18/10/2014

A Casadinha de Fresco, de Artur Azevedo

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Do menino Arthur Azevedo ao comediógrafo

Do menino Arthur Azevedo às origens do Arthur Azevedo homem: eis a linha da a “Autobiografia de Arthur Azevedo” publicada no Almanaque do Theatro em 1907. Esta é a única crônica do autor em que ele fala somente de si e constrói sua “ilusão biográfica”. Apesar de todas as crônicas de Arthur Azevedo serem opinativas e enfatizarem o ponto de vista de quem a escreve, algumas rememoram episódios da infância e juventude do autor, “Autobiografia de Arthur Azevedo” é aqui tomada como síntese analítica por se propor a ser uma autoapresentação.

Antes de iniciar a discussão sobre a crônica, é importante problematizar os dados sobre si apresentados pelo autor porque, como alerta Pierre Bourdieu, qualquer texto ou narrativa apresenta dados, tomados por concretos, mas que não passam de construções e abstrações (2000:25). Em um texto específico sobre narrativas e trajetórias, “A Ilusão Biográfica”, Pierre Bourdieu (2002) alerta para o risco da “ilusão biográfica” tanto por parte de quem faz sua autobiografia, como por parte dos entrevistadores e biógrafos. Afinal, ao falarem sobre si, os sujeitos tendem a reconstituir sua trajetória como uma sucessão de acontecimentos lineares, ordenados de forma lógica, cronológica e teleológica, que eclipsam as contradições, as fragmentações e as incoerências subjetivas na vivência dos múltiplos papéis sociais. Para Bourdieu, a autonarrativa é sempre uma “ilusão” por tentar dar um sentido coerente e unívoco a uma vida. O sociólogo chama a atenção para o fato de que a descontinuidade faz parte da trajetória, embora haja sempre um esforço do narrador para omiti-la, pelo fato de o mundo social identificar a normalidade nos sujeitos que se expressam de forma coerente. Bourdieu também adverte sobre a impossibilidade de se reconstituir uma trajetória sem a análise e a compreensão das “relações objetivas”, ou seja, sem entender o contexto em que a trajetória se desenrolou e os espaços que ligam um “agente” a outros, interagindo em um mesmo “campo”.

Na crônica tomada como objeto de análise, Arthur Azevedo também principia seu depoimento pessoal retrocedendo à mais tenra infância, como o mito de origem da manifestação de sua vocação teatral. Apesar de sua aparente despretensão narrativa, que, ao final da crônica, leva-o a descrever a si mesmo como “um comediógrafo sem teatro, sem artistas, sem público, sem estímulo de espécie alguma que chegou infelizmente aos 47 anos sem realizar o seu sonho de literatura e de arte”, a imagem inicial põe em evidência um menino prodígio, que organizava espetáculos, escrevia, lia todos os livros da biblioteca paterna e aprendeu com facilidade o francês para ler os exemplares da Seleta Francesa. E, ao seguirmos a trilha de Arthur Azevedo, ficamos com a impressão de que ele está longe de ser um “comediógrafo sem teatro” e “sem público”. Como podemos conferir:

“Desde os mais verdes anos manifestei certa vocação para o teatro e, se não fossem os meus pais, teria, com certeza, abraçado a arte dramática. Aos oitos anos organizava espetáculos de súcia com os meninos da minha idade e ficava radiante todas as vezes que apanhava um drama ou uma comédia para ler. Na biblioteca de meu pai, que possuía bons livros, preferia as peças teatrais e, como havia muitas em francês, aprendi com facilidade a traduzir esse idioma para poder lê-las. Foi justamente na seleção francesa que encontrei assuntos da minha primeira peça – uma tragédia, a única que perpetrei. O episódio de Mucio Sevola queimando a mão, em presença de Porsena, me impressionou tanto que resolvi transportá-lo para o palco. Imagine o que sairia na pena de um fedelho de 10 anos (...). Entretanto, Mucio Sevola não foi a minha primeira peça. Um ano antes (não riam) tinha escrito um drama em um prólogo e cinco atos (...) A peça foi representada com enorme sucesso num salão que havia no fundo do quintal de nossa casa(...) que meu pai reservava exclusivamente para nossas travessuras, minhas, dos meus irmãos e de alguns amiguinhos da vizinhança (...).

Em 1879, alguns moços, empregados como eu, no comércio, construíram no largo do Carmo (hoje Praça João Lisboa) por baixo do Gabinete Português de Leitura, um teatrinho (...). Aí fiz representar (...) um melodrama (...). Intitulava-se “Fernando, o enjeitado”, e era extraído de uma novela de Lopes Mendonça. O meu irmão Aluísio de Azevedo, o nosso ilustre romancista, desempenhou o papel de Maria, que se apaixonara por Fernando, o enjeitado. Desgostando então o Sr. Duarte, seu marido. O Sr. Duarte era eu. (...)

Em 1870, tinha eu então 15 anos, escrevi o Amor por Anexins. Foi o meu primeiro trabalho exibido em teatro público e, até hoje, o que tem sido talvez ouvido mais vezes, pois conta centenas de representações tanto no Brasil como em Portugal, devido não ao merecimento da obra, mas ao fato de ter apenas dois personagens.

Aí tem a história das primeiras peças de um comediógrafo sem teatro, sem artistas, sem público, sem estímulo de espécie alguma, que chegou aos 47 anos sem realizar o seu sonho de literatura e de arte”. (Grifos meus)

Vamos à sociedade do Maranhão quando do nascimento do primogênito dos portugueses David Gonçalves de Azevedo e Emília Amália de Magalhães, ele viera já rapaz orçando pelos 20 anos e ela ainda criança, com apenas 5 anos. Arthur Azevedo nascera em 7 de julho de 1855. Segundo Antônio Martins Araújo (2009:10-11), naquela época o Maranhão possuía quatro livrarias, três tipografias que serviam a uma pequena elite, visto que dos 360.000 habitantes, um quarto era composto de escravos, e apenas 35 mil pessoas moravam em São Luis. Conforme Mérian “por volta de 1850 não havia nada que revelasse ao viajante que chegava a São Luis, que a província do Maranhão entrara em decadência” (1988:13), devido à queda no preço do algodão. Ao menos tal situação não transparecia nos modos e vestuários da reduzida elite branca, em sua maioria de origem portuguesa, que morava em sobrados e enriquecera no comércio e que com frequência educava seus filhos homens na Europa. Elite que o irmão de Arthur Azevedo, Aluísio Azevedo, descreve, no romance O Mulato (1881), como preconceituosa e avessa à miscigenação. O contato com Portugal era mais frequente do que com a corte, em razão de uma linha direta de vapor entre Lisboa e São Luís. E os costumes e tradições lusitanas se faziam bem presentes no estado.

A província de São Luís se via como uma “cidade letrada”, a “Atenas Brasileira”, e tinha orgulho de alguns de seus filhos ilustres no mundo das Letras, entre eles Antônio Gonçalves Dias, um dos grandes nomes da poesia romântica, além de Manoel Odorico Mendes, intelectual que fizera as primeiras traduções de Virgílio e Homero para a língua portuguesa; Francisco Sotero dos Reis, professor de língua portuguesa, escritor e filólogo, e diretor do prestigioso colégio de elite “Liceu Maranhense”, destinado aos meninos, e João Francisco de Trajano Lisboa, um dos jornalistas mais ativos da época. O crítico literário José Veríssimo, em sua História da Literatura Brasileira (1916), os definia como o “grupo maranhense”, bastante prestigiado no mundo intelectual e com características bastante lusófonas (Cf. Martins, 2008). A cidade também contava com teatro e desde a inauguração.

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Fonte:
Tatiana Oliveira Siciliano: “O Rio que passa” por Arthur Azevedo: Cotidiano e vida urbana na Capital Federal da alvorada do século XX”. (Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho). Rio de Janeiro, 2011.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. 
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade

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