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Os gêneros teatrais e os espectadores da época
Os gêneros teatrais e os espectadores da época Pensa-se em Artur Azevedo, geralmente, como o grande escritor de revistas de ano do século XIX. Seus contos bem escritos e bem humorados também fazem parte das antologias que incluem os melhores contos brasileiros, por serem considerados obras literárias de qualidade.
No entanto, a reflexão
intelectual do escritor, registrada em seus escritos jornalísticos, girou em
torno da elaboração de comédias de costumes. Conhecido como o maior escritor de
revistas de ano brasileiro, elaborava esses textos populares com a facilidade propiciada
por seu talento espontâneo para o palco, a paródia e o humor direto. Sem
renegar o gênero, rigorosamente criticado pelos demais intelectuais, Artur
Azevedo acreditava na hierarquia adotada por seus pares, que consideravam as
comédias de costumes artisticamente superiores às comédias ligeiras. Analisando
a recepção crítica da sua obra, no entanto, sentimos que as comédias “sérias”,
valorizadas pelo autor e por seus colegas de letras, não receberam a atenção
merecida dos pesquisadores e críticos posteriores.
Houve, no decorrer do século XX,
uma inversão de posicionamentos: enquanto os escritores contemporâneos a Artur
Azevedo – como Machado de Assis, Coelho Neto, Oscar Guanabarino, entre outros –
valorizavam as comédias não musicadas, os críticos da atualidade preferem as
peças em que ele utilizou os recursos cênicos agradáveis ao público, como a música
e os cenários deslumbrantes. Tal mudança ocorreu devido à quebra dos
preconceitos, que permitiu aos críticos atuais perceberem as qualidades da
comédia leve e a capacidade de Artur Azevedo exercitar plenamente seu talento
naquele gênero. No entanto, os estudiosos, ao mesmo tempo em que souberam
visualizar os pontos positivos das peças musicadas, criticaram severamente as
comédias “sérias”, sem perceber as várias qualidades também presentes nesses textos.
Dentre as peças estudadas aqui,
encontramos obras de grande valor e outras que apresentam falhas estruturais,
isto é, enredos pouco convincentes, com personagens de caracterização menos
verossímil. Essas últimas, porém, em nada diminuem a relevância das melhores
comédias de Artur Azevedo para a nossa literatura. O mérito dessas obras existe
devido à presença de alguns elementos inéditos no teatro brasileiro, baseados
na valorização da cultura popular nacional. Mesmo nos poucos estudos mais
recentes sobre as comédias de Azevedo, nenhuma análise literária aprofundada, à
exceção daquelas voltadas ao estudo das revistas de ano, foi até agora
realizada.
Por isso, nossa proposta de
estudar as comédias rendeu descobertas capazes de incluir algumas delas dentre
as mais ricas escritas no Brasil e sobre o Brasil.
Iniciemos nossa reflexão com um
estudo sobre as características dos espectadores da época. A chave para a
compreensão da obra dramática de Artur Azevedo centra-se na separação dos
gêneros aos quais ele se dedicou: as peças musicadas e as não-musicadas. Estão intrinsecamente
ligadas à questão dos gêneros as características sócio-econômicas da audiência para
a qual o autor destinava cada um dos diferentes gêneros teatrais. Esta se
dividia basicamente em dois grupos: o “público” comum, pobre, analfabeto; e a
“sociedade” intelectual e/ou economicamente privilegiada.
A separação dos espectadores
entre ricos e pobres, literatos e analfabetos, evidencia uma das
particularidades da vida teatral da época. Artur Azevedo, em suas crônicas
teatrais, dividia os espectadores em dois grupos distintos, denominados por ele
de “público” e “sociedade”. Por meio da leitura das crônicas, depreendemos que
do “público” faziam parte os freqüentadores regulares do teatro musicado e
popular, cujos gêneros principais eram as revistas, as mágicas e as operetas.
Na “sociedade”, incluíam-se os espectadores da elite, presentes,
principalmente, nas apresentações de companhias estrangeiras, nos festivais amadores
e em raras encenações de peças “sérias” brasileiras por grupos profissionais.
A reclamação maior de Artur
Azevedo voltava-se ao afastamento da “sociedade” do teatro regular, inclusive
quando se apresentavam peças de qualidade: No Rio de Janeiro os espectadores
que dão o cavaquinho por tramóias e peloticas são os mesmos que assistem às
representações das mágicas, revistas, operetas e dramalhões com que os nossos teatros
nos empanzinam, mas infelizmente só por acaso um ou outro dentre eles corre ao
teatro para admirar e aplaudir um artista notável como Novelli6. A estes
espetáculos excepcionais assiste um grupo de famílias e indivíduos, sempre os
mesmos, cuja lista eu poderia publicar neste folhetim, sem lhe roubar grande
espaço. Esses indivíduos e essas famílias raramente aparecem nos espetáculos
das ruas do Espírito Santo e Lavradio. Eles não fazem parte do público, mas da
sociedade, e a diferença é enorme entre a sociedade e o público.
O público – tenho me cansado de o
repetir – só se afasta do teatro quando as peças não o atraem. A sociedade,
sim, não há que contar com ela, mas o público vai e há de ir ao teatro,
contanto que não seja para se enfastiar.
Investidas no sentido de atrair a
“sociedade” para o teatro regular aconteciam
esporadicamente entre artistas
amadores e profissionais. Elas, todavia, dificilmente alcançavam um retorno
financeiro satisfatório e acabavam arrefecendo. A companhia portuguesa de Lucinda
Simões, por exemplo, responsável por trazer ao Brasil dramas europeus inéditos,
como A Casa de Boneca, de Ibsen, realizou uma dessas tentativas ao promover, em
1900, espetáculos às quartas-feiras, reservados aos membros da elite econômica.
A experiência não conseguiu o resultado almejado e durou poucas semanas.
Esses espetáculos podem ser
freqüentados, necessariamente, por todo aquele ou aquela que comprar o seu
bilhete e esteja trajado, ou trajada, com certa decência; mas a empresa
destina-os especialmente “às mais distintas famílias da elite da nossa
sociedade”, e conta que o seu teatro seja, às quartas-feiras, um ponto de
reunião para as damas e os cavalheiros do monde, como dizem os franceses, ou do
high life, como dizem os ingleses. A tentativa é inteligente e simpática, mesmo
porque talvez consiga fazer as pazes entre a boa sociedade e o teatro, que há
muito se desavieram.
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Fonte:
Fonte:
Larissa de Oliveira Neves: “As
Comédias de Artur Azevedo – Em Busca da História”. (Tese apresentada ao
programa de Teoria e História Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Campinas, como requisito para a obtenção do título de
Doutor em Letras na área de Literatura Brasileira. Orientadora: Profa. Dra.
Orna Messer Levin). Campinas, 2006.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade
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