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A mulher
e o amor camilianos
A mulher foi escrava do braço, antes de o
ser da
superioridade moral.
Quando o homem chamou a ciência a dar um
testemunho falso da sua primazia, a mulher,
quebrantada pela escravidão do braço, não
pode
remir-se com as forças do espírito.
Ainda assim, o tirano, receoso da emancipação,
fez
em redor da escrava as trevas da ignorância,
para
que a razão da mulher não pudesse conceber
da luz
o gérmen que a reabilitasse.
Pegou da formosa flor, cerceou-a de estevas,
cobriu-
a de sombras por onde o sol não podia coar
uma
réstia reanimadora.
Esta maquinação arteira sobreviveu a todas
as
borrascas sociais. Os fautores, e ainda os mártires
da igualdade perante Deus e perante a lei,
nunca
proferiram uma palavra, nem verteram gota de
sangue para o resgate moral da mulher.
Camilo
Castelo Branco
O que fazem mulheres
No Romantismo literário a união entre dois
amantes privilegia a concepção da
perenidade, fosse o sentimento amoroso concretizado em vida ou não, estando
sempre o ser humano em busca do verdadeiro e eterno amor, mesmo que frustradas
as expectativas iniciais. Esse excesso de emoção é, segundo o teórico russo
Bakhtin, (2003, p. 166, grifos meus) “produto da desintegração do caráter clássico”
em que
[...] No sentimentalismo, a posição de distância é
usada tanto em termos artísticos quanto morais (em detrimento do artístico,
é claro). A piedade, o enternecimento, a indignação, etc. – todas essas reações
éticas axiológicas, que colocam a personagem fora do âmbito da obra, destroem o
acabamento artístico; começamos a reagir à personagem como uma pessoa viva (a
reação do leitor e às primeiras personagens sentimentalistas – pobre Lisa,
Clarissa, Grandison, etc., em parte Werther – é impossível diante da personagem
clássica), embora ela seja artisticamente bem menos viva que a personagem clássica.
As desventuras da personagem já não são destino, mas simplesmente criadas e a
ela causadas por pessoas más; a personagem é passiva, apenas passa pela vida, não
consegue nem morrer, os outros é que a destroem. O herói sentimentalista é o que melhor se presta a obras tendenciosas –
para suscitar sentimentos extra-estéticos de simpatia ou de hostilidade social.
Desde
o Egito e a Grécia Antigos, o sentimento amoroso é apresentado como o que há de
mais elevado nas ações ou nos relacionamentos, fosse ele um envolvimento entre
homens e mulheres, ou entre seres do mesmo sexo. Platão (1986) conceitua o amor
como necessidade de se conquistar e resguardar a posse dele, pois ele se
destina à aparência do Bem. Já Aristóteles (2009, p. 258, grifos meus)
visualizava o amor sexual como sentimento superior, uma vez que seria impossível
ser atingido se não fosse conquistado pelo prazer da beleza:
Assim,
enquanto no que tange às outras espécies animais, a união dos sexos visa apenas à perpetuação da espécie, os seres
humanos vivem juntos não apenas para gerar filhos, como também para prover o
que é necessário à vida, inclusive entre os seres humanos a divisão de
trabalho começando nos primórdios, homem e mulher assumindo diferentes funções.
No século
XII, o amor cortês cultuava a figura feminina ideal para a realização amorosa
plena, idealizada e carnal, como forma de alcançar a felicidade eterna. Grandes
amores eram amplamente tematizados pela literatura medieval, como o de Abelardo
e Heloísa10, Dante e Beatriz11 e Laura e Petrarca12. Amar é sinônimo de amor
impossível.
Já no
Quinhentismo, as grandes navegações trouxeram ao homem novos horizontes e a
influência do pensamento neoplatônico garantiu à figura feminina inúmeras
qualidades espirituais e morais, sendo a beleza da 10 Heloísa e o filósofo
Pedro Abelardo conheceram-se em Paris entre o final da Idade Média e o início
do Rensacimento. Heloísa, numa tarde em que saiu para passear com a criada
Sibyle, viu um grupo de estudantes reunidos em torno Abelardo, o qual
apanhou-lhe o chapéu que havia voado com o vento. A partir desse momento, ela só
pensava nele e dispensou seus antigos professores, interessando-se em estudar
as obras de Platão e Ovídio, a alquimia e essências e ervas, pois sabia que
desse modo atrairia Abelardo. Ele, tornando-se amigo de Fulbert de Notre Dame,
tio e tutor de Heloísa, passou a ser o novo professor dela, oportunidade em que
eles ficavam a sós. Abelardo apaixonou-se e juntamente com racionalizavam o
amor. A criada adoece e foi substituída por outra que encontrou uma carta de
Abelardo dirigida a Heloísa e a entregou a Fulbert. Abelardo foi expulsou da
casa, mas Heloísa preparava poções que faziam o tio dormir e conduzia Abelardo
ao porão, o ponto de encontro dos apaixonados. Fulbert descobriu o que
acontecia, Heloísa levou uma surra passou a ser vigiada. Abelardo e ela
passaram a se encontra nas igrejas e ela engravidou. A fim de impedir o escândalo,
Abelardo levou-a à aldeia de Pallet, deixando-a sob os cuidados de sua irmã e
revelou a Fulbert o amor que unia o casal. Fulbert concordou com o casamento,
Heloísa, voltou a Paris e casaram-se no meio da noite, porém maledicentes começaram
a zombar de Fulbert que contratou dois carrascos para arrancar o membro viril
de Abelardo. Assim, perturbados pela tragédia, Alberto e Heloísa não mais se
falaram e ela retirou-se para o convento. Abelardo criou uma escola-mosteiro ao
lado da escola-convento onde Heloísa ficava e, assim, viam-se, trocavam cartas
apaixonadas, mas não se falavam. Abelardo morreu aos 63 anos e Heloísa
construiu-lhe um grande sepulcro. Ela faleceu algum tempo depois, sendo
sepultada ao lado de seu amado Abelardo. Segundo se conta, ao abrirem a
sepultura de Abelardo, para o enterro de Heloísa, encontraram o corpo dele
intacto e de braços abertos à espera de Heloísa. (ETIENNE, 2007, p. 56) alma
muito maior e mais perfeita do que a física, conferindo-se ao sentimento
amoroso uma dimensão de inalcançável. A partir do dolce stil nuovo surge uma imagem estereotipada da figura feminina
que se manteve por muitos outros períodos. A mulher loira, branca, de rosto
rosado e dentes de pérola conquista alguns atributos idealizadores de perfeição
e feminilidade registrados nos gestos delicados e comportamento angelical.
No
entanto, a tranquilidade do mundo se dissolve no século XVII, período de um
homem atormentado pela crise religiosa e pressão dura da Inquisição, em que o
ser amado está acima do Bem e eternamente perdido.
Seu
completo sofrimento leva-o à melancolia constante e viver passa a ser sinônimo
de morrer. Já no Neoclassicismo, o convencionalismo traz de volta os temas e
lugares-comuns clássicos, idealizando o amor e a mulher como retrato de
calmaria e não-passionalidade, requisitos imprescindíveis à figura feminina
ideal.
A
moral do Cristianismo dominante no século XIX aceita o amor como um sentimento
incorpóreo e o prazer físico como objeto do pecado.
A
maioria dos autores românticos mantém essa visão, recusando a ideia de Eros como elemento ligado ao corpo e seus estímulos e mantendo a posição de que o
amor é o alimento das almas mais puras.
Numa
retomada parcial dos valores medievais e barrocos, o romântico expressa
sentimentos envolvidos também nas mudanças econômicas da sociedade,
experimentando fortes contradições e instabilidade emocional aliadas à sensação
de impotência, elementos geradores de conflitos de sorte variada. Schopenhauer
(1993, p. 47, grifos meus) afirma que O amor é poderoso e sabe enganar o ser
humano; consegue iludi-lo,
prometendo-lhe uma felicidade que jamais poderá se realizar: o próprio prazer carnal acaba sendo uma experiência
apenas momentânea e insatisfatória, justamente porque a verdadeira finalidade
do encontro amoroso não é satisfazer o homem e a mulher, mas possibilitar a
geração de novas vidas e, através desta geração, a preservação da natureza.
Note-se
que, Schopenhauer só permite a ideia de amor para a procriação, contrariando a
afirmação de Platão (1986, p. 79, grifos meus), em O Banquete, de que o amor é simplesmente um desejo, uma privação: Portanto,
a pessoa, e quem quer que deseje alguma coisa, deseja forçosamente o que não
está à sua disposição, o que não possui,
o que não tem, o que lhe falta; ora, não são estes justamente os objetos do
desejo e do amor?
Logo,
o romântico aceita o amor como uma intensa relação entre dois seres ativos em
que os movimentos de ambos geram o desejo de conversão e complemento de um em
outro, como afirma Camões (1997, p. 50) na paráfrase de Petrarca:
Transforma-se
o amador na cousa amada,
Por
virtude do muito imaginar;
Não
tenho logo mais que desejar,
Pois
em mim tenho a parte desejada.
Se
nela está minha alma transformada,
Que
mais deseja o corpo de alcançar?
Em si
somente pode descansar,
Pois
consigo tal alma está liada.
Mas
esta linda e pura semideia,
Que,
como o acidente em seu sujeito,
Assim
co'a alma minha se conforma,
Está
no pensamento como ideia;
[E] o
vivo e puro amor de que sou feito,
Como
matéria simples busca a forma.
Assim,
o amor pode surgir por uma necessidade do homem de ser amado, fugindo para o
outro e transformando-se nele como forma de complemento de sua essência.
Conquista-se, então, definitivamente o amado, concretizando o projeto de se
fazer amar. Essa religião do amor, no entanto, é muitas vezes sacrificada por
impossibilidades sociais e, por isso, acompanhada de crimes e profanações. São
duas formas de amor distintas, as quais se destacam nesse caso: o amor paixão,
que leva ao desespero e à morte, e o amor sentimento, o qual proporciona a
salvação.
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Fonte:
Maria de Lourdes da Conceição Cunha: A mulher fatal e o que fazem mulheres: a representação da figura feminina na narrativa camiliana”. (Tese apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Letras. Orientadora: Profa. Dra. Lílian Lopondo). São Paulo, 2010.
Fonte:
Maria de Lourdes da Conceição Cunha: A mulher fatal e o que fazem mulheres: a representação da figura feminina na narrativa camiliana”. (Tese apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Letras. Orientadora: Profa. Dra. Lílian Lopondo). São Paulo, 2010.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida obra. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da obra em sua totalidade. Disponível em: tede.mackenzie.com.br
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