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O cientificismo iluminista em Gulliver’s
Travels
Embasado no que anteriormente delineamos, a ironia acerca do cientificismo
iluminista em Gulliver’s Travels se constitui a partir da incongruência entre o
dito e não-dito. A conjunção do dito com o não-dito molda os efeitos de sentido
irônico, caracterizando, dessa maneira, a ironia como um procedimento literário que visa desvelar determinadas realidades
(RAMOS-DE-OLIVEIRA, 2004). Assim sendo, o intérprete é levado a observar que o
dito implicitamente o conduz a uma pluralidade de significados que busca
desmistificar uma determinada prática. O dito, em Gulliver’s Travels, está relacionado
a uma prática cientificista amalucada e de acordo, por conseguinte, com a cosmovisão
carnavalesca bakhtiniana. Na ironia acerca do cientificismo iluminista em
Gulliver’s Travels, essas categorias constituem explicitamente o dito. Ou seja,
os cientistas bufões são seres excêntricos que profanam todo o caráter de
seriedade do qual a ciência na Europa é revestida.
Já o não-dito
se apresenta implicitamente como um conteúdo latente relativo ao cientificismo iluminista
reinante na época de Swift. O cientificismo iluminista se dá pela crença à
ciência enquanto salvadora de todos os problemas da humanidade, valorizando exclusivamente
a racionalidade científica que é desenvolvida a partir do uso da razão. Esta
última é definida como algo universal e atemporalmente correto e verdadeiro.
Nesse sentido,
o cientificismo iluminista presente em Gulliver’s Travels pode ser definido como
“[...] crença infundada de que a ciência pode e deve conhecer tudo e é a explicação
causal das leis da realidade tal como esta é em si mesma” (CHAUÍ, 2003, p. 235).
Dessa forma, os pseudocientistas põem total confiança na ciência, valorizando unicamente
uma racionalidade cientificista carnavalizada como única forma de solucionar os
problemas que são apresentados nessa obra.
Além disso, devemos salientar que a racionalidade científica que
teve seu auge no século XVIII com o Iluminismo, marcando o desenvolvimento científico
e técnico dos tempos modernos (ARANHA; MARTINS, 1992), é apresentada em Gulliver’s
Travels a partir da perspectiva de uma razão louca que vai contra
as convenções do mundo oficial por constituir um mundo às avessas, extravagante
e, por conseguinte, cômico. Essa razão, de acordo com Rouanet (2004), conduz em
nome da razão científica um irracionalismo que usurpa as prerrogativas da razão
sábia que é em si a verdadeira razão que liberta o homem das trevas. Em outras palavras,
a razão instrumental jamais assegurará a felicidade geral das massas através de
um progresso social realizado pela ciência, pois esta razão mascara suas verdadeiras pretensões.
Sendo assim, podemos afirmar que a ironia acerca do cientificismo iluminista
em Gulliver’s Travels se apresenta como um elemento satírico a serviço da razão
sábia, tendo por objetivo desvelar a razão instrumental que fundamenta o pensamento
ocidental clássico e moderno, também compreendida como “[...] logos [a razão, a
palavra de Deus, a fala, o discurso], em especial a significação de verdade [...]”. (FELISBINO, 2001).
Dessa maneira, os
pseudocientistas nesta obra são meros bufões usados por Swift para ridicularizar
os cientistas de sua época, pois ele achava a atividade deles cômica em si, uma
vez que não trazia nenhum benefício para a humanidade, ou seja, eles não estavam
preocupados em solucionar os problemas humanos (TURNER, 2005a).
Indo a países fantásticos e carnavalizados, Gulliver se defronta com
práticas sociais que lhe são estranhas e as compara com aquelas de seu mundo extracarnavalesco.
Isso faz com que o leitor possa fazer uma experimentação das “últimas questões” concernentes à
natureza humana e desnudar a realidade que se encontrava camuflada. Isto é possível graças
à criação de um mundo às avessas que coloca elementos antagônicos em perfeita harmonia,
o que é próprio da sátira menipéia
ou luciânica.
Dessa maneira, a ironia acerca do cientificismo iluminista é
construída em Gulliver’s Travels através da apresentação de idéias e invenções que
recebem um tratamento sério-cômico, pois a ida de Gulliver a outros países é um
meio utilizado por Swift para colocá-lo em um mundo fantástico e carnavalizado. Esse
mundo carnavalizado, onde tudo pode acontecer, é confrontado com o mundo extracarnavalesco
e, dessa forma, a ironia, que é um veículo de constituição da sátira swiftiana,
é criada. Em outras palavras, podemos dizer que a ironia acerca do cientificismo
iluminista se dá, principalmente, pela confrontação entre a prática cientificista
dos pseudocientistas presentes em Gulliver’s Travels, sobretudo aqueles da ilha
voadora de Laputa e da academia de Lagado, e os indivíduos que se dizem cientistas no mundo extracarnavalesco.
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Fonte:
Evaldo Gondim dos Santos: “Tradução e ironia: o cientificismo iluminista em Gulliver’s Travels vs. (As) Viagens de Gulliver”. (Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Lingüística Aplicada – CMLA, Centro de Humanidades – CH, Universidade Estadual do Ceará – UECE – como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Lingüística Aplicada. Área de Concentração: Estudos da Linguagem. Linha de Pesquisa: Tradução, Lexicologia e Processamento da Linguagem. Orientadora: Profa. Dra. Soraya Ferreira Alves). Fortaleza, 2008.
Fonte:
Evaldo Gondim dos Santos: “Tradução e ironia: o cientificismo iluminista em Gulliver’s Travels vs. (As) Viagens de Gulliver”. (Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Lingüística Aplicada – CMLA, Centro de Humanidades – CH, Universidade Estadual do Ceará – UECE – como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em Lingüística Aplicada. Área de Concentração: Estudos da Linguagem. Linha de Pesquisa: Tradução, Lexicologia e Processamento da Linguagem. Orientadora: Profa. Dra. Soraya Ferreira Alves). Fortaleza, 2008.
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