07/09/2014

Poesias de Antônio Feliciano de Castilho

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Castilho e os Trovadores

Ao observarmos as relações de António Feliciano de Castilho com os poetas d’O Trovador, percebemos que efetivamente havia para o redator da RUL uma hierarquia clara no nível poético desses jovens. São esclarecedoras algumas cartas que António Feliciano dirige a António Xavier Rodrigues Cordeiro sobre as colaborações poéticas para sua Revista. Uma delas, datada de 4 de janeiro de 1845, explica não ser possível publicar a colaboração do jovem acadêmico: “E realmente que chegárão tarde os versos de V. S. para a festa d’este anno: o mesmo aconteceu a tres outros poemas lyricos. Póde pois V. S., a seu gôsto, aperfeicoal-os  agora   com     tempo para o Natal  seguinti” (PT/ANTT/Colecção Castilho/Cx21/Ms.2/ Doc16(3)).

Teriam realmente chegado tarde ou não eram suficientemente bons? Afinal, ainda precisavam ser aperfeiçoados. O restante da carta traz tantas indicações sobre como devem ser compostos os poemas para a Revista que nos faz crer que efetivamente a produção de Rodrigues Cordeiro não era da qualidade que Castilho queria. Parece, inclusive, que sua colaboração não havia sido solicitada, mas enviada por sua própria conta:

Se V. S. se-dá por convidado a esta mesa redonda, que a Revista franqueia a todos os bons engenhos, para todas as festas do anno, permitta-me fazer-lhe uma advertencia:
O systema, que mais convêm seguir, a razão e a experiencia mostram, que não é o de tratar o objecto em si mesmo, porque ahi defficilmente se-póde ser original; tudo está dito em verso e em prosa milhões de vezes; e repetil-o é correr grande risco de não ser lido. O que logo convem, é roçar pelo objecto, feril-o obliquamente, tomal-o como fundo para um desenho novo, emfim não como principal, artisticamenti considerado, mas como accessorio. De um e de outro systema achará V. S. os exemplos nos N.os 23 e 24 da Revista, e facilmente notará, pelo effeito diverso que essas peças produzem, a muita razão, com que lhe dou este conselho, obrigado, ja se-vê, unicamente, pelo desejo de o-ver brilhar o mais que lhe-for possivel. (PT/ANTT/ Colecção Castilho/Cx21/Ms.2/Doc16(3)).

O trecho mostra como o tema dos poemas devem ser abordados, “obliquamente”, como “fundo”, de modo que a originalidade sobressaia. O modelo indicado por Castilho é curioso. Há diversos poemas publicados nos números 23 e 24 desse último tomo de sua redação, justamente aquele em que mais espaço é dado ao gênero. São os únicos dois números até então com poemas do próprio António Feliciano: “Lenda dos Bailarins” e “O Natal do Pobresinho”116 – este último “traduzido” do poeta dinamarquês H. P. Holst. Também estão presentes nesses números Garrett, Mendes Leal e João de Lemos, que Castilho indica em outra carta a Cordeiro, de 14/04/1845, como conselheiro e influidor se quisesse ser reconhecido117. Caso Xavier Rodrigues Cordeiro não tivesse entendido o que os exemplos mostravam, há ainda mais uma ressalva, em post scriptum, aliando qualidade poética a reconhecimento do público:

Tambem me cumpre advertir, que toda a sobriedade é pouca para escritos de tal genero; é indispensavel, que sejão concisos, curtos, e substanciáes; e sôbre tudo o mais esmerados possivel em versificação e rima. Por entre as concorrentes ha alguns dextrissimos; os leitores, constituidos em jury, gostam de comparar, e nisso são severos. (PT/ANTT/Colecção Castilho/Cx21/Ms.2/Doc16(3)).

Ou Castilho não apreciava a metrificação e a rima de António Xavier ou o jovem poeta de Leiria esforçava-se por não agradar a sensibilidade do redator. Sua participação na Revista ocorre apenas no último tomo castilhiano, com sete notícias e apenas um poema. O que enviara para o Natal não chegou a ser publicado. As demais comemorações que poderiam servir de fundo a composições poéticas foram elencadas a ele, mas ou não o agradou a seleção ou não se deu ao trabalho de enviar algo aceitável. Uma das festas que tinha “concurso poetico na Revista” (PT/ANTT/ Colecção Castilho/Cx21/Ms.2/Doc16(3)) era a “Serração da Velha”, sobre a qual Cordeiro envia uma notícia à RUL. Após contar, com certo pendor etnográfico, o que é essa tradição e como ela se dava em Coimbra, há uma quebra de expectativa, pois naquele ano de 1845 não se realizara na Universidade, que estava de luto pela morte de alguns alunos que morreram de febre. Pergunta ele: “Não acha, Sr. Redactor, [...] que esta abnegação de prazeres, e gozos votada á saudade do mancebo finado – é digna de elogio?” (RUL, IV, nº 34, 13/03/1845, p. 413). O que responderia Castilho? Rodrigues Cordeiro não enviara um poema nem sobre a festividade nem sobre o luto, perdendo uma oportunidade. Seu único poema publicado parece em alguns momentos querer romper com a ideia da “Festa da Primavera” realizada pelo jovem António Feliciano e seus amigos e reencenada, como elogio, pelos poetas d’O Trovador. A primeira estrofe, única em decassílabos como o poema de Castilho, indica a leitura do texto de 1822:

Porque amo a primavera! É porque as nuvens
N’esses campos do céu tornadas seda,
Sem meditar procellas, folgam, brincam
Das auras ao caprico? É porque as aves
Dizem seu canto novo ás balsas verdes?
Será porque a esmeralda das campinas
De mil cores se esmalta; e toda límpida
A ethérea luz sem veu se ri nas terras? 
(RUL, IV, nº 37, 03/04/1845, p. 445).

O primeiro verso da estrofe seguinte, que abre uma série de estrofes com quantidades variadas de versos em redondilha maior, rompe com essa ideia com uma exaltada negativa: “Não é, não!...”, cujo silêncio causado pelas reticências lembram o silêncio que precede a tempestade ao mesmo tempo em que ecoa essa dupla negativa, para então começar uma sucessão de imagens da inocência da primavera como prelúdio da revolta do verão ou do inverno. Cordeiro também enviara à RUL duas notícias sobre afogamentos em rios, inclusive no “placido e namorado Liz do nosso Lobo” (RUL, IV, nº 6, 29/08/1844, p. 21), apontando uma dissonância entre a natureza pacífica cantada por alguns poetas e a realidade que ele via. Enquanto Castilho, na Primavera, defendia uma “claridade pacífica”, Cordeiro se volta ao inverno, pois lá, canta ele: “Minha alma então acordava/ Co’a tempestade folgava,/ Não amava a luz do dia” (RUL, IV, nº 37, 03/04/1845, p. 445). A primavera funciona como alegoria da infância que já passou e “que mais não póde voltar”. Essas cenas do passado aparecem interligadas numa longuíssima estrofe de trinta e sete versos em redondilha menor, que termina apontando a fugacidade da vida: “Voltava a sorrir,/ Voltava a cantar,/ E a infancia fugia/ Sem eu o sentir”. Um tema presente em outros poemas de Rodrigues Cordeiro, que canta diversas vezes o desengano, como nesses versos do primeiro número d’O Trovador: “Vão as rodas do tempo esmigalhando/ Uma por uma as ilusões da terra” (O Trovador/O Novo Trovador, 1999, p. 32).

A simplicidade dessa vida de criança no “Porque Amo a Primavera”, presente tanto nas imagens quanto na escolha da medida velha, deve ter feito com que ele enviasse o poema a Castilho sem pensar no que o mestre sentiria. O redator acabou por publicá-la, apesar de não ter gostado muito, como indica sua carta a Rodrigues Cordeiro datada de um dia após ter saído a revista:

As recommendações de V. S. chegaram depois de já publicada a sua peça. Felizmente, eu tinha olhado para ella com attenção, e por consequencia pude, em parte, preveni-las. Erros para emendar, não lhe vi nenhum; pareceu-me ter um pouco de diffusão, imputavel á pressa com que foi escrita, e encurtei-a como pude. A tal rima em ir, tambem a mim me não tinha parecido muito bem ali, mas são venialidades (PT/ANTT/ Colecção Castilho/Cx21/Ms.2/Doc9(1)).

Ficamos sem saber onde Castilho a encurtou. A “diffusão” é clara pela variedade de metros e de versos por estrofe, apenas em parte rimada. Uma variedade que não devia ter soado bem aos ouvidos metrificadores do poeta cego. As críticas foram em parte atendidas, pois, ao republicar esse poema n’O Trovador, desistiu da tal rima em “ir”, alterando o último verso para “Sem eu o cuidar”, retomando a rima de “cantar” e “mar” em vez da agudez do “sentir”, que se ligava às sensações e expressões “sorrir”, “ouvir” e “luzir”. Outros poetas do grupo agradavam muito mais a Castilho: “Queira V. S. ver se José Freire, Couto Monteiro, e os outros, se resolvem ainda a vir a este banquete, como João de Lemos já o fez; e que riquissimamente o não fez elle!” (PT/ANTT/ Colecção Castilho/Cx21/Ms.2/Doc9(1)).

Pelo visto, António Maria do Couto Monteiro não se resolveu. Todavia, ele já havia publicado dois poemas no tomo anterior: “Coimbra” e “Saudades da Minha Infância”. O primeiro mereceu, inclusive, palavras prévias de Castilho, apresentando o autor, em quem ele via uma “predestinação litteraria”:

Entregue todo a estudos urgentes e positivos o Sr. Cóito Monteiro não cultiva, não tem tempo para cultivar a poesia: colhe-a ao acaso, segundo em seu caminho se lhe offerece florida. Respira-lhe um momento a fragrancia; tece-a, sem cuidar, n’um ramalhete ou n’uma corôa; deixa-a ficar apóz si e esquece-a. (RUL, III, N.º 6, 28/09/1843, p. 67-68).

Uma poesia que “se lhe offerece florida” parece ser realmente a de Couto Monteiro publicada na RUL. Ele canta uma pátria “gentil, risonha terra” “do placido Mondego”. Coimbra aparece como “virgem formosa” que recebe os beijos desse rio. Mesmo na noite melancólica, a cidade é “enamorada, e pura”. Somente após essa longa descrição da beleza inocente, que é para ele a cidade universitária, na qual vivem as “gentis donzellas” “formosas”, o poema ganha alguma subjetividade mais efetiva. Afinal, mesmo que a donzela coimbrã não saiba “arteiros, refalsados versos”, tem “de neve o coração”. Para o sujeito lírico, nenhum peito faz eco a seus ais, seus “vãos lamentos”. Quem realmente ecoa seus gemidos é a natureza que cerca Coimbra, não as donzelas “que teu campo habitam”. Nas duas últimas seções o sofrimento do poeta é ouvido pela “fonte d’Ignez” e os “altos cedros” que a cercam e a “enluctam” a tal ponto que ele afirma: “memorias da infeliz meus ais lhe accordam”. A harmonia que havia entre o poeta e natureza amplia-se então. Seus ais acordam as memórias, revive-se a história de Inês, em acordo com todos os lamentos que aquelas águas do Mondego já ouviram. Contudo, sofre ele mais. “Dôce fôra o gemer, suave a morte”, se ele fosse como ela, “se o [seu] viver tão só não deslisára”. Sofrimento esse que é quebrado pelo refrão da primeira seção que vem arrematar o poema relembrando a beleza de Coimbra, “linda flôr de Portugal”.

Mesmo em “Saudades da Minha Infância” (RUL, III, N.º 38, 09/05/1844, p. 458-459), a natureza parece estar sempre bela e em harmonia com ele. O sujeito reconhece a fugacidade da primavera, como da infância ou das flores, tal como no poema de Rodrigues Cordeiro. “E assim fugiram todos manso e manso/ E não mais voltarão dias tão bellos!” Diferenciam-se as duas primaveras pelo modo como o poeta se liga ao tempo que se segue. Couto Monteiro invoca o amor e a religião para salvá-lo da tormenta, a ponto de confundir sua mãe e a Virgem, “Puro amor filial, piedade sancta”. É uma longa defesa do amor entre mãe e filho, na esteira realmente d’A Primavera de Castilho, a tal ponto de se ver vivo após ter sido “banido/ do paraíso” que era sua inocência para “este cahos/ De vicios, de traições, torpesas, crimes,/ Onde é mais venturoso o mais corrupto,/ Onde opprobio e louvor seus nomes trocam!/ Onde, se ahi entra affecto, anda escondido!”. António Maria do Couto Monteiro é mais um poeta, como Castilho e tantos outros do período, que não vê para si um lugar no mundo e por isso anda solitário, como os versos do “L’isolement”, de Lamartine, que escolheu para epígrafe do “Coimbra”: “Fleuves, rochers, forêts, solitudes si chères,/ Un seul être vous manque, et tout est dépeuplé!”

Em “Coimbra”, o afeto possível era apenas o da natureza saudosa dos arredores da cidade. Além da inocência, todo ele mudou. É mais um eco de Camões. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,/ Muda-se o ser, muda-se a confiança:/ Todo o mundo é composto de mudança,/ Tomando sempre novas qualidades.// Continuamente vemos novidades,/ Diferentes em tudo da esperança:” (CAMÕES, , p. ). A partir da ideia camoniana de que tudo muda, menos a esperança, dirá Couto Monteiro: “Meu ser, meu coração, minh’alma e vida/ Tudo, tudo é mudado! a esp’rança ao menos/ Não morreu, não morreu; cá dentro a sinto”. Essa esperança que não morre é a mesma que o fazia rezar com sua mãe ante a imagem da Virgem para que passasse a tempestade. “Se a ventura no mundo é sonho apenas”, refugia-se ele no que está além da terra, na religiosidade da vida após a morte. Apenas por essa comparação entre dois dos poetas do grupo d’O Trovador, um convidado por Castilho para participar da Revista e outro que envia por conta própria sua colaboração, podemos melhor refletir sobre os critérios de valoração do redator. Além do efetivo trabalho formal, cuja rima em “ir” desleixadamente ressoando num poema em versos brancos mancha a imagem que o redator teria do poeta de Leiria, há algo mais. Rodrigues Cordeiro, esforçando-se para agradar Castilho, não percebe que ataca frontalmente sua posição de poeta da Primavera, de quem deveria ser herdeiro, algo que Couto Monteiro soube valorizar, associando-se também a uma linhagem que passa por Camões. Se os novos poetas queriam o apoio da Revista Universal para se tornarem conhecidos, Castilho queria, além de reconhecimento como mestre, bons discípulos. João de Lemos é então, para ele, o exemplo a ser seguido.


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Fonte:
Carlos Eduardo Soares da Cruz: “Felicidade pela imprensa: Romantismo na revista universal lisbonense de a. F. de Castilho - 1842-1845. (Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura, no curso de Doutorado em Literatura Comparada, da Universidade Federal Fluminense. Área de Concentração: Literatura Comparada. Linha de Pesquisa: Perspectivas interdisciplinares dos estudos literários. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ida Maria Santos Ferreira Alves Coorientador: Prof. Dr. Sérgio Nazar David). Niterói, 2013

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. 
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade. Disponível digitalmente no site: www.bdtd.ndc.uff.br

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