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Do eu
e suas máscaras
Mesmo que os cantores
sejam falsos como eu
Serão
bonitas, não importa
São
bonitas as canções
Mesmo
miseráveis os poetas
Os seus versos serão
bons
(...)
Mesmo que os romances
sejam falsos como o nosso
São bonitas, não importa
São
bonitas as canções
Mesmo sendo errados os amantes
Seus
amores serão bons
Chico
Buarque
Da extensa obra de Camilo
Castelo Branco, há muitos romances que apresentam, para críticos e biógrafos, traços da biografia
do autor. Segundo os estudiosos, Camilo muitas vezes criou um universo
ficcional que coincidia, declarada ou veladamente, com a sua realidade biográfica.
Como já ressaltamos, nossa intenção não é apontar aproximações autobiográficas na
obra do autor, mas problematizar o recurso do autobiográfico tão caro à
modernidade na obra de um autor oitocentista. Infelizmente só pudemos escolher para
este trabalho, devido ao tempo e ao seu objetivo, apenas um romance do escritor
português. Dentre os inúmeros romances camilianos em que a problemática vida e obra pode ser estudada, chamou-nos atenção Onde está a felicidade? pelas recorrentes aproximações tecidas
por parte da crítica e de renomados biógrafos entre os personagens deste romance
e a vida de Camilo Castelo Branco.
Apesar de
consideradas figuras especulares de seu criador, tentaremos demonstrar que os personagens
Guilherme do Amaral e o jornalista indiciam que o autobiográfico na narrativa camiliana é mais do que um reflexo da personalidade
do eu autoral.
Ressaltando
também a figura do narrador, averiguaremos de que forma essa entidade ficcional, muito presente na narrativa camiliana, denuncia a
presença de um autor consciente do ato criativo.
Contudo, é
tentadora a vontade de considerar, mesmo que brevemente, outros títulos do
autor em que o caráter autobiográfico inscrito nas narrativas possa ser problematizado.
Por isso decidimos examinar rapidamente duas narrativas em que Camilo usa de sua
biografia, de forma clara ou disfarçadamente, para a construção da sua ficção: Amor
de Perdição(1862) e Duas horas
de leitura (1857). A escolha por
essas duas narrativas se deve à maneira distinta
como ambas inscrevem o recurso do autobiográfico nos seus enredos.
Em Amor
de perdição, Camilo inspira-se na sua biografia para construir sua ficção.
Tentando dar veracidade à história de amor de Simão e Teresa, o autor se
utiliza de figuras de sua família,
transformando-os em seres ficcionais. No entanto, é curioso notar que se o narrador promete contar a
paixão impossível de seu tio Simão por Teresa nessas
“memórias de família”, a narrativa acaba por se aproximar do relacionamento amoroso vivido por Camilo e Ana Plácido na
mesma época. Vale lembrar que Camilo escreveu Amor de perdição quando
estava na cadeia, acusado por seu caso adúltero com Ana Plácido. Narrando o
impedimento amoroso de Simão e Teresa, Camilo talvez tenha pretendido narrar a sua difícil situação naquele momento.
Segundo Annabela Rita, o
sujeito camiliano é “um sujeito que vê e se faz ver, quer individualmente, quer na e à sua família,
de determinado modo: marcado pela fatalidade de
uma marginalidade devida à experiência-limite do amor” (1991, p.57).
Para Rita, portanto, Camilo
também se considerava um marginalizado como os seus personagens românticos devido
às suas controvertidas experiências amorosas.
Pretendendo se “fazer ver” para
o leitor, o autor começa Amor de perdição com uma “Introdução” em que revela
“onde está” e também “como esteve” Simão naquele mesmo lugar (RITA: 1991, p.
57), aproximando a situação pela qual passou o personagem de sua própria realidade.
Ainda sugerindo certa aproximação com o protagonista do seu romance, Camilo
afirma ainda na “Introdução” que o “leitor decerto se compungia; e a leitora, se lhe dissessem
em menos de uma linha a história de [Simão],
choraria” (CASTELO BRANCO: 1968, p.8), criticando uma sociedade que o condenou por seu relacionamento amoroso
com Ana Plácido, mas que se sensibilizaria no
espaço da ficção com a história de amor de Simão e Teresa.
No
entanto, conforme considerou Annabela Rita, Camilo ao conectar a sua história a de Simão e assim inscrevê-la no espaço romanesco
não só “reforça o estatuto de
veracidade do narrado, como também contamina aquela de ficcionalidade” (1991, p.57). Mesmo afirmando fingidamente que estava a contar a
história verídica de um tio seu,
ou apesar de disfarçadamente narrar um episódio de sua vida, Camilo escreveu em
Amor de Perdição uma história de amor só possível de fato no universo
ficcional, pois impregnou a “verídica” história que pretendia contar com a imaginação
de que nunca conseguiu desprender-se.
Em um dos contos
de Duas horas de leitura, título menos conhecido do autor português, o
narrador-personagem conta sobre um estranho episódio de sua vida. A pequena narrativa
intitulada “Impressão indelével” chama a atenção pela clara aproximação que se pode fazer entre o enredo e a biografia
de Camilo. Nesse pequeno conto, o narrador comenta sobre a orfandade e a sua
relação com a irmã. Ele se detém, porém, num namoro que teve aos quinze anos
com uma bonita moça chamada Maria do Adro. Narrando essa sua paixão de infância, o narrador explica que
se separou de Maria quando saiu de sua aldeia e foi para o Porto cursar Medicina.
Ao voltar, durante as férias do curso, o narrador-personagem descobre que Maria
do Adro adoecera e morrera. Pareceria apenas
mais um trágico final de uma história de amor se não fosse o estranho fato de o
narrador-personagem, mesmo com o “coração em lágrimas” (1858, p.67), aceitar o
pedido do seu cunhado, que era médico, de desenterrar o cadáver de Maria. Ao aceitar a proposta do cunhado,
que desejava o esqueleto da jovem para estudar anatomia, o narrador mostra-se
mais preocupado com o mau cheiro do cadáver do que com o sentimento que teria
ao ver sua amada já morta. No final da história – que é contada a um interlocutor que não participa em nenhum momento
da narrativa –, o narrador-personagem revela o destino dado aos ossos da jovem:
“Falta dizer-te, meu caro Barbosa, que o esqueleto de Maria está no quarto de
meu cunhado” (1858, p.71).
Para Alberto Pimentel, essa história presente em Duas horas de leitura
realmente aconteceu com Camilo. A única diferença entre a ficção e a realidade,
segundo o biógrafo, é que “Camilo não guardou os ossos de Maria do Adro” (1922,
p.65). Para Pimentel, “tão
caro [Camilo] pagou o capricho romântico da exumação, que nunca mais os quis ver” (1922, p.65). Porém, é intrigante pensar
por que o autor não manteve
até o fim da narrativa a fidelidade ao vero ao contar esse episódio de sua
vida.
Através
das considerações de Pimentel, podemos pensar que Camilo quis dar um final ultra-romântico
para aquela história, mesmo que não tivesse vivenciado aquela experiência amorosa
com o romantismo pintado na ficção. Assim, o autor recria ficcionalmente o
estranho episódio de sua biografia, indiciando que, mesmo numa narrativa sugestivamente autobiográfica, sempre há um
cadinho da sua imaginação.
Amor de perdição aproxima-se de Onde está a felicidade? por apresentar
o eu autoral como
presença insinuante na narrativa.
Em ambos os textos, Camilo indiretamente inscreve um episódio de sua vida, sugerindo
certa aproximação entre o criador e seus personagens. Em Duas horas de leitura,
porém, defende-se uma clara aproximação entre a
biografia do autor e a história narrada em “Impressão indelével”.
No entanto, apesar do evidente
caráter autobiográfico, essa narrativa acaba com um final diferente da do plano
real, obedecendo aos apelos da escrita ultra-romântica.
Tanto em Amor de perdição
com em Duas horas de leitura a possível pretensão autobiográfica de Camilo cede lugar à ficção.
Se Camilo Castelo Branco, de forma insinuante ou declarada, inscreveu-se
na sua ficção, ele também parece ter sempre injetado na sua tumultuada biografia
episódios marcados por arroubos ficcionais.
Acreditamos
com isso que a proposta de Camilo foi sempre pela ficção tanto ao inscrever nas
suas ardilosas narrativas a sua biografia, como em Amor de Perdição, quanto ao fazer da biografia uma forma de ficção, como em Duas
horas de leitura.
Diante das possíveis
aproximações entre vida e obra em Camilo Castelo Branco, muitos críticos têm tentado apenas distinguir
o fato da ficção. No entanto, talvez seja mais válido descobrir nesse jogo
entre vida e biografia a capacidade do autor de manipular com maestria o
autobiográfico como instrumento do ficcional. Detendo-nos no romance Onde está a felicidade?, tentaremos
entender a proposta autobiográfica de Camilo nessa narrativa. Para isso, dividiremos esse capítulo
em três momentos.
Primeiro, tentaremos averiguar
como o personagem Guilherme do Amaral reflete a personalidade do seu criador. Depois,
problematizaremos por que o eu autoral parece ter querido
inscrever-se na figura do jornalista. Finalmente, examinaremos como o narrador apresenta um discurso ambíguo que o aproxima do autor.
Pretendemos,
ao final da nossa apresentação, descobrir as estratégias utilizadas por Camilo
Castelo Branco ao construir um romance que indicia um caráter autobiográfico
através de uma sedutora narrativa que nunca abriu mão de ser antes de tudo exemplo de expressão artística.
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Fonte:
Aldira Siqueira de Sant’Anna: “Por entre máscaras e disfarces: a escrita do eu em Camilo Castelo Branco”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Literaturas Portuguesa e Africana). Orientadora: Professora Doutora Monica do Nascimento Figueiredo). Rio de Janeiro, 2010.
Fonte:
Aldira Siqueira de Sant’Anna: “Por entre máscaras e disfarces: a escrita do eu em Camilo Castelo Branco”. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Literaturas Portuguesa e Africana). Orientadora: Professora Doutora Monica do Nascimento Figueiredo). Rio de Janeiro, 2010.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida obra. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da obra em sua totalidade.
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