre o tema. Nesses artigos, chamou a atenção para a exploração do
litoral brasileiro daí por diante em duas vertentes, a da costa leste-oeste
(Rio Grande do Norte ou Pará) e sudoeste (litoral do Rio Grande do Norte ao rio
da Prata).
O último texto, de 1908,
intitula-se “Vaz de Caminha e sua carta” e foi publicado na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, saindo uma segunda edição no Livro
de ouro do centenário da independência, em 1922.
O autor elabora seu estudo com o
levantamento das edições da carta, os dados biográficos de Caminha, a descrição
da estrutura da narrativa e a avaliação dos juízos nela contidos. Discute no
texto, ainda, as dúvidas sobre a autenticidade do documento e sobre o acaso,
referindo-se à carta de mestre João e ao controvertido trecho de Duarte Pacheco
Pereira, no Esmeraldo de situ orbis,
de 1906, de sua vinda ao Brasil em 1498, tema que já considerara na tese do Colégio
Pedro II.
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Fonte:
Fonte:
Arno Wehling (Professor titular
da Uni-Rio e da UGF. Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro).
Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, nº 1-2, p. 27-36, jan/dez 1999 - pág.29. Disponível
em: www.revistaacervo.an.gov.br
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