05/08/2014

Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado, de Camilo Castelo Branco

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Camilo, escritor romântico com incursões no Realismo

Camilo, escritor romântico com incursões no Realismo De acordo com diversos críticos, Camilo foi essencialmente um autor Romântico, inserindo-se como figura central do Ultra-Romantismo. Tal enquadramento não dispensa um conhecimento profundo da sua vida, que a seguir apresentaremos, uma vez que, em nosso entender, também Camilo teve uma vida tipicamente romântica, sendo assim marcante em si uma maior propensão para o tom funesto, macabro e derrotista das obras; para as narrativas de desenlace trágico; e para o tratamento de temas como o abandono, a orfandade, a bastardia, o desengano das relações, a rejeição por parte da sociedade ou o amor obsessivo e fatal. A propósito do enquadramento literário de Camilo, Abel Barros Baptista afirma que diversas têm sido as opiniões,assim como diversos os estilos literários abordados por Camilo, ressaltando a sua desafeição a escolas:

Habituámo-nos, por outro lado, a classificar a produção literária oitocentista em correntes bem precisas e de largo prestígio: romantismo, realismo, simbolismo. Claro que várias obras vão circulando de uma corrente para outra ou engendrando correntes intermédias ("Realismo romântico", por exemplo), e a de Camilo já deve ter passado por quase todas. Aliás, a este respeito, a dificuldade não está em classificar o conjunto da sua obra: tem sido, como se sabe, romântica, ultra-romântica e até realista, com resultados mais ou menos insignificantes. Não, o problema ainda é o homem, ou seja, a sua aversão às escolas, às correntes, a sua marginalidade relativamente aos cenáculos ideológicos e a errância violenta em que foi atacando e ridicularizando todos (mas sobretudo a naturalista, claro), sem se situar conscientemente em nenhuma delas.(Baptista, 1988: 17 – 18).

Apesar desta convicção, e atendendo à maioria das opiniões, cremos poder definir Camilo, numa curta asserção, como um autor ultra-romântico que também escreveu obras de pendor realista. Todavia, não podemos deixar de aludir também à linguagem e estilo de Camilo: um riquíssimo e variadíssimo vocabulário, umas vezes arrancado, sem retoques, da fala do povo, outras vezes de sabor arcaizante. De facto, Camilo contactara de perto com o povo das terras da Samardã ao mesmo tempo que lia os escritores clássicos a que ia acedendo através do padre António. Jacinto do Prado Coelho salienta a importância das vivências do mestre no seu estilo excepcional: «[…] a própria cultura de Camilo, não obstante possuir a marca inconfundível da personalidade, dependeu em certa medida dos acasos biográficos e do "clima" espiritual da época» (Coelho, 2001: 67). A sua escrita é viva, comunicativa, natural, cheia de cor e graça verbal, mas, o que perpassa no seu estilo de Realismo, é o lirismo, que sobressai nas suas novelas passionais, envolto numa linguagem declamada, típica do Romantismo. Ali não faltam os ramalhetes artificiais das cartas, desabafando as portuguesíssimas coitas de amor. Parco nas descrições, sumário nas narrações, procura tirar o maior efeito da dramatização dialogal. É pelas acções e pelo diálogo que nos dá a conhecer a psicologia, o carácter moral das pessoas e, até, a sua condição social. Ouvi-las, é saber de imediato quem são, a quem pertencem e como encaram os problemas da vida.

Muito ao estilo dos românticos, frequentemente, a meio de cenas comovedoras, jogava com chocarrices, que deixavam o leitor escandalizado. Camilo Castelo Branco apresenta-se-nos um contista primoroso: movimenta personagens, evoca episódios, divaga em circunstâncias filosóficas, lança-se em peripécias, mas, reduzindo sempre o diálogo àquilo que fundamentalmente interessa.

De acordo com David Frier, Camilo é a única figura verdadeiramente tom da sua obra, indubitavelmente românticos, apesar de certas produções de pendor realista. Este crítico defende, ainda, que certas obras lusitanas seriam inimagináveis se Camilo não tivesse criado uma prosa tipicamente portuguesa:

"Trata-se, com efeito, da única figura de primeira plana desta segunda geração e, embora o seu temperamento e o tom geral da sua obra sejam indiscutivelmente românticos, este autor situa-se por vezes na fronteira com o Realismo. Embora pareça haver uma tradição que opõe a sua obra à de Eça, o certo é que um romance como Os Maias seria difícil de imaginar sem o enorme progresso trazido por Camilo, ao introduzir, na produção literária lusitana, uma ficção em prosa que era portuguesa, contemporânea e situada numa sociedade realisticamente reconhecível como tal" (Frier, 2005: 52)

Jacinto do Prado Coelho adverte-nos de que Camilo iniciara a sua carreira literária quando "já do Romantismo se desprendera certo realismo acerbo e humanitário, à maneira dos Mystères de Sue", e tendo o realismo romântico dessa ascendência representantes como Bordalo Pinheiro, Coelho Lousada e D. João de Azevedo. Com o surgimento, entre 1865 e 1870, de crónicas e novelistas de segunda linha, Júlio Dinis e Camilo vêem-se a braços com a apologia do Realismo, levada a cabo por Eça de Queirós. Apesar desta tendência, Camilo permanece fiel ao Romantismo, notando-se apenas uma evolução no que à linguagem – cada vez mais própria – respeita. Efectivamente, Camilo utiliza "poucas descrições, poucos ou breves retratos, raras sondagens psicológicas, convergência de meios para os momentos patéticos e decisivos, falta de unidade por vezes, estilo de conversa, enxertado, aqui e ali, de considerandos morais e raptos líricos" (Coelho, 2001: 306).

Para Ricardo Jorge e David Frier27, o Romantismo de Camilo não é consciente, já que não foi adaptado de nenhuma escola literária nem Camilo se quis alguma vez sujeitar a algo ou alguém, sendo também o seu Realismo muito pessoal, como, aliás, afirma João Gaspar Simões:

O romantismo de Camilo não é um romantismo consciente, moldado por uma escola literária; ele foi sempre demasiado independente para aceitar uma tal "servidão". […] Por isso mesmo o termo "romântico" talvez não seja tão útil como parecia a princípio para uma definição de Camilo – que também não é realista, no sentido em que o termo é usado a propósito de escritores como Eça, mas que, através da sua ficção narrativa, mantém um compromisso constante na reprodução que faz do mundo, sem lhe dar as distorções dos modelos conscientemente idealizados. O seu realismo é, antes, a visão do mundo tal como é entendida por um escritor cujas experiências pessoais da vida são românticas – interpretação que é apoiada por João Gaspar Simões‖ (Frier, 2005:
54).

Apesar das suas características marcadamente lusas, Jacinto do Prado Coelho salienta a originalidade e a independência do mestre:

"Camilo, dentro da restrita esfera do Portugal do Romantismo, construiu o seu mundo peculiar. Fê-lo com bastante independência, procurando obedecer à sua lei própria, seguir o seu caminho, elaborar os materiais da experiência que ia adquirindo dos homens e da vida. Por isso geralmente se apresenta Camilo como uma força da natureza, sobranceiro a escolas, impermeável a tendências que não fossem as próprias tendências instintivas" (Coelho , 2001: 107).

Perante o movimento do Realismo, Camilo voltou a demonstrar a sua singularidade. Inicialmente criticou e ridicularizou a nova corrente, vindo posteriormente a redigir obras de cariz realista, apesar das afirmações jocosas com que parecia querer esconder a sua "submissão". Todo o clima dúbio que se gerou nesta fase é referido, entre outros, por José Cândido de Oliveira Martins:

Também o padre Senna Freitas faz referência à necessidade que Camilo sentiu em seguir a escola naturalista-realista, sendo de opinião de que o mestre terá começado por satirizar a escola acabando, no entanto, por se render à mesma.

"O meu caro amigo Camilo Castelo Branco, querendo provar aos zolistas de Portugal que era capaz de produzir romances envasados nos moldes da nova escola, publicou o seu primeiro livro naturalista Eusébio Macário e, a pouco trecho A Corja, A Brasileira de Prazins, etc. […] O seu primeiro lavor, porém, parecia ser mais uma caricatura, uma paródia endiabrada do fraseado coxo do Primo Basílio que uma certidão da conversão de Camilo à moderna escola. Todavia, nos seguintes que urdiu, o grande escritor revela-se incontestavelmente naturalista, fazendo já obra por sua conta, sem vistas algumas a parodiar nem a ridicularizar processos Queirozes" (Freitas, 2005: 75). Concluímos este breve enquadramento literário com a opinião de Jacinto do Prado Coelho que viu em Camilo "um escritor entre dois mundos, considerando o seu Romantismo contido, que denota grande influência dos clássicos, e o seu Realismo pessoal e singular".


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Fonte:
Daniela Maria Vaz Daniel
: “Leituras e leitores de Camilo Castelo Branco, em particular, Agustina Bessa-Luís”. (Dissertação de Mestrado. Orientador: Professor Doutor António dos Santos Pereira. Universidade da Beira Interior Faculdade de Artes e Letras - Departamento de Letras). Covilhã, 2010.

Notas
A imagem inserida no texto não se inclui na referida obra. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da obra em sua totalidade. Disponível em: ubithesis.ubi.pt

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