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Palavras sobre o artista e sobre o
livro “Canções”, por Jaime de Balsemão
CANÇÕES!
Canções à vida, não lamentos aos destinos. Canções à Forma que é linda, portanto, canções a Deus. É assim que Antônio Botto canta o homem, o qual vencido pende para a terra sob o peso dos sentidos; o homem escravo, o rei do Universo. Canta a humanidade e as coisas terrenas para lhes louvar a existência involuntária; canta a humanidade como ele sabe que ela é e não como ele desejaria que ela fosse. É esta a mais suave das filosofais, é esta toda a sua filosofia, criando na matéria uma arte deslumbrante de liturgias, dando a essa matéria toda uma origem divina. Se é nela que germina a forma, a cor, o som, olhar atento é rezar em silêncio. Antônio Botto louva e não maldiz, porque atravessa a existência para compreender. E, louvando, segue a eminência do pensar heleno, a grande harmonia dos dois mais nobres Princípios; — a arte e o critério; porque meditá-los é aliar num quietismo magnânimo as dolorosas imagens das nossas vidas. Canções de antigo requinte, canções de quente Sul. Canções à morna volúpia que adormece a louca angústia da razão. Canções de renascença, pelo sabor da verdade e pela técnica da maneira; canções onde a mudez não é uma crueza hostil, mas um desígnio de sabedorias, como nos dias gloriosos de Cirena, das frautas encantadas, deleusus… Canções, ao amor, — o triste desatino; ao mar gemendo lascivas, às sombras acolhedoras, ao cheiro acre das terras. Canções ao belo vinho amigo, que afasta os corpos famintos, e, a sós, sem conivências, não pedindo e não carpindo, — sem cômico e sem tragédia — canta a vida que sorri e olha os tempos sem medo. Canções cheias de sombra e cheias de intenção; canções de beleza porque são humanas e porque são raras. Humanas, dizendo a febre de todo o gozo, a luxuria que conquista, toda a posse que tortura; raras pela forma, pelo conceito, pelo sentir. Cantando a imperfeição o poeta canta a vida.
CANÇÕES!
Canções à vida, não lamentos aos destinos. Canções à Forma que é linda, portanto, canções a Deus. É assim que Antônio Botto canta o homem, o qual vencido pende para a terra sob o peso dos sentidos; o homem escravo, o rei do Universo. Canta a humanidade e as coisas terrenas para lhes louvar a existência involuntária; canta a humanidade como ele sabe que ela é e não como ele desejaria que ela fosse. É esta a mais suave das filosofais, é esta toda a sua filosofia, criando na matéria uma arte deslumbrante de liturgias, dando a essa matéria toda uma origem divina. Se é nela que germina a forma, a cor, o som, olhar atento é rezar em silêncio. Antônio Botto louva e não maldiz, porque atravessa a existência para compreender. E, louvando, segue a eminência do pensar heleno, a grande harmonia dos dois mais nobres Princípios; — a arte e o critério; porque meditá-los é aliar num quietismo magnânimo as dolorosas imagens das nossas vidas. Canções de antigo requinte, canções de quente Sul. Canções à morna volúpia que adormece a louca angústia da razão. Canções de renascença, pelo sabor da verdade e pela técnica da maneira; canções onde a mudez não é uma crueza hostil, mas um desígnio de sabedorias, como nos dias gloriosos de Cirena, das frautas encantadas, deleusus… Canções, ao amor, — o triste desatino; ao mar gemendo lascivas, às sombras acolhedoras, ao cheiro acre das terras. Canções ao belo vinho amigo, que afasta os corpos famintos, e, a sós, sem conivências, não pedindo e não carpindo, — sem cômico e sem tragédia — canta a vida que sorri e olha os tempos sem medo. Canções cheias de sombra e cheias de intenção; canções de beleza porque são humanas e porque são raras. Humanas, dizendo a febre de todo o gozo, a luxuria que conquista, toda a posse que tortura; raras pela forma, pelo conceito, pelo sentir. Cantando a imperfeição o poeta canta a vida.
Doando assim por essa gentil alquimia, a mais
excelente das ciências com a mais ilustre das artes, o poeta das “Canções”,
prefere, ao repouso feliz do muito desprezar, o sofrimento constante do muito
amar. A vida seria melhor se nela não existissem coisas tão belas! É a Forma
que o enleva, essa forma que o tempo absorve e devora com a vida dos artistas,
porque a arte a ilumina. Essa forma onde, por vezes, palpita um desejo
decadente de perfeições aladas e que são a decadência destas canções sentidas.
Porque decadência é como um tédio cheio de revolta motivado pela tortura da
beleza para renascer no requinte da estética; maneira de protesto genial
presidindo a todos os ressurgimentos nas Artes. É a Grécia douta e augusta, que
renasce nos versos de Antônio Botto, como em todas as renascenças; renasce numa
visão de fumo lento, erguendo-se das áras votivas ao domínio dos Deuses
humanos, a esse há deslumbroso de murtas, divino de compreensões, a essa mansão
da Inteligência, dirigindo as celebrações nas vestalias como a humanidade nos
peitos.
................ O homem cede ao desejo como a
nuvem cede ao vento.
E Antônio Botto louva esse desejo regendo as ações do homem,
porque o homem dele nasceu. O amor cantado assim, não é o opróbrio que avilta,
mas o culto que enobrece. Cantar a humanidade para a tornar mais bela!… Como os
egípcios cadenciando-lhe o gesto nas danças, como os gregos cultivando-lhe a
graça dos ginásios, como os romanos nos libames a Júpiter. Nestas canções, o
amor, o vinho, os festins das carnes amorosas, as penumbras languidas são narcóticos
preciosos onde o poeta afoga as dores do pensamento. É Vênus, Eros ou Afrodite;
é o Amor Universal que, despreza a fome, a sede, a fadiga, para lançar no mesmo
tropel os sexos, as castas e as inteligências, o amor que tenta adormecer, com
o seu macabro e com o seu grotesco nos braços tolhidos da Noção; o amor, Grande
e Único como o Sol, embora disperso em muitas laminas doiradas; — o amor que
ergue nestas canções o seu grito imortal; ora varonil investindo na exaltação
da conquista, ora feminil abandonando-se na ânsia da dádiva; palpitando nos
peitos viris, vencendo nos seios amorosos. É o amor profano, profano como todos
os amores humanos, os mais divinos ou os mais terrenos. É tudo que se arrasta,
tudo que se lamenta em redor do homem, suplicando um imensa simpatia para a
grande e inalterável Animalidade, a qual é como um vasto campo, onde homens,
insetos, e gados, se agitam, entre a poderosa serenidade das formas vegetais,
sob a mesma claridade fecundante, sob a mesma armadura de velho ouro que os une
e assimila.
A inspiração do poeta é nobre e ousada, porque
é dirigida pelo carinho tutelar da beleza e da humanidade. Ele faz da
sonoridade das palavras a escolha mais rítmica, mas quando essa fonética
obedeça doutamente à minúcia exigente do seu espírito raro destilista
alexandrino, ornado, expandido nas belas letras. A sua Arte é toda harmoniosa de
ironia; dessa ironia, dessa deidade antiga forçando a inteligência a perdoar
aos homens a sua presença ruidosa e feroz, para a posse da mais gentil das
coragens: — sorrir! Então Antônio Botto não
faz da eterna ignorância uma tortura, mas uma suave piedade. Dentro do mistério
Universal: — do seio que sente e concebe, da semente que germina e ensombra,
nada será espantoso, nada será estranho. As combinações abstratas o poeta cede
as combinações sensíveis; a emoção pura, a sensibilidade consciente, a toada musical
e branda. A sua tranquila aceitação dos dilemas imutáveis pairando na vida, a
sua compreensão lógica, a sua natural intuição, animam-nos de um prazer juvenil
ao falar do Artista e das suas “Canções”.
Cantam elas a treva do saber mesquinho dos homens, a ilusão de onde nascem as
angústias para a posse das venturas, a amizade nos peitos como desenhos pueris
na superfície das águas. Cantam doces crepúsculos, onde o Ideal, na solidão e
na morte, é sempre perfeito porque foge como os Sóis. São canções onde a angústia
é uma elegia de condescendências. O homem nascendo para acreditar e para
servir, o seu fanatismo vibra não das verdades mais demonstradas, mas, das
ilusões mais belas. Essa ilusão é a Arte, essa Arte uma doce ironia de conforto
belo. E o homem vai sempre imaginando e sofrendo. Entre Platão e Fídias, Lucrécio
e Virgilio, os Medicis e Miguelangelo, Luiz XIV e Racine, Goete e Beethoven,
existe a mesma comunhão de luminosidade divina, onde Jesus e São Francisco de Assis,
passam amenamente, para fazer reinar no coração dos homens uma esperança sem
fim e um encantamento sem verdade. Cantar a bondade ou a beleza humana, é reconciliar
a humanidade com a sua impudicícia e o seu egoísmo. — Impudicícia e egoísmo, perduráveis
razões de todo o ser humano! É por essa orquestração sublime que o tédio cede à
vida uma morada dileção, uma resignação conciliante a salutar. É assim pois,
colhendo de um clamor pavoroso, uma sinfonia uníssona, vestindo com uma
preciosa ironia os penosos fatalismos das realidades, e excelando na difícil
maneira de ser simples, que_ Antônio Botto entoa
primorosamente, entre sedas e vinhos, a negra história dos mortais: — O AMOR E A
DOR.
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