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Crítico Camilo Castelo Branco
Camilo Castelo Branco
desenvolveu uma crítica de cunho impressionista, desprovida de metodologia e a
externava por meio de crônicas, cartas, prefácios de seus romances, entre
outras formas. Camilo, profundamente preocupado com o apuro da linguagem,
emitiu diversas e contraditórias opiniões acerca da produção literária
portuguesa e o fazia em um estilo agressivo, colecionando com isso um grande
número de desafetos. O próprio autor de Amor de Salvação assumia as
dificuldades de se fazer uma crítica isenta em Portugal, pelos seguintes
motivos:
A crítica,
em Portugal, é quase impraticável por duas causas: a primeira, é que somos
poucos a escrever, e nos apertamos cordialmente a mão todos os dias; a segunda
é que, por este teor de vida, nenhum escritor se faria um nome que o
compensasse dos dissabores e da pouquidade dos lucros.
Mesmo reconhecendo as
dificuldades do trabalho de análise literária, Camilo não deixou de emitir suas
opiniões, muitas delas caracterizadas pela ambigüidade. Jacinto do Prado Coelho
destacava as controvertidas posições do escritor:
Nos
prefácios exprime, nem sempre com perfeita coerência, as suas idéias estéticas.
Julga-se no meio termo da verdade. O seu feitio de orgulhosa independência leva-o a marcar uma posição
inteiramente pessoal, acima (julga ele) das tendências de escola. Desde o
começo, criticou os modelos aceites: já no prefácio do Anátema, acusava
os males de que enfermava a literatura romântica então na moda [...] No seu
entender, a literatura palpitante de atualidade (Camilo, como já fizera
Herculano, usa a expressão num registro irônico) cedia ao gosto popular,
rebaixava-se, contava num estilo vazio e retorcido, enfático, com muitos ahs! E muitos ohs!, uma
história <<de amores trágicos, urgentes e lamentosos>>, para
agradar a burguesa e ao operário. [...] A tudo isso opunha ele o culto das
tradições, o espírito de independência, portuguesismo e classicismo.
As diferenças entre o que
Camilo dizia aos amigos através de cartas e o que ele escrevia para ser
publicado são até certo ponto compreensíveis, levando-se em conta o caráter mais íntimo e com menos preocupações em
relação ao “politicamente correto”, mas em algumas
oportunidades elas são tão discrepantes que resolvemos apresentá-las. Prado
Coelho nos dá um bom exemplo dessa alternância de opiniões do escritor
português que, analisando O Crime do Padre Amaro, fez, em uma carta a um
amigo, Visconde de Ouguela, as seguintes observações: “Li alguns capítulos na Revista
Ocidental, e achei excelente. Vi anunciando agora o romance em livro. Esse
rapaz vem tomar a vanguarda a todos os romancistas". Em uma
outra correspondência direcionada ao mesmo amigo, Camilo modifica sua análise:
Tem
admirável paciência de observação plástica; mas dentro dos tecidos musculares,
figura-se que vê mal. Quanto à linguagem, às impropriedades, reflexo de
Flaubert, não as estranho nem as abomino; o que me escandaliza são os velhos
erros de gramática e os barbarismos, que não usam os satânicos franceses na sua
língua.
Júlio Dias da Costa, no livro
Novas Palestras Camilianas, destaca outro momento emblemático do
espírito ambíguo da crítica camiliana. Trata-se de duas opiniões controversas a
respeito de um mesmo livro, A Hermitage, de Júlio de Castilho. A
primeira opinião estava presente em seu opúsculo Othello, em que criticava a
tradução de Shakespeare feita por D. Luís de Bragança: “Em um livro do Sr.
Visconde de Castilho – livro talvez desconhecido, como tesouro encantado de
princesas mouras – li quatro das mais nervosas e inspirativas poesias portuguesas
que conheço." A contradição estaria presente na
correspondência entre Camilo e o Visconde de Ouguela:
Vim de ler
um livro de versos recentíssimo de Julio, visconde de Castilho, A Hermitage. Este homem ainda vive? Parece-me que
estou em 1840 quando o leio. Eu não cuidei que se pudessem escrever versos a
uma cruz no ermo ou a um
rouxinol na latada. Este Castilho tem vínculo do talento piegas. Como o avô era
pedreiro de arquitetura mosárabe, eles ficaram sempre góticos.
Camilo devotou grande parte
do seu trabalho de crítico aos autores de menor expressão da cidade do Porto.
Em algumas dessas análises, ele tentava amainar o estilo corrosivo
principalmente em relação aos artistas com os quais provavelmente possuía boas relações,
mas não perdoava aqueles que faziam oposição às suas idéias ou escritos. Na
crônica “Escritores Portuenses”, ele elencou alguns escritores do Porto,
rendendo homenagens a uns, como a Evaristo Basto, que andava esquecido pelos
leitores:
[...]
Evaristo Basto é o principal prosador do Porto. Vivacidade, graça, atrevimento,
lucidez, variedade, ritmo quase poético, agudeza, são os dotes do seu estilo.
As provas, embora esquecidas, são escritos de curto fôlego, mandados para a
estampa sem lima nem revisão; mas, por isso mesmo amostras tanto mais
qualificativas quanto desenfeitadas.
A outros, atacou, como a
José Gomes Monteiro, tido como gênio por leitores e críticos:
O sábio,
visto à luz da poesia, ficou sendo para mim um mocho, inferior ao último poetastro
da Lira, jornal de versos que,
por esse tempo, no Porto, anunciava que Apolo se calara para deixar versejar o
Pégaso. [...] A locução, sempre de muletas, cai quando devia andar, e atira-se
em remetidas descompostas quando devia estar quieta. [...] Em resumo: o Sr.
José Gomes Monteiro é um escritor que não pode ser comparado aos menos de medíocres.
Camilo Castelo Branco
conhecia também a produção literária brasileira e emitiu opiniões elogiosas a
respeito de nossos principais autores, destacando-lhes o estilo e uma certa
independência em relação à linguagem dos grandes escritores portugueses, como
no seguinte excerto, publicado na crônica “Literatura Brasileira”:
O mercado
dos livros brasileiros abriu-se, há poucos meses, em Portugal. [...] Aí se nos
deparam, entre os poetas, Gonçalves de Magalhães, o correto e sublime autor da Confederação
dos Tamoios; o lírico e arrojado Álvares de Azevedo; o primaz dos
escritores brasileiros, e chorado Gonçalves Dias; o esperançoso devaneador,
falecido no viço da idade, Casimiro de Abreu; Junqueira Freire, que primou nos
segredos da melodia e já não é deste mundo; e o severo e cadencioso poeta de Colombo,
tão estimado dos nossos. Entre os romancistas o fecundíssimo Joaquim Manuel de
Macedo, que disputa a supremacia a J. de Alencar, que tanta nomeada granjeou
com o seu Guarani. Não lustram menos as novelas mimosíssimas de Luís de Guimarães, e as arrobadas mesclas de prosa
e verso de Machado de Assis.
Apesar de
demonstrar conhecimento e respeito em relação aos escritores brasileiros,
Camilo não perdeu a oportunidade de ironizá-los, pelo menos em uma ocasião. Isso
ocorreu num trecho de O cego de Landim, quando o narrador, ao tratar o
caso amoroso entre a irmã do cego D. Ana das Neves com um chefe de polícia
brasileiro, afirma, sarcasticamente, que
poderia descrever tal relação ao modo de José de Alencar:
Este
episódio poderia ser o esmalte do meu livrinho, se em um chefe de polícia coubessem cenas de amor
brasileiro, mórbidas e sonolentas, como tão langüidamente as derrete o sr. J. d’Alencar.
Em país de tanto passarinho, tantíssimas flores a recenderem cheiros vários,
cascatas e lagos, um céu estrelado
de bananas, uma linguagem a suspirar mimices de sotaque, com isto e com uma rede – ou duas por causa da
moral – a bamboarem-se entre dois coqueiros, eu metia nelas o chefe de polícia
e a irmã do cego, um sabiá por cima, um papagaio de um lado, um sagüi do outro,
e veriam que meigas moquenquices, que arrulhar de rolas eu não estilava desta
pena de ferro!
Em relação à poesia, Camilo
possuía interessante opinião sobre como se deveria analisá-la. Devido ao
caráter pessoal, ao sentimento íntimo que o poeta busca expressar, ele sentia
dificuldades em criticar tais trabalhos. Ele vai fazê-lo, mas deixando claro
que sua intenção não é julgar o sentimento do escritor, como afirma em seu
livro Esboços de Apreciações
Críticas, numa crítica ao trabalho do poeta Francisco Martins de Gouveia
Morais Sarmento:
Estou
quase em pensar que a poesia não dá campo à crítica. É grosseira audácia
avaliar um poeta quando vos ele fala de si, e não vos dá margem a discutir-lhe
a idéia no tribunal da razão, que é coisa que poetas nunca tiveram, ou, se
tivessem, não seriam poetas à feição do molde em que hoje se fundem. Poeta que
raciocina é um cáustico da paciência humana. [...] O que posso de toda a altura
da minha gravata decidir é que a poesia do nosso tempo traz o carimbo do século.
Ainda no livro Esboços, encontramos uma crítica que acreditamos ter causado certa polêmica
por tratar-se de um elogio a uma mulher escritora, a Marquesa de Alorna, devido ao preconceito machista que parecia imperar no meio
cultural português. Dada a importância daquela autora, tida por muitos críticos
como uma das mais notáveis vozes do Pré-Romantismo português, outros estudiosos
já haviam escrito sobre ela, como é o caso de Herculano, que em uma homenagem
póstuma à Alorna escreveu que: “aquela mulher extraordinária, a quem só faltou
outra pátria, que não fosse esta pobre e esquecida terra de Portugal, para ser
uma das mais brilhantes provas contra as vãs pretensões de superioridade excessiva
do nosso sexo” . Vejamos o pensamento de Camilo:
Em
Portugal olham-se de revés as senhoras que escrevem. Cuida muita gente, aliás
boa para amanhar a vida, que uma mulher instruída e escritora é um aleijão
moral. Outras pessoas, em tom de sisuda gravidade, dizem que a senhora letrada
desluz o afetuoso mimo do sexo, a cândida singeleza de maneiras, a adorável
ignorância das coisas especulativas, e até uma certa timidez pudibunda que mais
lhe realça os feitiços. Quer dizer que a mais amável das senhoras será a mais
néscia, e que a estupidez é um dom complementar da amabilidade do sexo formoso.
Como apontamos
anteriormente, Camilo Castelo Branco tinha certa admiração pela escola
realista. Essa admiração não impedia que ele a criticasse como em aspectos ligados
à linguagem. Na parte final de sua obra, ele se propôs a escrever algumas peças
realistas, como em algumas das Novelas do Minho, em A Corja e em Eusébio
Macário. Na dedicatória e no prefácio da segunda edição desse último romance,
encontramos algumas afirmações que podem ilustrar seu pensamento em relação à
nova escola e também uma crítica velada às produções realistas:
Perguntaste-me
se um velho escritor de antigas novelas poderia escrever, segundo os processos
novos, um romance com todos os ‘tics’ do estilo realista. Respondi
temerariamente que sim e tu apostaste que não. Venho depositar no teu regaço o romance, e na
tua mão o beijo da aposta que perdi. [...] O tímido autor esperava que os artistas não refugassem a
obra tracejada, e afirmassem que eu, n’esta decrepidez em que faço ao estilo o
que os meus coevos de juventude fazem bigode, não podia penetrar com olho
moderno os processos do naturalismo no romance. Ora a cousa em si era tão fácil
que até eu a fiz, e tão vaidoso fiquei do Eusébio Macário que o reputo o
mais banal, mais oco e mais insignificante romance que ainda alinhavei para as
fancarias da literatura de
pacotilha.
Analisando
os textos apresentados acima, podemos abstrair alguns pontos que, apesar da
amostragem muito reduzida, parecem caracterizar o posicionamento crítico de Camilo. Tentamos mostrar que suas análises eram
impressionistas e em alguns momentos variavam sensivelmente de acordo com o
meio que ele as emitia, para o público uma visão, para amigos íntimos outra bem
menos benevolente. Criticava alguns exageros românticos, mas também apontava defeitos na estética
realista. Conhecia a produção literária brasileira e exaltava qualidades de nossos escritores, mas, como vimos,
não perdeu a oportunidade de ironizá-los, através de crítica a José de Alencar.
Defendia que era muito difícil a missão de se analisar a poesia, devido ao
caráter íntimo, pessoal daquelas composições. Acreditamos que Camilo - apesar
dessa postura um tanto ambígua, talvez fruto das indefinições que aquele momento
cultural do final do século XIX apresentava – tenha dado sua contribuição para
o desenvolvimento da crítica e da produção literária em Portugal.
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Fonte:
Geraldo da Aparecida Ferreira: “Memórias Póstumas de Brás Cubas e Coração, Cabeça e Estômago – Machado de Assis e Camilo Castelo Branco: leitores e críticos do Romantismo”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Paulo Motta Oliveira). São Paulo, 2007.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida obra. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da obra em sua totalidade. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br
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