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Em busca de um teatro nacional
Para o teatro, o
período de transição entre o século XIX e o século XX foi marcado por muitas
expectativas e conflitos, resquícios de uma perspectiva de atraso que perseguiu
o teatro brasileiro desde o movimento romântico. Para os autores vinculados ao
teatro, produzir peças capazes de falar a respeito do Brasil neste período
significou não só atender a uma demanda intelectual de fundo político e
justificada pelo presente, mas também retomar questões que ficaram como que mal
resolvidas no período romântico.
Se na visão da crítica
os autores vinculados à literatura foram capazes de escrever algo significativo
a respeito da identidade nacional brasileira no período do Romantismo, uma vez
que se produziu uma primeira imagem do que seria o brasileiro, o teatro não
obteve o mesmo sucesso. Não houve um movimento coeso que se pudesse
intitular romântico e tampouco que fosse capaz de conciliar a estrutura
estética desejável com uma temática de cunho nacional. Disso decorre a
perspectiva de atraso à qual me referi anteriormente. Permaneceu, portanto, nos
debates acerca das representações teatrais a aspiração romântica da busca pela
cor local, por um teatro que se mostrasse capaz de falar a respeito do Brasil,
mesmo quando o drama romântico já perdia terreno para a escola realista.
Efetivamente, no entanto, apenas a comédia de costumes mostrou-se capaz de
trazer elementos de brasilidade da forma como desejavam os românticos, mas se
tratava de um gênero menor, incapaz de atender às expectativas estéticas da
crítica teatral do período.
A comédia de costumes
pode ser considerada a única tradição teatral genuinamente brasileira. Martins
Pena influenciou diversos autores e entre eles está Artur Azevedo, que será o
principal autor do nosso teatro durante os últimos anos do século XIX e
primeiros anos do século XX, período no qual os gêneros vinculados à comédia
predominaram no cenário nacional. Este é um momento no qual há um gradativo
aumento da presença estrangeira em nossos palcos, e no que concerne ao teatro
brasileiro, a preferência do público volta-se para o teatro cômico e musicado.
A crítica teatral neste contexto lamentou profundamente este movimento
conclamando a necessidade de se formar uma tradição teatral brasileira que estivesse
em conformidade com as reconhecidas escolas artísticas européias, ou seja,
capaz de nos aproximar da civilização.
Aos olhos da crítica
teatral da passagem do século, o teatro produziu muito pouco daquilo que dele
era esperado. O Brasil não era, portanto apenas um país atrasado com relação
aos demais, mas também um país que possuía um teatro atrasado. Neste momento em
que era retomada a preocupação com a identidade nacional brasileira, nada mais
natural do que exigir uma participação do teatro neste projeto.
O desconforto dos
críticos não era propriamente com o conteúdo das peças teatrais que então eram
produzidas, mas com o gênero cômico. Mesmo dentre os comediógrafos do período,
havia a crença de que o termo “arte dramática”
designava apenas a alta dramaturgia,
compreendida como a tragédia neoclássica, de modo que a comédia e seus
congêneres populares estariam automaticamente excluídos dessa definição. Mesmo
antes do período republicano, a opinião da elite intelectual negou
constantemente a existência de um teatro de características populares e no qual
a maior parte da população brasileira via expressos seus desejos e vivências e
que portanto, estava mais próximo daquilo que se podia compreender como o povo
brasileiro, para o qual os autores do período voltavam os olhos em função da
necessidade de estabelecer uma definição da nossa identidade.

Uma das principais
queixas dos críticos teatrais do período era a ausência de público nas
produções de dramas nacionais e outra, o excesso de subserviência aos modelos
do teatro estrangeiro. Neste sentido, é importante a observação de Bárbara
Heliodora:
[...] o teatro, é
preciso que admitamos, não perdoa: ele reflete o ambiente em que é escrito,
quer queiramos, quer não queiramos e não adianta ficarmos “falando mal” do
teatro brasileiro da época, dizendo que ele imitava o estrangeiro, quando na
realidade era ao próprio Brasil que faltava essa brasilidade: o teatro
imitativo não fazia mais do que mostrar a força do colonialismo cultural.
Bárbara Heliodora
acerta no ponto, pois estamos falando de uma época de busca pela definição do
que seria a nação Brasil, ao mesmo tempo em que havia uma certa obsessão pelo
progresso, pela superação do atraso em que vivia o país. E esse progresso,
viria necessariamente das nações européias e não dos trópicos. Daí a imitação
de costumes, a ponto de se cometer alguns absurdos como usar roupas inadequadas
para o clima brasileiro unicamente para seguir à moda francesa, como bem
descreve Jeffrey Needell, em seu livro Belle Epoque Tropical.
Para críticos teatrais
do período, no entanto, como a comédia em si mesma não era admitida, havia uma
sensação de ausência de peças nacionais nos palcos e de invasão estrangeira.
Disto decorre o desabafo de Machado de Assis no seu já citado ensaio Instinto
de Nacionalidade. Quando o autor se propõe a escrever sobre o teatro (então
visto como parte indissociável da literatura), afirma:

Esta parte
pode reduzir-se a uma linha de reticência. Não há atualmente teatro brasileiro,
nenhuma peça nacional se escreve, raríssima peça nacional se representa. As
cenas teatrais deste país viveram sempre de traduções, o que não quer dizer que
não admitissem alguma obra nacional quando aparecia. Hoje, que o gosto público
tocou o último grau da decadência e perversão, nenhuma esperança teria quem se
sentisse com vocação para compor obras severas de arte.
Na visão do crítico,
escritor e ensaísta, o teatro se afastava nesse momento daquilo que se entendia
como literatura, aproximando-se cada vez mais do espetáculo. A visão foi
compartilhada pelos demais autores da crítica de então a ponto de se imputar
àquele momento a pecha de “período de decadência” do teatro brasileiro.
Ocorre que, o teatro,
para além de atender às expectativas dos intelectuais, precisava agradar também
ao público, que tinha expectativas muito distantes das da crítica teatral do
período. Artur Azevedo foi reconhecido como o maior representante deste
movimento teatral em que prevaleceram gêneros cômicos, tendo se tornado
conhecido tanto pela sua extensa produção voltada para o teatro popular, quanto
pela escrita de textos de crítica teatral publicados em jornais. Homem de seu
tempo, considerava a comédia um gênero menor, mas era um pouco mais complacente
e acreditava numa convivência pacífica entre os gêneros que mais agradavam ao
público e aqueles que interessavam aos literatos, tanto que se aventurou por
ambos os caminhos.
Diversas vezes, Artur
Azevedo viu-se obrigado a responder às críticas que recebia por sua produção
voltada para o teatro popular, explicando o motivo de suas opções estéticas.
Para ele, a acusação de ser o principal agente da decadência do teatro nacional
por atrair as atenções do público para o gênero cômico parecia injusta, uma vez
que ele mesmo sentia-se preocupado com a situação que lhes parecia crítica, mas
só acreditava numa solução mediada pelo governo, daí a sua militância a favor
da construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A esperança de que a
situação se mostrasse melhor a partir da construção de um
novo teatro, ele expressa em sua peça
teatral O Mambembe, encenada pela primeira vez em 1904, através da fala
de Frazão:

Não te entristeças por isso, filha: o nosso teatro, no estado em que
presentemente se acha, não deve seduzir ninguém. Espera pelo Teatro Municipal.
Ao escrever suas
comédias, Artur Azevedo tinha consciência de que produzia peças em um gênero
tido como divorciado da literatura, mas acreditava que mesmo neles poderia
haver um pouco de arte, de forma que afirmava em sua defesa:
Se o gênero
foi deturpado por alguns escritores bisonhos ou ineptos, não me cabe nisso a
menor culpa. Em todas quanto escrevi, sozinho ou de colaboração com Moreira
Sampaio, Aluísio Azevedo e Lino de Assunção, há – quer queiram quer não queiram
– certa preocupação de arte que as separa de algumas baboseiras que sob o nome
de revistas de ano se têm exibido em nossos teatros.
[...] todas as vezes que tentei fazer teatro sério, em paga só recebi censuras, ápodos, injustiças e tudo isso a seco; ao passo, que enveredando pela bombachata, não me faltaram nunca elogios, festas, aplausos e proventos. Relevem-me citar esta última fórmula de glória, mas – que diabo! ela é essencial para um pai de família de vive da pena!.
A diferença existente
entre as expectativas do público, por um lado e dos literatos, por outro,
expressa os contrastes existentes no interior da própria sociedade brasileira
do período. Pode-se ainda observar o abismo que havia entre o Brasil que se
pretendia e aquele que de fato existia naquele momento.

O mais
interessante é de observar em Artur Azevedo é que apesar do autor ter assumido
um compromisso com seu público antes de tudo, rompendo em certa medida com
aquilo que a intelectualidade esperava de um grande autor de teatro naquele
momento, jamais deixou de se preocupar com a qualidade do teatro brasileiro. Sua discordância com os demais críticos da
época foi apenas com relação ao gênero em si, pois acreditava que o que tornava
uma peça inferior não era necessariamente seu gênero, mas o modo como era
escrita:
E as suas, pelo menos, sempre o foram com cuidado e muito trabalho,
tendo em vista agradar não à massa geral do público, mas a um grupo de
espectadores ‘que sabem dividir o joio do trigo’.
Ainda que aparentemente
o autor tenha acreditado na negação da qualidade de suas peças por parte da
crítica do período, observamos em suas comédias uma produção tipicamente
brasileira. Num momento em que a crítica almejava um teatro com autor e
temática brasileira, suas comédias colocam em cena homens humildes e homens
letrados, negros, mulatos, caipiras. Os cenários das peças do autor podem
trazer a cidade do Rio de Janeiro modernizada que seduz pelas suas belezas,
pequenas cidadelas interioranas e suas festas populares, e ainda a periferia e
o povo marginalizado. A fala dos personagens é antes de tudo, o português
brasileiro e marcado por diferenças regionais, opondo-se assim, à preferência do
uso do léxico e da sintaxe lusitanas, presentes nas obras literárias da época.
Para além da discussão
à qual sua obra foi submetida pela crítica que lhe foi contemporânea, Artur
Azevedo interessa-nos neste momento, por se tratar de um homem inscrito em dois
mundos, o mundo da elite intelectual e o do povo. Dois mundos estes, que em
última instância são um só: o Brasil da virada do século.
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Fonte:
Fernanda Cássia dos Santos: “Artur Azevedo e a identidade nacional brasileira na passagem do século xix para o XX”. (Monografia apresentada à disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como pré-requisito para a conclusão do curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profª Drª Andréa Doré). Curitiba, 2008.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Nota:
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