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esquerda) e TÍTULO/AUTOR (coluna à direita).
Gritos de um louco
L´aura
soave e l´alba rugiadosa,
L´acqua
la terra ao suo favor s´inclina
Ariosto - Orlando furioso
Lembra-te, ó anjo, que eu te amei
um dia,
Lembra-te, ó anjo, que eu por ti
chorei.
Eu, que nos teus pés ajoelhei-me
escravo,
Com o mesmo orgulho com que se
ergue um rei!
Adeus!... Vai pois além, no azul
dos mares,
Curvar as vagas aos sorrisos teus!
Adeus!... Tu podes tudo em toda
parte:
Fez-te rainha a formosura: —
Adeus.
Que diz o mar à praia em que
brincavas,
No proceloso, túrbido escarcéu?
Que diz a praia ao vale? O vale ao
campo?
Que diz o campo ao monte? e o
monte ao céu?
Que dizeis, larga fila de colinas,
Deitadas lá ao longe em leito
azul,
Em cujo seio as asas perfumara
Macia brisa a sussurrar do sul?
As pudibundas, tímidas estrelas
Hoje em teu colo poisarão também:
O que dirão os langorentos olhos,
Quando estenderem na planície
além?
O mar, a praia, o vale, o campo, o
monte,
Céus, estrelas, colinas, — sei, —
dirão:
— Ela vai: vamos nós: — e o mar, e
a praia,
Campo, montes e céus... contigo
irão.
E eu ficarei na vida como um
homem,
A quem roubaram de repente a luz,
Que enterrado em seu túmulo de
trevas,
Deixam sozinho, — que ninguém
conduz.
E o amor há de falar aos meus
ouvidos,
Como o som dos grilhões fala ao
galé,
Com as sombras do cárcere
além-torno,
Com as lembranças do passado ao
pé!
Nas pedras soltas do palácio de
oiro,
Que ao céu rojei e desabou no
chão,
Nas pedras soltas, — nestas pedras
mesmo —
Deixem-me agora perpassar a mão.
Não quero muito: destas folhas
rotas,
Destas colunas que aí estão em mó,
Deste poema que caiu, eu quero
Salvar os restos de uma pedra só.
Vamos... palpemos... Tudo é pó!
Mais longe
Eis uma enfim!... Oh! como sou
feliz!...
É uma pedra do palácio de oiro!
Vamos ver o que esta pedra diz.
— Da virgindade a pérola alvejava
E a coroa de oiro, não, não de
rubis...
Na fronte dela a coroa era a
beleza...
Vamos ver mais... Oh! como sou
feliz!
Tu me sorriste; mas teu riso frio,
Hirto, sem vida então me fez
gelar:
Boiava à tona do teu lábio calmo,
Como um cadáver sobre quieto mar.
Maldita pedra!... Em tão confuso
acervo
Só tu ficaste sem fazer-te pó!
Vai-te, maldita: és como o cão do
cego,
Que o não conduz e que lhe late
só.
Gritos de um louco!... sinto-o
bem: doudejo!
Esforço-me amarrado aos dias meus,
Cuja corrente em vão quebrar procuro,
E aos pés rojar-te, como extremo
adeus.
Adeus! — As vagas já o colo
inclinam:
As moles brisas farfalhando estão;
E nas asas azuis que se desdobram,
Vejo erguer-se o teu pé, bela
visão!
Adeus!... O gênio informe das
tormentas
Desruga a fronte pálida e senil,
E, sentado nas fragas das
montanhas,
‘Stá o céu a enfeitar de oiro e de
anil.
Vai!... Mas ouve: talvez não vás
ainda,
Suavíssima visão dos sonhos meus:
Adeus!... o lábio te repete
sempre:
Mas ai! o coração não diz: —
adeus.
Ondas uma após outra a pedra
batem:
Dentre as vagas a lua olha
através:
Lá ergue a rocha sobre a praia o
colo,
Dizendo a todos: — Eu não sei quem
és.
Tu te ergues, anjo, sobre
minha praia,
Toda de branco, criação de luz:
E eu, como a lua, te enamoro, e
vaga,
Sou todo flores dos teus pés a
flux.
Ah! tu passavas como um lindo
cisne,
Que as níveas asas pelo céu abriu,
E na torrente dos meus brancos
dias,
Delas a sombra... a sombra só
caiu.
Ó cisne, uma lanugem do teu colo;
Um só perfume do teu seio, ó flor;
Um beijo... um só dos beijos teus,
ó virgem...
Como pagaras tu tão louco amor...
Nas verdes margens, sim! talvez
parasses,
A desfolhar os trêmulos rosais,
Lançando rosas à torrente branca
Dos dias meus, puríssimos
cristais,
Talvez deitando ao longe as alvas
roupas,
Metesses nela a ponta dos teus
pés:
Depois o corpo... Oh! podes vir:
as margens
Desta torrente escondem-se em
vergéis...
Oh! podes vir!... As pérolas dos
seios
Nítidas mãos e trêmulas contêm.
Como conchas que estão quase
entreabrindo...
Mostrando apenas que tesouro têm.
Oh! vem!... Já vejo que te rola a
trança
— Rio em ondas de treva — ao dorso
nu:
O teu pé escorrega... aí vem: ó
anjo,
As brancas asas por que estendes
tu?...
No mar de esperanças, que referve
e canta,
Há grandes ilhas e jardins também:
Ricas cidades, que as marmóreas
frontes
Erguem soberbas pelo céu além:
Altas torres que o manto azul
retalham
Do céu, e delas saem profundos
sons,
Que voam, como pássaros de bronze,
Que as asas mexem como vagalhões.
Não abras tanto os teus rasgados
olhos...
No fundo desses dois lagos azuis
Vejo tua alma estremecer de medo,
Como o oceano ferido pelos suis.
Não tremas, virgem, se nas altas
torres
Inquietos sons nos brônzeos ninhos
seus
Voam, revoam, bramam, fremem,
fogem
Buscando o seio do porvir... e
Deus.
Por que não vens às minhas ilhas
de oiro?
Vem ver impérios; vem somente ver,
Olha que as margens se abrirão, ao
ter-te,
Como à luz a romã, no alvorecer.
Oh! que tesouros neste mar de
esperanças...
Dos reis da terra tenho
pena e dó!...
Vem, ó meu anjo, de tão vastos
mundos
Ser tu rainha... ser rainha só...
Sim! eu bem vejo, aéreo cisne,
voas:
Queres ser minha, desces até mim:
Mas que tristeza vem toldar-me a
fronte
Quando o prazer aí vem, sorrindo
enfim?
E eu sei que Deus nas frontes
langorentas
Luz às mãos cheias lá do céu
lançou;
Como na fronte de ébano da noite
O diadema de estrelas colocou.
Minha tristeza é filha do
infinito,
Que palpo e quero e foge-me no ar;
Respiro-a em tua fronte de
donzela,
No céu azul, no verdejante mar.
Sabes? — Meu lábio agita muitas
vezes
Esta sombra que Deus em mim
deitou,
Como de noite na floresta imensa
Hinos espalha o vento que passou.
— Meu lábio vai cantar agora!...
Leio em mim, leio em ti: vou ser
feliz!
A terra, o mar, o céu, teus olhos,
tudo
Até a folha do arvoredo o diz.
Ai! tudo é belo!... As brisas que
respiro
Cheirosas vêm dos matagais do sul:
O horizonte é diáfano e profundo:
A terra é de oiro; o céu é de oiro
e azul!
Oh! como acorda a natureza! — é
noiva
No tálamo inda puro a estremecer:
E na espuma de renda, em que
mergulha,
Ora o pejo a convulsa, ora o
prazer.
Tudo mexe e palpita, e freme e
vive:
Tudo cintila, tudo é luz e vez!...
Oh! que prodígio vai passar-se
agora?
O que vai ser de mim, de ti, de
nós?
Eia, meu anjo, fala, acorda... é
tempo:
Meu lábio agora sepultar-se vai
No fragor de epinício cintilante,
Ou no sussurro trêmulo de um ai.
Porém que vejo? — As asas te
arrebatam?
Oh! por que vais a me fugir assim?
— Escuta, cisne, leva-me nas asas:
Anjo, não busques novo céu sem
mim.
Adeus! escuta: rápida me foges!...
Quem pudera seguir os voos teus!
Adeus! eu quero ouvir-te a voz
ainda!
Adeus! ao menos vem dizer-me
adeus!
É tarde! É tarde! Eu doudejo
agora.
Volta: ofendi-te! Tens no rosto a
dor:
Ai! volta: escuta: — Adoração, meu
anjo:
Não me entendias, porque eu disse:
Amor.
Mas foi tão tarde! Não me ouviste:
foste!
Lembra-me agora que por ti chorei!
Lembra-me agora que por ti fui
louco!
Lembra-me... ai! lembra-me... Eu
te amei! amei!
Agora, como um cego, a mão estendo
Entre as ruínas do passado só:
Nem uma pedra do palácio de ouro!
Desse poema só me resta o pó.
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