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A
ficção camiliana no âmbito dos estudos literários: uma dívida por saldar
Valendo-se de um instrumental avaliativo
pouco comum no seio dos estudos camilianos, Abel Barros Baptista (1993) afirma
que Camilo Castelo Branco “[...] protagoniza [...] o movimento de transformação
da ordem do discurso através do qual o romance moderno se torna o gênero
dominante na hierarquia dos gêneros literários” (1993, p. 152). Essa transformação
implica a afirmação de um novo tipo de discurso, baseado numa competência de
escrita, conforme explica Baptista (1993, p. 154):
ao afirmar sobretudo uma competência da
escrita, movendo-se em diferentes lugares, libertando-se de determinações
políticas, ideológicas ou religiosas, [Camilo] impõe um novo lugar de
enunciação e uma nova figura do escritor, aquele que tem legitimidade e capacidade
para viver desse estranho ofício que consiste em oferecer aos outros romances
que deixam o mundo tolo e mal tal qual quando cá entramos, para usar as
palavras finais de A Brasileira de
Prazins [...].
Essa
abordagem crítica, esteada na consideração dos elementos macroestruturais do
texto ficcional, distingue-se da maioria dos estudos dedicados à produção
literária do autor de Amor de Perdição,
cuja ênfase recai sobre “[...]
julgamentos [...] calcados nos lugares-comuns românticos da vinculação da
obra com a vida individual do escritor” (FRANCHETTI, 2003, p. 33). Com efeito,
o conjunto desses estudos focaliza a biografia, a fim de justificar o processo
de escrita, a feitura dos livros e as suas decorrentes características de
construção. Não raro, é possível encontrar artigos e ensaios em que prepondera
a simbiose entre vida e obra, isto é, os eventos narrados na ficção são
diretamente associados aos acontecimentos biográficos. Conseqüentemente,
aqueles são lidos em função destes.
Acerca desse procedimento, observa Abel
Barros Baptista (1988, p. 29): A obra é convocada em apoio da vida, os textos
são levados a testemunhar em favor do homem num processo em que não se chega a
existir qualquer distinção entre a vida de Camilo e a ficção de Camilo.
Indistinção, aliás, dupla: por um lado, não existe distinção entre a vida
efetiva de Camilo e a efabulação biográfica; por outro lado, não se distingue
igualmente a vida de Camilo dos seus textos, da ficção escrita por Camilo
sempre [...] solicitada a esclarecer passos da biografia ou a comprovar
efabulações dos biógrafos.
Costuma-se priorizar também a reflexão acerca
das implicações estético-doutrinárias subjacentes ao período no qual Camilo
exerceu sua atividade. Como se sabe, esse autor ficou guardado no imaginário
literário luso-brasileiro como o expoente máximo do Ultra-Romantismo português.
Saraiva e Lopes (1996) o apontam como a personalidade que domina a segunda
geração romântica, podendo ser considerado o seu representante típico e superior3.
Essa imagem exerceu influência considerável sobre a fortuna crítica camiliana,
a qual se constituiu, em grande parte, aproximando ou afastando a obra de
Camilo dos pressupostos românticos.
Sumarizando, a recepção à ficção camiliana se
subsume fundamentalmente a dois operadores hermenêuticos consagrados por uma
parcela significativa da crítica literária luso-brasileira: a conjunção
vida/obra e o enquadramento da produção literária assinada por Camilo no
Romantismo português. Recorrendo a essa subsunção, Feliciano Ramos assevera: Camilo
formou o espírito dentro do clima do romantismo. A doentia sentimentalidade dos
românticos, com a emocionante megalomania da dor, o gosto da melancolia e do
ceticismo, transmitiu-se a Camilo, através de leituras, jornais, livros e
revistas, e por intermédio do convívio social. O romantismo vivia-se e
respirava-se à sua volta. Camilo era particularmente sensível a esta atmosfera
de doença moral, porquanto pesava-lhe no espírito uma ancestralidade mórbida./
No avô paterno, nos tios e no próprio pai há indícios, mais ou menos intensos,
de alienação mental. Esta herança psicológica imprimiu então caráter ao homem,
e predispô-lo para desvairamentos e atos indisciplinados. O seu temperamento
literário foi permeável a tais práticas. O movimento romântico e a
ancestralidade mórbida ajudam a explicar tragédias, as perversões, os crimes,
os escândalos e imoralidades que povoam seus romances (1950, p. 496-497).
Levando em consideração que o Romantismo
enquanto movimento literário tenha tocado o seu fim no terceiro quartel do
século XIX e que a trajetória biográfica de Camilo tenha se completado no final
na última década oitocentista, a abordagem de Ramos abre margem para
questionamento. Admitindo que a ficção camiliana fosse tão servilmente permeável
às práticas do sentimentalismo e à incidência dos eventos concernentes à vida
do seu autor, certamente o seu interesse teria desaparecido quando a estética
romântica se encerrou ou no momento em que Camilo findou seus dias. No entanto,
ela tem burlado o esquecimento e atraído atenção para si durante mais de um
século após morte do seu autor, segundo aponta Paulo Motta Oliveira (2007).
Assim, cabe determinar os elementos dessa obra que ultrapassam o determinismo
dos movimentos literários, e estender a sua interpretação geral para além da
tendência biografista.
Franchetti (2003) revela que um dos pontos
centrais da atual tradição dos estudos camilianos, na qual Ramos se filia, é a
concentração nos aspectos narrativos (enredo, ação e diegese), em detrimento
daqueles ligados à enunciação, à constituição da figura autoral e à reflexão
sobre a materialidade do texto ficcional, fatores potencialmente capazes de redimensionar
a recepção da obra de Camilo, subsidiando uma leitura que goze de maior comunhão
com os valores contemporâneos destinados à apreciação estética do texto
literário.
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Fonte:
Moizeis Sobreira de Sousa: “A ficção camiliana: a escrita em cena”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Literatura Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Paulo Fernando da Motta de Oliveira). São Paulo, 2009.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida obra. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da obra em sua totalidade. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br
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