23/11/2014

A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social, de Agostinho Marques Perdigão Malheiro

 A Escravidão no Brasil: ensaio histórico-jurídico-social

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E escravo ante a Lei Criminal

Se remontarmos ao Direito Romano antigo, aí veremos sancionada a extrema consequência da latitude do direito de propriedade constituído sobre o escravo, quando, conferindo-se ao senhor, além do jus dominii, o jus potestatis, se lhe deu a faculdade de dispor do escravo como bem lhe aprouvesse, de maltratá-lo e até matá-lo impunemente (jus vitae et necis), do mesmo modo que o poderia fazer com um animal que lhe pertencesse, ou outro qualquer objeto de seu domínio.

Entre outros povos, porém, isto não se dava; v. g., os Judeus, cujas leis ao contrário eram altamente protetoras dos escravos, e favoráveis às manumissões, como teremos ocasião de ver em lugar mais oportuno.

Mas aquela extensão dos direitos do senhor foram na própria Roma restringidos. A Lei Cornelia — de Siccariis — punia com as penas do homicídio aquele que matasse de propósito (dolo) um escravo alheio. Antonino Pio ampliou esta disposição, aplicando a mesma pena ao senhor que sem justo motivo (sine causa) matasse o seu próprio escravo. Ainda mais; permitiu que o escravo, por sevícias ou por ofensas ao pudor e à honestidade, pudesse recorrer à Autoridade a fim de obrigar o senhor a vendê-lo bonis conditionibus, e sem que mais voltasse ao dito senhor.

Já Adriano havia punido a matrona Umbricia por sevícias contra os seus escravos.

Chegou-se mesmo a proibir pela lei Petrônia, que uns referem a Augusto, outros a Nero, que os escravos fossem mandados pelos senhores ao combate das feras; e até, que fossem vendidos para esse fim, sob penas contra o vendedor e comprador, segundo uma lei de Marco Aurélio.

Só restava aos senhores o direito de castigar, com tanto que sem crueldade, e que, caso se seguisse a morte, não se pudesse atribuir à intenção de o fazer por esse meio; proibindo-se-lhes, porém, usar de certos instrumentos ou modos para castigar por serem só próprios de bárbaros.

§3º
Nossas leis antigas e modernas têm formalmente negado, e negam aos senhores o direito de vida e morte sobre os escravos; e apenas lhes dão a faculdade de os castigar moderadamente, como os pais aos filhos, e os mestres aos discípulos. Se o castigo não é moderado, há excesso que a lei pune, como se o ofendido não fora escravo; e com justa razão.

As sevícias, também por nosso direito, autorizam o escravo a requerer que o senhor o venda. E neste caso, bem como no de quererem os senhores vendê-los por vingança, podia a Irmandade de S. Benedito comprá-los para libertar, se fossem irmãos.

Se há receio fundado de que o senhor maltrate o escravo, pode ser obrigado a assinar termo de segurança.

E até, sobre tal assunto, foram as Câmaras Municipais incumbidas de participar aos Conselhos Gerais de Província os maus tratamentos e atos de crueldade que se praticassem com os escravos, indicando os meios de preveni-los.

§4º
Entre os Romanos, os delinquentes escravos eram punidos de modo mais severo do que os homens livres, em alguns casos, como se lê em várias leis; especialmente nos delitos contra os senhores.

A pena de açoites só se aplicava, em regra, aos escravos; e não ao homem livre, mesmo quando liberto condicionalmente.

Quanto à imposição da pena, olhava-se ao estado do delinquente na ocasião do delito, para ser punido como livre ou como escravo, sem que ao primeiro prejudicasse a mudança posterior, nem ao segundo aproveitasse a manumissão. Esta última parte foi alterada em favor do escravo manumitido depois do delito.
O senhor conservava o domínio sobre o escravo, quer fosse este condenado à pena perpétua ou temporária, quer absolvido mesmo em causa capital sem que o senhor o defendesse: exceto aquele que pela condenação era feito servo da pena.

O escravo era sujeito a interrogatório sob tortura (quœstio), quer fosse ele acusado réu de algum crime, quer fosse chamado como testemunha, quer acusasse ele, sobretudo o senhor, nos casos excepcionais em que o podia fazer. — Com mais rigor ainda se procedia em semelhante modo de descobrir a verdade, e em punir de morte os escravos, quando se levantavam contra estes as mais leves suspeitas em casos de assassinato, morte, e até de suicídio dos senhores, — não só quanto aos que estivessem em sua companhia, ou vivessem debaixo do mesmo teto, mas também quanto aos que houvessem fugido, não tivessem acudido em defesa do senhor, em seu socorro, não houvessem até impedido que ele se suicidasse.

Esses rigores foram-se moderando com o progresso da jurisprudência, e sobretudo com a influência do Cristianismo.

Augusto e Adriano modificaram as leis da tortura (quœstio) não a permitindo, mesmo quanto aos escravos, senão em falta de outras provas. Valentiniano, Graciano e Teodósio ainda exigiram que o acusador se obrigasse à pena de Talião antes de os submeter a ela, respondendo pelo seu valor ou pelo dano causado. Constantino proibiu marcar no rosto os condenados, inclusive os escravos.

§5º
Nossas leis antigas dão notícia de disposições excepcionais a respeito dos escravos, já aplicando-lhes açoites, já a tortura para fazerem declarações, já marcas de ferro quente, já a mutilação de alguma parte do corpo, já em excesso a pena de morte, já penas cruéis.


As torturas, marcas de ferro quente, penas cruéis e outros atos semelhantes, só próprios de bárbaros, foram absolutamente proibidos, e desde logo, pela Constituição do Império promulgada em 1824.

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