10/10/2014

Como eu atravessei África (Diário), de Alexandre de Serpa Pinto

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Como foi preparada a Expedição

Em Paris fomos logo procurar a M. d’Abbadie, o grande explorador da Abissínia, e M. Ferdinand de Lesseps.

Deles ouvimos conselhos e recebemos os maiores obséquios.

Infelizmente, não encontramos no mercado, nem instrumentos, nem armas, nem artigos de viagem, tais como os desejávamos.

Foi preciso encomendar tudo.

Com uma recomendação especial de M. d’Abbadie, fomos procurar os construtores de instrumentos, e durante 10 ou 12 dias, Lorieux, Baudin e Radiguet trabalharam para nós.

Walker tinha-se encarregado dos artigos de viagem, Lepage (Fauré) das armas, Tissier do calçado, e Ducet jeune da roupa.

Feitas as encomendas em Paris, seguimos para Londres, e ali compramos os cronômetros, em casa de Dent, e alguns instrumentos em casa de Casela; uma boa provisão de sulfato de quinino, e muitos objetos de cautchouc na casa Macintosh, entre eles dois barcos e algumas banheiras.

Procuramos de balde em Londres, como tínhamos de balde procurado em Paris, um teodolito que tivesse as condições necessárias para uma viagem de tal ordem qual íamos empreender. Uns, ótimos para observações terrestres, não tinham as condições precisas para as observações astronômicas; outros, que reuniam as condições requeridas, eram intransportáveis, já pelo peso, já pelo volume.

Não havia tempo para fazer construir um de propósito, e de volta a Paris, tivemos de aceitar aquele que já antes nos tinha sido oferecido por M. d’Abbadie.

Recolhemos, em Paris, tudo o que tínhamos encomendado, e que tinha sido fabricado na nossa curta ausência; e no dia 1 de Julho, desembarcávamos eu e Capelo em Lisboa, completamente preparados para a nossa viagem; podendo assim cumprir o nosso compromisso, de partir para Luanda no paquete de 5. Tínhamos feito os preparativos em 19 dias.

Quando eu estudava o modo de me preparar para uma longa viagem em África, tinha procurado sem resultado em livros de viagens, o modo porque se tinham preparado outros viajantes.

Em todas as narrativas havia escassez de informações a esse respeito, e lembra-me ainda o quanto isso me enfadou.

Resolvi logo, se um dia chegasse a fazer uma viagem em África, e se dela escrevesse a narrativa, não ser omisso nessa parte, e dizendo quais os objetos de que me provi, dizer quais os que me prestaram serviços reais, e quais os que me foram carga inútil.

A história das explorações de África está no seu começo.

Muitos exploradores me sucederam em África, como eu sucedi a muitos, e creio fazer um bom serviço àqueles que depois de mim se aventurarem no inóspito continente, apresentando-lhes agora uma relação dos objetos de que me provi; e logo, no correr da minha narrativa, as vantagens ou os inconvenientes que neles encontrei.

Segundo as instruções que do Governo tinha recebido, podia demorar-me três anos em viagem, e para isso me preparei.

A experiência tinha-me mostrado, o grave inconveniente de me sobrecarregar de bagagens; e francamente declaro, que fiquei aterrado quando, em Lisboa, vi o enorme trem comprado em Paris e Londres.

Só malas tínhamos 17! todas das mesmas dimensões, 0m,3 x 0m,3 x 0m,6.

Uma era toucador perfeito, contendo um grande espelho, uma bacia, caixas para escovas e mais objetos competentes; outra continha um serviço de mesa e chá para três pessoas; e uma terceira o trem de cozinha.

Três outras malas de forte sola deviam conter cada uma o seguinte:-4 frascos de quinino, uma pequena farmácia, um sextante, um horizonte artificial, um cronômetro, umas tábuas logarítmicas, umas efemérides, um aneroide, um hipsômetro, um termômetro, uma bússola prismática, uma bússola simples, um livro em branco, lápis, papel e tinta; 50 cartuchos para cada arma; um vestuário completo, e três mudas de roupa branca; isca, fuzil, pederneiras, e alguns pequenos objetos de uso pessoal.

Cada uma destas malas tinha na parte superior um estojo de costura, escrivaninha e lugar para papel. Eram pessoais, e pertencia cada uma a um de nós.

As outras 10 malas continham indistintamente roupas, calçado, instrumentos, e outros objetos de reserva. Todas tinham fechaduras iguais e abriam com a mesma chave.

A nossa barraca era uma tente marquise de 3 metros de lado por 2 m, 3 de alto. As camas eram de ferro, fortes e cômodas. As mesas de tesoura, os bancos e cadeiras de lona.

Todos estes artigos foram da fábrica de Walker.

Cada um de nós tinha uma carabina magnífica de calibre 16, cujos canos, forjados por Leopoldo Bernard, tinham sido cuidadosamente montados por Fauré Lepage.

Uma espingarda do mesmo calibre da fábrica de Devisme, uma Winchester de 8 tiros, um revólver e uma faca de mato completavam o nosso armamento.

Em Lisboa tinha eu encomendado na Confeitaria Ultramarina 24 caixas, das mesmas dimensões das malas, contendo, em latas cuidadosamente soldadas, chá, café, açúcar, hortaliças secas, e farinhas substanciais. Hoje devo aqui lavrar um alto agradecimento ao Sr. Oliveira, proprietário da mesma fábrica, pelo escrúpulo que teve na escolha dos gêneros que nos forneceu, e que muito nos serviram no começo da viagem.

Os instrumentos que levamos foram os seguintes: 3 sextantes, sendo um de Casela, de Londres; um de Secretan, e um de Lorieux, verdadeiro primor. Dois círculos de Pistor, fabricados por Lorieux, com dois horizontes de espelho, e os competentes níveis. Um horizonte de mercúrio de Secretan. Três lunetas astronômicas de grande força, duas de Bardou e uma de Casela. Três pequenos aneroides, dois de Secretan e um de Casela; 4 pedômetros, dois de Secretan e dois de Casela. 6 bússolas de algibeira; 1 bússola Bournier de Secretan; 3 outras azimutes, duas de Berlin e uma de Casela; 2 agulhas circulares Duchemin; 6 hipsômetros Baudin, 1 de Casela, 3 de Celsius de Berlin, dois mais muito sensíveis de Baudin; 12 termômetros de Baudin, Celsius e Casela; 1 barômetro Marioti-Casela; 1 anemômetro Casela; 2 binóculos Bardou; 1 bússola de inclinação, e um aparelho de força magnética, que nos foram obsequiosamente emprestados pelo Capitão Evans, por entremeio de Mr. d’Abbadie. E finalmente, o teodolito universal d’Abbadie, que tem o nome de Aba, e que tão cavalheirosamente nos foi cedido pelo seu inventor.

Armas, instrumentos, bagagens, todos os artigos, enfim, tinham gravado o seguinte letreiro-Expedição Portuguesa ao interior de África Austral, em 1877.

Duas caixas, contendo o necessário para conservar exemplares zoológicos e botânicos nos foram enviadas pelos Srs. Dr. Bocage e Conde de Ficalho.


Ferramentas dos diversos ofícios aumentavam este enorme trem, com que íamos deixar Lisboa, para nos internarmos nos sertões desconhecidos da África Austral. 

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