20/06/2015

A Campanha Abolicionista, de José do Patrocínio


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José do Patrocínio, o proclamador civil de república

O que nos levou ao isabelismo foi o sentimento abolicionista nacional.

Acreditamos que a monarchia tinha rompido de uma vez com o escravismo, que nunca mais recorreria, para collaboradores de sua politica, aos remanescentes d`esse espólio da ignomia.

Tínhamos declarado que não haveria entre nós e estes impenitentes, criminosos do maior attentado contra a nossa patria, conciliação possível.

Para demostral-o, infligimo-nos a tortura moral do afasttamento de nosso partido, quando elle avolumou-se com a onda de 14 de maio [...]

Cidade do Rio. Outras Noticias, 13 de junho 1889.

Para muitos contemporâneos de José do Patrocínio as mudanças no seu apoio político - na visão deles ora monarquista, ora republicano - indicava a instabilidade emocional e de princípios do jornalista. Bem sabemos da coerência de suas decisões neste momento de crise constitucional. Patrocínio mesmo apoiando o Terceiro Reinado não deixou de ser republicano, apenas acreditava que o governo direcionado pela Princesa Isabel seria um governo democrático e o caminho verdadeiro para a república. Inúmeras vezes o jornalista veio a público, por meio do seu jornal, defender a sua postura frente à Isabel e ao republicanismo.

Atribuo sentido positivo às permanentes acusações de monarquista sofridas por Patrocínio, na República. Quem não incomoda, quem vive no esquecimento não é relevante caluniar ou defender, não é significativo circular seu nome na imprensa e da mesma forma não cria nenhum clima de comoção ou indignação entre as pessoas. Considero esse tratamento a Patrocínio como um indício da sua forte presença na política da capital do país. Ele circulava entre políticos e jornalistas que de certa forma contribuíam para dar significância às suas opiniões, seja para aprová-las ou não. Os seus adversários ao atacar a sua imagem política, caracterizando-a de interesseira e instável, desejavam enfraquecer o seu discurso e a sua presença no cenário político de então.

Em 1896, por exemplo, essa questão veio, mais uma vez, à tona. O jornal Liberdade reproduziu artigo de Pardal Mallet, escrito em 8 de maio de 1889, para o A Rua, acusando Patrocínio de monarquista, devido à seguinte frase atribuída ao mesmo: “Enquanto houver honra e sangue abolicionista, ninguem tocará no trhono de Izabel, a

Redemptora.” Em sua defesa, Patrocínio afirmou que a campanha abolicionista nunca teve interesse em discutir forma de governo, o seu programa era o fim do trabalho escravo.

A verdade é que eu amei doudamente a causa da minha raça, que lhe sacrifiquei tudo e que ainda não me arrependi de tel-o feito.

Com a mesma paixão amei a República. Desde 1872 comecei a trabalhar dedicadamente a ella.

[...]

Os meus artigos, os meus discursos não são mais do que a conseqüência lógica do momento político, em que elles foram escriptos e proferidos.

Entre os respublicanos, que adulavam os escravistas, para fazer proselytos e Isabel, a Redemptora, ameaçada pela lei de 13 de Maio, eu não podia escolher o posto de combate. Fiquei lealmente ao meu lado e disse e digo e repetirei sempre: prefiro um trhono que liberte, a uma República que escravisa.

Com a queda do gabinete João Alfredo e a instalação do Ministério sob o controle do visconde de Ouro Preto a então defesa ao Terceiro Reinado caiu por terra para o jornalista.

O anúncio que o governo não ia bem apareceu no dia 11 de junho durante a apresentação do novo ministério, “o deputado João Manuel, magestoso como propheta Nathan diante do sollo de Davi, [...], depois de exprobar com eloqüência tribunicia, [...], concluiu pelo grito inesperado – abaixo a monarchia, viva a republica.” O novo gabinete com Ouro Preto não tinha como competir com a popularidade de João Alfredo. Desagradava a Patrocínio até mesmo a composição do ministério, segundo ele formado por escravistas e interesseiros. Para o jornalista, agora as decisões do Império, sob a chefia de D. Pedro II, indicavam a “aliança com a oligarquia da terra em detrimento do povo brasileiro. Um Império que ao longo dos anos em nada beneficiou o país.”

Desta forma a sua critica ao governo monárquico, com Ouro Preto, em nada se contradiz com a anterior defesa ao Terceiro Reinado, uma vez que os reinantes – Imperador D. Pedro II e a Princesa Isabel - e seus encaminhamentos políticos eram para Patrocínio completamente diferentes.

No aniversário da Princesa Isabel, em 29 de julho de 1889, o jornal de Patrocínio ao passo que exaltava a aniversariante redentora, também reafirmava o seu republicanismo. Para ele um republicano sincero, respeitoso da lei e da justiça podia, sim “beijar publicamente, com o coração de joelhos, a mão da extraordinária compatriota que assim procedeu.” E mesmo fazendo campanha pela república não se sentia desobrigado “para com a santa mãe dos captivos”, proclamada “maior do que todos nós os abolicionistas”. O jornalista afirmava ainda que se a república brasileira fosse instalada pelo povo teria a Princesa uma especial homenagem, por ser o “maior cidadão nascido no Brasil, o mais corajoso, o mais desinteressado, o mais humano”.

Meses depois, no dia 15 de novembro de 1889, o Cidade do Rio estampava a manchete “VIVA O EXÉRCITO LIBERTADOR”. Estava instituído provisoriamente um novo regime político – a República.

O interessante é que o jornal noticiou o evento imediatamente depois de acontecido, pois circulava na parte da tarde. Suas informações começaram na noite anterior e foram até ao meio dia. De acordo com o jornal, na noite anterior encontravam-se no quartel general do exército diversos oficiais, o batalhão de infantaria e o regimento da cavalaria em forma. Às 6 horas da manhã do dia 15 de novembro estavam fechados os quartéis do 7º e do 10º, além do Corpo de Bombeiros. De Niterói desembarcou uma parte do corpo de polícia da província. Às 7 horas estava na rua do Ouvidor uma força de fuzileiros navais. Já às 8 horas o trânsito para o Campo de Santana era praticamente impossível dado o número de soldados nas ruas, “batalhões de linha, fuzileiros navaes, bombeiros, corpo de policia de Nitheroy, policia da corte, piquete da cavallaria.” No quartel haviam duas forças que não queriam seguir para o lugar destinado, o 7º e o 24º, e foram apoiados pelo “general Deodoro, o 1º da infantaria, o 1º de cavallaria, o 2º de artilharia, e o 23º que deve chegar hoje de Ouro Preto. Consta mais que o ministério está retido pelo exército. Confirma-se o boato de que o ministério pediu demissão.”

Os alunos da Escola Militar e um corneta do 22º foram para o Campo de Santana dando “vivas à Nação Brazileira e ao exercito.” Por volta das 10:30 o ministério se rendeu, o general Deodoro entrou no quartel “em triumpho, abraçado, entre acclamações enthusiasticas. O exercito dá vivas à Republica. É o grito que se ouve em todo o campo de Sant´Anna. [...] É geral o enthusiasmo.” Às 11 horas vários cidadãos fazem ao povo a proposta de proclamação da república. José do Patrocínio propõe a abertura do Paço Municipal para “que o povo se possa alli recolher, se isso for preciso.” A frente do Cidade do Rio as pessoas passavam dando vivas à república.

Entusiasmo, aclamações e vivas à Nação e à república são protagonizados a todo o momento. Por fim, ao meio dia ocorre um desfile da força na rua do Ouvidor acompanhada pelo povo. “Falaram: José do Patrocínio, na Cidade do Rio, e Silva Jardim, da Gazeta de Noticias.” Os dois oponentes, Patrocínio e Jardim, comemoravam a queda do ministério e a tomada de frente política pelo exército.

Essa foi a primeira descrição do Cidade do Rio sobre os acontecimentos que conflagraram na República. Observamos que Patrocínio aparece nesta descrição propondo a abertura da Câmara Municipal e discursando mais tarde na sacada do seu jornal.

A alcunha de ‘proclamador civil da república’ atribuída ao jornalista Patrocínio começou a ganhar fôlego quando o mesmo descreveu a sua participação durante a instalação da república, no Cidade do Rio em 14 de dezembro de 1889. Isso porque era crucial para ele defender-se da acusação de falso republicano a qual vinha recebendo. Patrocínio rememora que no dia 12 de novembro recebeu um telegrama de Benjamin Constant avisando para preparar-se, pois estava próxima a revolução. Já no dia 14 teve uma conversa com o Almirante Wanderkolk que confirmou o fato. Estes dois fatos instituíam a idéia de familiaridade de Patrocínio com os futuros eventos, além de ser digno de confiança de pessoas tão importantes politicamente na República. Desta forma não era um suspeito, um vendido da monarquia. “Esta prova de confiança bastou para varrer de meu espírito todos os ressentimentos justos, que eu tinha do primitivo partido republicano.”

A “revolução” não era surpresa para o jornalista, e sim o dia emque aconteceu. A precipitação foi resultado de um boato promovido pelo tenente-coronel Sólon e pelo capitão Mena Barreto da prisão do Deodoro da Fonseca e por isso não participou da “gloriosa vigília, de que resultou a Victoria da Republica”. José do Patrocínio ao descer de Petrópolis no dia seguinte percebeu o que estava acontecendo. Imediatamente esteve com Olavo Bilac delegando responsabilidades para o funcionamento da redação do Cidade do Rio. Patrocínio queria estar no meio dos acontecimentos.

Ao chegar ao Campo de Santana soube que Deodoro já se encontrava no interior do quartel general. Voltou, então para o Cidade do Rio e mandou espalhar boletins convidando o povo a dar vivas ao Exército, a Armada e a república. Com o desfile dos soldados na rua do Ouvidor foi Patrocínio à janela parabenizá-los chamando-os de revolucionários. O Cidade do Rio foi invadido pelo povo entusiasmado a festejar, correligionários “viram abraçar-nos e confraternisar comnosco, reatando assim as nossas relações interrompidas.” Patrocínio descreve um dia de festa, de participação popular, como se todos, civis e militares, estivessem à espera da vitória republicana. O fato de correligionários procurarem justamente a sua folha seria uma indicação do reconhecimento do seu republicanismo.

A festa, no entanto, foi interrompida pelo boato de que a república não fora proclamada de fato. Instala-se um momento de incerteza. Surgem então algumas idéias:

- Façamos um grande movimento popular, aconselhou o Dr. Annibal Falcão.

- Assaltemos a camara dos deputados e o senado e façamos com que o Povo dignifique por actos eloqüentes, que se reinvestiu da soberania, ponderou Emilio Rouéde.

- Acho mais regular, observei eu, convidar o Povo a acompanhar-nos à Camara Municipal e ahi proclamar solemnemente , pacificamente, mas decisivamente a Republica.
A minha opinião vingou.

A escolha da Câmara Municipal por Patrocínio não foi aleatória por ser ele, neste momento, vereador da casa. Às 15:30 horas saíram do Cidade do Rio e foram para a Câmara levando a bandeira do Clube Lopes Trovão para simbolizar a república. “...

invadimos a Camara Municipal, onde proclamei a Republica e fiz hastear a bandeira, que symbolisava o faustoso acontecimento.” Patrocínio escreveu e foi votada a seguinte representação divulgada pelo jornal Novidades:

EXMS. SRS representantes do exercito e da armada nacionaes – Temos a honra de comunicar-vos que, depois da gloriosa e nobre resolução que ipso facto depoz a monarchia brazileira, o povo, por órgãos espontâneos e pelo seu representante legal nesta cidade, reuniu-se no edifício da camara municipal, e, na fórma da lei ainda vigente, declarou consummado o acto da deposição da monarchia e, acto seguido, o vereador mais moço, ainda na fórma da lei, proclamou como fórma de governo do Brazil a republica.

Attendendo ao que os abaixo assignados esperam que as patrióticas classes militares sanccionem a iniciativa popular, fazendo immediatamente decretar a nova fórma republicana do governo nacional.

Patrocínio com esta representação proclamava a república na Câmara dos Vereadores. Depois ao som da Marselhesa foram à casa de Deodoro, “a quem dirigi a palavra, externando o voto do Povo”375 com a moção. A radicalização de Patrocínio e seus amigos, a exemplo de Aníbal Falcão376 e Emílio Rouéde377, não foi compartilhada por Deodoro e Benjamin Constant. Este agradeceu ao povo a manifestação de apoio recebido, mas por ora “devia declarar que, [...], só havia definitivamente assentada a organisação de um governo provisório, incumbido de consultar a Nação, reunida em Constituinte, sobre a fórma de governo.” O Governo Provisório se encarregou até então a defender a liberdade, a propriedade e a soberania da Nação.

Patrocínio insistiu para que o governo proclamasse efetivamente a república, estando o povo “alli para ouvir o Governo provisório repetir com elle um viva à Republica Federal Brazileira.” Instigando os que ali estavam levantou por três vezes o viva, e foi entusiasticamente correspondido. Segundo o próprio jornalista, ele e João Clapp foram ao sobrado da casa de Deodoro entregar pessoalmente a moção.

No dia seguinte os vereadores foram à Câmara Municipal discutir as ações do vereador Patrocínio e ratificaram a sua decisão de apoio ao Governo Provisório.

Os acontecimentos testemunhados hontem por esta cidade produsirão a fundação da Republica Brasileira. O governo democrático está instituído como fasem publico todas as folhas diárias de hoje. Avultado numero de cidadãos, tendo a testa o nosso collega vereador José do Patrocínio, occupou hontem os salões deste paço proclamando a “Republica Brasileira”.

O Imperador e a familia Imperial, tractados com maior respeito consta que retirão-se hoje do paiz.O governo Provisório acha-se a testa dos negócios públicos.

Vendo a Illma. Camara no cumprimento destes factos resolve reconhecer a nova ordem de cousas e declarar em nome da paz publica, que o povo deste município adhere ao Governo Provisório. Paço da Illma Camara, 16 de novembro de 1889.

Como o governo “não havia procurado investir-se civilmente da governação nacional”, Patrocínio apresentou mais uma sugestão, convidar o Governo Provisório para fazer o juramento de “bem a servir a nação.” Feito o convite, por meio de uma carta escrita por Patrocínio a Benjamin Constant, este foi aceito e a visita à Câmara realizada, sendo feito o seguinte Termo de Juramento:

Termo de juramento que prestam os membros do Governo Provisório abaixo assinados perante a Illma. Câmara Municipal da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Aos dezesseis dias do mês de novembro de mil oitocentos de oitenta e nove, compareceu no Paço Municipal o Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, composto dos cidadãos Aristides da Silveira Lobo, Rui Barbosa, Tenente-Coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, chefe-de-Divisão Eduardo Wandenkolk e Quintino Bocaiúva, que declarou vir perante a Ilustríssima Câmara, reunida em sessão extraordinária, fazer a promessa solene de sob a sua honra manter a paz e a liberdade públicas, os direitos dos cidadãos, respeitar e fazer respeitar as obrigações da Nação, quer no interior, quer no exterior. Em firmeza do que assinam os ditos cidadãos espontaneamente, com os vereadores da nossa Ilustríssima Câmara, este compromisso para com o Povo Brasileiro, representado neste momento pela Municipalidade da Cidade do Rio de Janeiro.

Para Patrocínio, essa sua atuação o inseriu no panteão dos proclamadores da República, vinculando os seus atos, em 15 de novembro, como essenciais para a institucionalização do novo regime e, mais ainda, restituindo ao evento um caráter civil, de reconhecimento e apoio popular ao convocar o “povo” à Câmara Municipal onde proclamou a república. “Pela linguagem da imprensa européa se vê que a Republica incorreria na antipatia como conseqüência da revolta das classes ricas contra a abolição.” Patrocínio enalteceu sua presença, considerando-a fundamental ao imprimir conotação popular e democrática a proclamação e não um revanchismo dos proprietários contra o Império.

José do Patrocínio evidenciou todo o seu lado radical e apaixonado na defesa de uma causa, neste caso a causa republicana. Anos depois lembrou este momento: “quando se proclamou a Republica eu era republicano, não moderado e evolucionista, como durante o gabinete immortal de João Alfredo, mas preparado para o combate”. Foi para a rua convocar o “povo” a participar da instalação do novo regime, a sua república era popular. Na Câmara Municipal escreveu uma moção referendada pelo povo, declarando a monarquia deposta e proclamada a república. O documento era enfático ao decretar a nova forma de governo. Desejava, apenas, a sanção dos militares, ou melhor, a declaração oficial de Deodoro da Fonseca acerca do novo regime político.

No entanto a única certeza que ouviu do militar Benjamin Constant era o estabelecimento do governo provisório de caráter republicano, quanto à forma de governo esta seria decidida na Assembléia Constituinte, instituição representativa da nação.

Assim, considero José do Patrocínio como o proclamador civil da república. A moção entregue a Deodoro e a presença do Governo Provisório na Câmara Municipal para prestar juramento de respeito aos direitos dos cidadãos legitimam o poder que a Câmara assumiu. E esse poder somente se concretizou devido à iniciativa tomada pelo vereador Patrocínio. Deodoro da Fonseca junto as Forças Armadas derrubaram o ministério e o Império. José do Patrocínio junto a amigos republicanos radicalizaram o movimento clamando pela participação popular e a proclamação definitiva da república.

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Fonte:
Rita de Cássia Azevedo Ferreira de Vasconcelos: “República sim, Escravidão não: O Republicanismo de José do Patrocínio e sua vivência na República”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense. Mestrado em História Contemporânea  na  Universidade Federal Fluminense. Orientador: Prof. Dr. Humberto Fernandes Machado). Niterói, 2011.

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