Para baixar este livro gratuitamente em formato PDF, acessar o
site do “Projeto Livro Livre”: http://www.projetolivrolivre.com/
(Download)
↓
(Download)
↓
Os livros estão em ordem alfabética: AUTOR/TÍTULO (coluna à
esquerda) e TÍTULO/AUTOR (coluna à direita).
---
Críticos de Camilo Castelo Branco
A obra camiliana despertava
grande interesse no público e na crítica portuguesa, mais especificamente na
cidade do Porto. Apesar da grande aceitação de suas obras pelo povo e pelos
críticos, esses últimos demonstravam alguma dificuldade para encaixar os
romances de Camilo dentro dos padrões românticos vigentes à época. Não temos a
pretensão de efetuar um estudo da fortuna crítica envolvendo Camilo, mas
consideramos importante fazer uma leve abordagem das posições críticas da
segunda metade do século XIX.
Encontramos no livro Camilo Romântico, de Alberto Xavier,
importantes informações relativas às análises feitas sobre as publicações de
Camilo. Xavier concentra seus esforços para apontar qualidades e defeitos
apresentados em análises literárias de importantes estudiosos no segundo
quartel do século XIX. Utilizaremos esse livro como ponto de partida para um
rápido estudo da crítica feita a Camilo.
Num capítulo intitulado “As
opiniões de Teófilo Braga – A propósito de Camilo”, Alberto Xavier fará duras críticas ao
trabalho de Braga desenvolvido no livro As Modernas Idéias na Literatura
Portuguesa, de 1880. Nessa obra, Braga considera que Garrett, Herculano e
Castilho representaram a primeira geração romântica e que Rabelo da Silva, Mendes
Leal, Soares Passos e Camilo Castelo Branco constituíam a segunda, que ele chamava
de ultra-romântica. Ao citar uma definição dada por Braga para o Ultra-Romantismo, Xavier destaca a conotação pejorativa:
A falta de
Ideal em política tornou-se ainda mais deplorável na Literatura; perdido o
sentimento nacional, o espírito do Romantismo volveu-se para a idealização da
parte exterior da época da Idade Média, e para a ênfase forçada de emoções sem
estímulo. A geração dos novos talentos que seguiam Garrett e Herculano, ficara
automaticamente fazendo romances históricos, dramalhões sanguinários e arrebicados soláos
cavalheirescos sem a mínima compreensão da poesia popular. Era a
degenerescência do romantismo, que se manifestou onde a prática do regimen
constitucional-representativo corrompeu os princípios da Revolução; em época
nenhuma se viu com mais clareza a mentira política em relação direta com a
mentira literária. O Ultra-Romantismo foi uma conseqüência do Parlamentarismo.
Xavier continua a leitura
do texto de Braga e passa a analisar as opiniões do crítico em relação à obra
camiliana:
Quarenta e
cinco páginas são consagradas a Camilo. Pode compreender-se a minha ávida
curiosidade em conhecer as razões da opinião do mestre, incluindo esse
escritor, tão apreciado e querido dos portugueses, entre os ultra-românticos.
Teófilo Braga não esclarece este ponto. Tudo quanto diz, porém, do romancista,
salvo algumas leves restrições, é, contraditoriamente, uma apologia do talento
do autor do Amor de Perdição!
Xavier considerava
incompatível a idéia de um “artista genial”, uma “poderosa organização estética”,
um autor que possuía o “dom da objetividade”7 – esses
eram alguns dos elogios que Braga tecia a respeito de Camilo – ser enquadrado
dentro de um movimento literário tão menosprezado pelo mesmo crítico, como
citado anteriormente. Efetuamos uma
leitura do livro de Teófilo Braga, estudado por Xavier, em especial o capítulo
IV daquele livro - intitulado “Camilo Castelo Branco” – constatamos que Braga
realmente coloca Camilo entre os ultra-românticos, mas acreditamos poder
destacar alguns argumentos em favor do crítico. Logo no início, o autor credita
a Camilo “a gloria de ter criado um novo gênero literário – o romance burguês,
fundado no conflito dos interesses domésticos e nos tipos subalternos da
personalidade humana”8. Braga, ao longo desse capítulo,
relaciona os méritos da obra camiliana e aponta como principal defeito a falta
de uma idéia geral:
É aqui,
como expressão do meio português, que assenta o principal valor da sua obra;
natureza, tipos, situações reais e linguagem constituem a originalidade daquele
conjunto de Romances, a que faltou o nexo de uma idéia geral. Esta falta
amesquinha a atividade estética de Camilo Castelo Branco [...].
Braga defende ainda que a
pressão exercida pelos editores contribui para que, em alguns romances,
houvesse a queda na qualidade da produção camiliana e que por isso, podia-se
separar aquilo que Camilo produziu como arte daquilo feito exclusivamente com
fins comerciais:
[...]
faltava-lhe tranqüilidade para criar verdadeiras obras de arte, tendo de acudir
em períodos irrevogáveis aos compromissos dos livreiros. Nesta urgência da
produção, muitos livros são simples explorações do seu nome glorioso, que
embaraçaram o julgamento da sua capacidade. O conhecimento da vida do escritor
esclarece amplamente o valor da sua obra, pelas condições em que ela foi
escrita; uma parte é meramente exploração de livraria, outra é individual,
característica e digna de ser classificada segundo essas três fases por que
passou seu talento.
Em um outro trecho, Braga,
apesar de agrupar Camilo entre os ultra-românticos, nota diferenças entre este
autor e um outro companheiro que estava totalmente preso a essa escola :
Camilo,
atraído para o romance da vida burguesa, vinha criar uma nova forma literária, na qual imprimia o seu
caráter de revoltado. Quando, em 1848, freqüentava a biblioteca publica de Vila
Real enquanto um seu companheiro ultra-romântico fantasiava pontes levadiças,
juras de cavaleiros, menestréis e catedrais, Camilo, já observava situações
para o romance contemporâneo...
Podemos concluir desse
fragmento que Braga, apesar de rotular Camilo como ultra-romântico, via claras
diferenças entre este autor e outros que seguiam a cartilha dessa escola e, com
isso, acreditamos que o crítico cometeu uma incoerência em sua análise. Parece-nos
que o estudioso também tinha suas dificuldades diante da obra camiliana, já que
ele encontrava nela aspectos que considerava ultra-românticos e em outros
momentos verificava uma clara distinção entre o que Camilo escrevia e os demais
autores considerados por Braga como pertencentes daquela escola.
O segundo estudioso que
destacamos da obra de Alberto Xavier é Pinheiro Chagas. Partindo de uma espécie
de prefácio feito a uma edição especial do livro Amor de Perdição, Xavier
analisa as impressões do crítico a respeito de Camilo. Segundo Xavier, Pinheiro
Chagas destacara o subjetivismo, a visão de mundo que Camilo possuía e passava para
seus leitores. Xavier critica o trabalho de Pinheiro Chagas pela falta de
método, além de alguns “deslizes, contradições, juízos inexatos. Pinheiro Chagas explicitava a dificuldade de analisar os romances de
Camilo, por encontrar alguns estritamente românticos e outros realistas. Xavier
não concordava com isso e muito menos com as obras que o estudioso destacava
para justificar suas posições, enfim, ele não considerava as posições do
crítico dignas de reconhecimento.
Encontramos, nesse mesmo
texto argumentos que imaginamos serem importantes para nossa análise.
Preferimos acreditar que a “dificuldade” que Pinheiro Chagas tinha para enquadrar
o romance camiliano, na verdade, foi um momento de grande lucidez do estudioso.
Ao não querer enquadrar Camilo em nenhuma das escolas literárias existentes,
Chagas apontava para a grandiosidade do autor de Anátema, que, para ele,
estava acima de qualquer padrão que pudesse cerceá-la da criatividade:
Mas o seu
gênio potente, individual, dominador, superior a todas as mudanças de escola e
a todas as variações da moda, é o que arranca eternamente
às gerações que se vão sucedendo as lágrimas e o riso e o que vai do romance do
Amor de Perdição à Queda
de um anjo, no teatro do Ultimo ato
ao Morgado de Fafe.
Mesmo em
romances que considera “imperfeitamente arquitetados”15,
Pinheiro Chagas verifica o incrível dom que Camilo tem de emocionar
seus leitores, além de elogiar a capacidade que ele possui ao manejar a
linguagem e adaptá-la para descrever situações de forma magistral:
Com que
discrição, com que fino tato ele sabe procurar e encontrar o que deveras convém à nossa língua moderna, de
forma que o seu estilo não tome um caráter antiquado, incompatível com as
condições do nosso meio! Que inexcedível propriedade de termos! Que riqueza de
locuções! Como ele maneja desembaraçadamente o idioma! E como ele sabe
dispensar as locuções francesas a que tantas vezes se recorre, entre nós,
quando falta a expressão nacional!
Ramalho Ortigão marca
presença no mesmo prefácio em que escreveu Pinheiro Chagas, desenvolvendo uma
espécie de análise sociológica dos romances de Camilo, trabalho que Alberto
Xavier também analisará. Ele reconhece o valor de Ortigão como crítico de costumes,
mas não o considera em condições de desenvolver uma crítica literária e começa
a apontar algumas incongruências no pensamento do crítico. Ortigão considerava
Camilo um escritor romântico, mas afirmava que sua obra seria um retrato fiel
da sociedade portuense na época de 1850, o que, para Xavier, era uma idéia
absurda. Baseado em conceitos que definiam o Romantismo como a expressão da
subjetividade, do lirismo e sensibilidade individual, ele não concebia que
alguém daquele movimento pudesse compor um retrato fiel da sociedade. Efetuando
nossa leitura do texto de Ortigão, detectamos alguns argumentos interessantes.
O crítico realmente afirma que “a obra artística de Camilo Castelo Branco é, sobre
o espírito de um sensitivo, o puro e fiel reflexo da sociedade”17. Mas
ao desenvolver suas idéias, Ortigão passa a trabalhar com a teoria de que
Camilo não tenta expressar a realidade de forma perfeita, mas sim aquela que
ele enxergava, às vezes distorcida pelas opiniões do contraditório escritor: “Essa
crítica apresenta as anomalias lineares de todo o escorço a que a falta de
ponto de vista falseou a perspectiva e comprometeu o claro escuro” . Ele
aponta deficiências na obra camiliana, mas reconhece seu valor como dos mais importantes
representantes da Literatura Portuguesa:
[...] o
nome de Camilo Castelo Branco representará para sempre na história da
literatura pátria o mais vivo, o mais característico, o mais glorioso documento
da atividade artística peculiar da nossa raça, porque ele é, sem dúvida alguma,
entre todos os escritores do nosso século, o mais genuinamente peninsular, o mais
tipicamente português.
Durante nossas pesquisas,
encontramos um Boletim Cultural (1991) – intitulado “Camilo: o homem e o
artista” – que trazia algumas opiniões de escritores – Teixeira de Pascoaes,
Aquilino Ribeiro e José Régio – a respeito da obra camiliana, que consideramos interessantes
por se tratar de autores respeitados em Portugal desenvolvendo algumas idéias que
tinham em relação ao autor de Eusébio Macário. Teixeira de Pascoaes destaca o caráter fúnebre
da obra, como podemos verificar:
Na
imaginação camiliana, tudo se torna lutuoso. Tudo lhe aparece como revelação da
morte ou pretextos para a ação maléfica da morte [...] Camilo desvendou, como
ninguém, o aspecto fúnebre das coisas, aquele véu lutuoso em que elas se
desdobram na escuridão, e o das almas que se apagam ao sopro do Averno.
Aquilino Ribeiro reitera o
mesmo aspecto lutuoso, afirmando que o dístico “gênio da desgraça, assenta-lhe
(a Camilo) como uma luva”21. O autor, apesar da objeção a algumas novelas,
reconhece o valor da obra camiliana e aponta para um amadurecimento do
escritor: “Por isso (pela dificuldade para estudar), a sua prosa de começo é
torpe; o seu espírito, pouco atilado; está preso aos torrões negros da gleba.
Dealbou-se em sofrimento e no rio do tempo. Todavia não entardeceu a blasonar
primores". Essa tese, de evolução constante
apresentada por Aquilino Ribeiro, não é válida para Prado Coelho, que verifica
uma carreira com “altos e baixos sensíveis a não ser na linguagem, cada vez
mais opulenta, mais própria”.
No excerto de um texto de
José Régio – dentre os três autores citados, é o único que desenvolveu trabalho crítico com reconhecido
valor – presente no citado Boletim Cultural, encontramos uma crítica
mais sensível ao talento camiliano, creditando-lhe a utilização de recursos que o aproximam do romance moderno: “Visivelmente,
a personalidade e os humores de Camilo dominam o seu romance: impõem-lhe uma
técnica desigual, volúvel, diversa,
caprichosa, livre (ou licenciosa) como essa mesma personalidade, esses mesmos humores”.
Acreditamos que o trabalho
de Alberto Xavier, no referido Camilo Romântico, dá-nos uma interessante
visão, não tão isenta, sobre a crítica literária da metade final do século XIX,
por se tratar de um estudo das análises literárias que eram desenvolvidas
naquele momento. Apontamos alguns aspectos que consideramos inexatos em sua
análise diante da leitura de textos que ele estudou, provavelmente motivados
pela profunda admiração que nutria por Camilo, pois considerava-o um notável
talento do Romantismo e não admitia nenhuma opinião que contrariasse tal
posição. Ao longo do seu livro, Chagas evidencia sua visão crítica e admiração
pelo autor de Coração, Cabeça e Estômago, como neste segmento que
acreditamos ilustrar, de forma definitiva, tais posicionamentos:
O
romantismo de Camilo, como escritor, manifesta-se por diversas formas: no
lirismo das efusões compostas em verso; nas fugitivas memórias autobiográficas
registradas aqui e acolá; nas confissões esparsas em prefácios e outros
escritos em prosa e desabafadas na abundante correspondência epistolar; nas
transposições artísticas de todo o seu individualismo exacerbado, de que certas
das obras de teatro, e, os romances sentimentais e de paixão, estes
principalmente, são os documentos literários preponderantes, vivos,
expressivos. Desta sorte, Camilo é verdadeiramente o introdutor, em Portugal,
da literatura íntima, de confidência, de apelo ao coração, e do romance pessoal
e sentimental, formas por que em todos os demais países europeus se concretizam
nas letras as disposições psicológicas, românticas, dos poetas e dos prosadores.
Para finalizar essa etapa,
achamos necessária uma breve abordagem das opiniões críticas ao livro Coração,
Cabeça e Estômago, que será uma das obras utilizadas como suporte para
algumas discussões que faremos nos capítulos seguintes desta dissertação. Já, a
partir da segunda edição daquela obra, foi incluído um texto de A. A. Teixeira
de Vasconcelos que, apesar de ser escritor, não deixa de ser um estudo feito “no
calor da publicação”. Nessa análise, o autor discorreu sobre as três fases da
vida de Silvestre da Silva, emitindo opiniões sobre cada uma delas. Ele
destacou as críticas feitas por Camilo à sociedade portuense que valorizava
mais o dinheiro que o caráter e a respeitabilidade que algumas pessoas
alcançavam apesar de terem um comportamento condenável. Teixeira de Vasconcelos
elegeu a fase estômago como sua predileta: “Encantou-me a terceira parte do
romance, não pelo desenlace filosófico, mas pela admirável fidelidade com que o
Sr. Camilo Castelo Branco copiou da natureza as cenas e linguagem da casa do
sargento-mor de Soutelo". Ele apontara como defeitos algumas
liberdades que Camilo tomou em relação à imagem das mulheres representadas na
fase do coração e a utilização de algumas poucas palavras que estavam fora de
uso na língua portuguesa. Mas ao final da análise, reconhecia o valor do autor
de Amor de Salvação: “O Sr. Camilo Castelo Branco é o nosso primeiro
romancista, e há de ser por certo, um dos mais discretos prosadores portugueses. O voto não admite suspeição porque é
de homem do mesmo ofício". O tempo foi passando e o
romance Coração, Cabeça e Estômago continuou a despertar nos críticos,
mesmo de épocas diferentes, um sentimento parecido, eles o viam como uma forma
irônica, uma visão depreciativa do Romantismo. J. do Prado Coelho considera
que:
Coração,
Cabeça e Estômago é, sim,
uma obra desigual, desarticulada, onde não se operou a necessária fusão de
materiais heterogêneos; obra apimentada, na primeira parte, com brejeirices ou
graçolas de gosto discutível; mas reserva ao leitor atento a surpresa duma ‘substantifique
moelle’, além de páginas magistrais de ‘realismo’ rústico e dum estilo, em muitos
passos, admirável, dúctil, chistoso, outras vezes concreto e rico de seiva.
João Camilo dos Santos, por
sua vez, escreve que “o amor entre adultos, em contrapartida, é freqüentemente
tratado pelo romancista de maneira irônica e até sarcástica” e que essa obra “faz
parte do grupo de romances que ilustram” essa maneira de encarar o amor. João Camilo conclui
que Camilo “através de Silvestre (personagem central do romance), porém,
apresenta-nos uma das críticas mais sutis e mais severas alguma vez escritas
sobre os ridículos em que pode cair a linguagem poética". Paulo
de Castro encontra nesse livro “uma ironia fina com um misto de desencanto que
faz lembrar Machado de Assis". Na História da Literatura Portuguesa,
Saraiva e Lopes escrevem sobre um “gênero da novela satírica de costumes”:
Paralelamente, e numa constante oscilação pendular, que chega a
abranger o todo de uma série de novelas (A Filha do Arcediago, 56, e A Neta do Arcediago, 57; Cenas
da Foz, 61) ou a estrutura global de uma novela (como Coração, Cabeça e
Estômago, 62), Camilo desenrola o gênero da novela satírica de costumes,
voltando do avesso o idealismo passional e dando-nos o quadro de uma vida
inteiramente dirigida pela sordidez argentaria, pelos prazeres da digestão
planturosa, pela ânsia hipócrita, refalsada e brutal da supremacia social, e por outros gozos
vulgares.
Algumas dessas definições dadas ao “diferente”
Coração, Cabeça e Estômago como “forma
irônica”, “caricatura do Romantismo”, “maneira sarcástica de encarar o amor” e,
principalmente, o “fazer lembrar Machado de Assis” – motivam-nos ainda mais a desenvolver
nosso estudo comparativo com, o não menos instigante, Memórias Póstumas de Brás
Cubas, de Machado.
Felizmente, parte da
crítica contemporânea parece querer romper com aquela conhecida divisão que estudiosos vêm
cristalizando ao longo dos tempos em relação à obra camiliana: novela passional (como Amor de Perdição) e novela satírica e de costumes (exemplo: A queda dum anjo). Uma das vozes
que representa essa mudança é a Paulo Franchetti, que, na apresentação de Coração,
Cabeça e Estômago, da Marins Fontes, aponta os trabalhos de Abel Barros
Baptista como inovadores nesse processo de renovação crítica:
[...]
alguns trabalhos, assinados por Baptista e por outros críticos mais jovens,
finalmente vêm deslocando a inflexão romântico/realista da crítica camiliana e
destacando outras obras, anteriormente relegadas a um segundo plano de
interesse e importância. De modo que é possível imaginar que o velho romancista
de S. Miguel de Seide adquirirá, nos próximos anos, um novo rosto, será objeto
de renovado interesse e certamente terá o seu lugar redefinido no cânone da
literatura portuguesa.
Encontramos, ao longo dessa
modesta abordagem da crítica à obra camiliana, uma amostra que acreditamos
possibilitar o delineamento de uma idéia geral desenvolvida em torno do espólio
literário do escritor português. Apesar de se tratar de uma crítica impressionista
e sem uma metodologia definida, os estudiosos do final do século XIX e princípio
do XX apontavam muitas qualidades em sua obra e o consideravam um artista genial,
fundador de um novo tipo de romance (o burguês), um autor que retratava a
sociedade portuguesa como poucos e numa linguagem impecável. Entretanto,
verificavam alguns defeitos, como a falta de uma idéia geral e a oscilação de
qualidade entre seus livros. Era um pensamento quase que unânime que, aquela carreira de altos e
baixos, devia ser creditada às pressões que os editores exerciam sobre o
escritor aliadas ao seu temperamento explosivo. Começava naquele momento a
formação de uma imagem que se cristalizaria ao longo dos tempos e que muito
prejudicaram a recepção da obra camiliana: a divisão de seus textos entre satíricos e passionais e sua inclusão entre os
ultra-românticos. Essa última idéia parece estar superada nos dias atuais, mas
a primeira tem persistido e contra ela, trabalhos de importantes estudiosos –
desde Jacinto do Prado Coelho, passando por Abel Barros Baptista – têm sido desenvolvidos,
buscando novos caminhos de leitura para uma obra tão complexa e grandiosa.
---
---
Fonte:
Geraldo da Aparecida Ferreira: “Memórias Póstumas de Brás Cubas e Coração, Cabeça e Estômago – Machado de Assis e Camilo Castelo Branco: leitores e críticos do Romantismo”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Paulo Motta Oliveira). São Paulo, 2007.
Geraldo da Aparecida Ferreira: “Memórias Póstumas de Brás Cubas e Coração, Cabeça e Estômago – Machado de Assis e Camilo Castelo Branco: leitores e críticos do Romantismo”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Paulo Motta Oliveira). São Paulo, 2007.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida obra. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da obra em sua totalidade. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário