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Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós sob o signo do
folhetim
No que diz respeito à
importância do estudo do romance-folhetim em Portugal, talvez seja válido lembrar algumas citações compiladas
na obra de Ernesto Rodrigues, intitulada Mágico Folhetim: literatura e jornalismo
em Portugal. A esse propósito, referindo-se ao folhetim, afirma o autor
que, como “se já não bastasse o espaço conquistado nos periódicos”, cedo se convencera
de que estavam “perante algo de incontornável em Oitocentos, significativo
da cultura de um século, com suas benfeitorias ou desaires” (1998, p.15,
grifos meus). Mais adiante, lê-se uma citação de Vitorino Nemésio, que segundo
Ernesto, fora o primeiro a atribuir grandeza literária
ao tão depreciado e “fútil” folhetim: Talvez mais da metade da produção literária portuguesa do século
passadoficou nas colecções de jornais sob essa forma. E, se a superficialidade
fatal a este modo de tratamento de temas tende a condenar essas toneladas de
papel sepulto nas caves das bibliotecas e dos bibliófilos, o seu caráter
documental resgata-o (1950 apud RODRIGUES, 1998, p.21, grifos meus).
Em seguida, lê-se uma afirmação
de José V. de Pina Martins, que confirma a importância do jornalismo para a produção literária oitocentista: “Todos
os grandes nomes da literatura portuguesa do século XIX estão mais ou menos
ligados à história do jornalismo e à influência que este exerceu sobre a vida política
e cultural da Nação” (1974 apud RODRIGUES,
1998, p.21).
Por fim,
mas sem a pretensão de encerrar a discussão a respeito da importância do estudo
do folhetim para a literatura oitocentista portuguesa, destacamos a seguinte
passagem do autor de Mágico Folhetim:
Foi sobre este período de 42
anos [1833-1875] que mais pendeu ainvestigação: por um lado,
com a vitória liberal já clara em 1833, impunha-se moderna fórmula de Imprensa literária na deriva romântica;
por outro, a transição, ou educação, realista d’O Crime do Padre Amaro esboça-se na serialidade da luxuosamente colaborada Revista Ocidental (1875), [...]. Eça, por mais que o denigra, nasce e cresce literariamente com o
incontornável folhetim (RODRIGUES, 1998, p.131, grifos meus).
Vale
ressaltar das anteriores citações algumas ideias já destacadas em itálico: o
fato de o folhetim representar elemento significativo para a cultura
oitocentista; a importância de seu caráter documental, devido ao expressivo conjunto
da produção literária presente nos jornais; a influência e a importância do
jornalismo para a vida literária portuguesa; a posição central do folhetim nos jornais e sua consequente primazia; e, por fim,
o importante período de investigação em que se situam as obras sobre as quais
nos deteremos.
Verificada
a relevância do estudo desta fase da produção portuguesa, em que o diálogo com o romance francês e, em menor medida, com o romance inglês,
apresenta-se como elemento essencial para a criação e consolidação de um gênero
ainda tateante em Portugal, também
lançaremos, à guisa de breve introdução, um olhar ao que se disse a respeito da
dita “produção folhetinesca” dos autores compreendidos neste estudo, sem a
pretensão de abarcar toda os estudos críticos feitos a respeito dos romances. Dessa
forma, analisaremos as contribuições de alguns importantes críticos e
historiadores, em razão de suas obras conterem uma visada panorâmica da
literatura portuguesa oitocentista ou especificamente das obras de Camilo
Castelo Branco e Eça de Queirós, a despeito de nosso objetivo primordial – o de
realizar uma análise menos panorâmica e uma comparação mais detida sobre a obra
inicial dos autores.
No que respeita aos primeiros romances de Camilo – o Anátema,
os Mistérios de Lisboa, e sua continuação, O Livro Negro do Padre
Dinis – parte da crítica consente de modo geral que esta seria parte da produção inferior do
escritor, onde ainda não tivera tempo e maturidade para revelar seus dotes de romancista.
Assim sendo, atesta-se que a dita produção folhetinesca de Camilo Castelo Branco
baseia-se, essencialmente, em tópicas da produção romanesca francesa, da qual o
escritor revelar-se-ia apenas um mero “copiador”, além de voraz leitor. Como
sintetiza Alves Lima a partir da leitura da crítica de Camilo de modo geral, “pode-se
verificar alguns pontos comuns, dentre os quais se destacam: a) cópia de
modelos franceses (e modelos de baixa qualidade, pelo que se depreende); b)
ausência de valor literário; c) preocupação em
escrever para agradar ao público” (1990, p.15).
Da História da Literatura Portuguesa,
de Antonio José Saraiva e Oscar Lopes, depreende-se,
de modo geral, que a produção camiliana teria se apresentado em uma curva evolutiva, cujas primeiras obras, objeto de nosso estudo,
teriam a função de “satisfazer o gosto do romance negro de aventuras, lançado pelo pré-romantismo
inglês (H.Walpole, Ana Radcliffe) e afim do melodrama [...] de que Soulié,
Nodier, Féval, Sue e o próprio Vítor Hugo foram
os principais transmissores” (1969, p.820).
Condizente
com o intuito de apresentar um extenso, e, portanto, limitado panorama da literatura
portuguesa, é natural que não se encontrem comentários abrangentes ou mais detidos
a respeito dessa obra inicial de Camilo. Notam já os autores, no entanto, uma diferença central em relação aos romances de Sue e Hugo: “É,
no entanto, significativo o facto
de o nosso novelista esbater, se não eliminar, a crítica das misérias e das degradações
morais, das perversões que estas provocam, tal como a encontramos nos livros de
Eugène Sue e Vítor Hugo que imita” (Ibid., p.820). Em seguida, os críticos
atribuem o fato à sua “antipatia em relação à
literatura de crítica social” (Ibid., 821).
Apontando,
portanto, uma diferença central com relação aos romances que supostamente “imita”,
sem, contudo, elaborar esse aspecto, os autores já nos fazem notar de antemão diferenças
constitutivas que se sobressaem quando da leitura dos romances,diferenças essas que pretendemos elaborar e
problematizar no desenvolvimento do presente estudo.
Passando
de um extenso panorama da literatura portuguesa em sua evolução histórica, deter-nos-emos
em um novo panorama, desta vez a respeito do romance português, que nos apresenta,
portanto, análises mais detidas a respeito de determinados romances e
romancistas portugueses. João Gaspar Simões,
na História do Romance Português, se não apresenta uma visão panorâmica completa da obra de Camilo
Castelo Branco, como faz Jacinto do Prado Coelho, realiza, por outro lado, um extenso
panorama do romance português, pontuando a importância do escritor para a evolução
e ascensão do gênero, como comentamos anteriormente (a respeito do fato de que Camilo,
Eça e Júlio Dinis tenham sido importantes representantes da ascensão de um novo
gênero – o romance moderno português). Assim, seria importante observar o que diz
a respeito desta fase experimental da obra de Camilo, em comparação com as
fases mais amadurecidas em que se apresenta o escritor de A queda dum anjo, Amor de Perdição e Eusébio Macário.
Apesar de situar o aparecimento do Anátema – romance do qual apresenta
mais informações, por ser a
estreia de Camilo, mas que apresenta muitos pontos de contato com os Mistérios
de Lisboa, publicado apenas três anos depois – como importante fato para a ascensão
do romance moderno português, como demonstrado anteriormente, Simões considera a
fase inicial de Camilo como absolutamente inferior às demais, mencionando, novamente, a suposta importação e imitação dos modelos
estrangeiros, reafirmando o domínio do influxo externo sobre a literatura portuguesa.
Afirma, dessa forma, que a produção de Camilo se elevará “logo que se desiluda dos cosmopolitismos à
Dumas e Eugène Sue” (1969, p.123).
Buscando realizar
uma distinção entre novela e romance, com vistas a classificar a produção
camiliana entre um ou outro gênero, o crítico afirma que o romance “exige “enredo”,
personagens pormenorizadamente estudadas e um acontecer moroso – um tempo capaz
de se corporizar em factos e episódios objectivos” (Ibid., p.130). Na novela,
por sua vez, o “estilo é primacial. Tudo depende da “voz” do narrador” (Ibid.,
p.130). Em seguida, analisando e enaltecendo a
produção novelística de Camilo, afirma:
As suas histórias valem
sobretudo pelo tom em que são contadas. A voz que melhor se ouve nos seus romances é a do
romancista. [...]. Através dele, através de sua “voz”, que é a sua prosa, o seu
estilo inconfundível, tomam corpo, existência, vida, coisas, pessoas, acontecimentos, paisagens, situações,
tudo quando comparece nas suas histórias (Ibid., p.130).
É, pois,
por esta razão que a fase inicial do escritor é considerada de má qualidade e cópia
dos modelos franceses: de acordo com Simões, o enredo e as aventuras
folhetinescas se sobrepõem à voz camiliana,
que configura seu estilo e faz de sua novela elemento significativo para a ascensão do romance em
Portugal. Antes de comentarmos a análise do crítico, que não deixa de apresentar
elementos importantes, vejamos como analisa a fase experimental da produção camiliana:
No Anátema, nos Mistérios de Lisboa, no Livro
Negro do Padre Dinis, obras intrinsecamente
folhetinescas, à maneira dos Sue & Companhia, temos algumas de suas
histórias de mais nítida traça “romancesca”. À medida que se afasta do folhetim é que se aproxima da
novela. [...]. Na novela se lhe apura o estilo, se lhe aguça a veia satírica,
se lhe afirma o tônus passional.
Na novela
se emancipa do “terror grosso” que ensancha os seus folhetins. [...].
Por aí começaria
Camilo. O Anátema é puro “terror grosso”. Estava na moda. Era a grande atracção
do público. [...]. E o certo é que para desembaraçar-se do “terror grosso” teve
de recorrer à jocosidade, ao sarcasmo,
ao grotesco, à sátira grosseira. [...]. Depurando as suas histórias da ganga folhetinesca da primeira fase, atinge então uma
sobriedade por vezes magistral. É certo que o “terror grosso”, ou seja, o
folhetinesco nunca desaparece
por completo de sua obra. Mas é onde ele menos se evidencia que Camilo atinge a nota mais alta da sua genialidade
(Ibid., p.132).
[...]
---
Fonte:
Andréa Trench de Castro: “O romance-folhetim de Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Letras.Orientador: Prof. Dr. Paulo Fernando da Motta de Oliveira). São Paulo, 2012.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida obra. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da obra em sua totalidade. Disponível em: twww.teses.usp.br
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