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O nascimento do autor
A encenação de algumas comédias de Qorpo-Santo,
primeiramente em Porto Alegre, em 1966, e, dois anos mais tarde, no Rio de
Janeiro, fez com que o autor passasse a ser reconhecido como um precursor das
vanguardas do teatro do século XX, como o surrealismo e o teatro do absurdo.
Porém, até a sua descoberta pelo público brasileiro, na década de 1960,
Qorpo-Santo já possuía, no Rio Grande do Sul, uma fama peculiar, sendo
freqüentemente lembrado pelas perturbações mentais de que fora acusado. Além
disso, seus escritos, entre fins do século XIX e início do século XX, já haviam
se tornado objeto de comparação ao que de pior se produzia na literatura
brasileira, conforme o gosto da época.
Devido à ausência de outras fontes sobre a
biografia do autor, os dados que se podem obter estão presentes na obra Ensiqlopèdia
ou seis mezes de huma enfermidade, compilação dos escritos realizada pelo
autor, em 1877, e que são reproduzidos por pesquisadores como Guilhermino Cesar
e Flávio Aguiar. Entretanto, a inclusão que o autor faz de si mesmo, como
personagem, em suas peças, e os elogios que nelas tece ao próprio gênio, como
em “Hoje sou um; e amanhã outro”, leva a desconfiar da veracidade das
informações. Em Os homens precários, Aguiar afirma que, “graças à escassez de
outras fontes, a vida de Qorpo-Santo mesclou-se de modo inextricável com sua obra
literária. Portanto, é possível que as informações biográficas obtidas da
Ensiqlopèdia sejam, em parte, fictícias, criadas pelo autor em favor de uma
biografia que julgou ideal. Mesmo assim, deve-se atentar para esses dados, que
revelam aspectos interessantes da personalidade de Qorpo-Santo.
Os principais fatos da vida do escritor são
enumerados por Guilhermino Cesar, em seu livro intitulado Qorpo-Santo. Segundo
ele, José Joaquim de Campos Leão nasceu no dia 19 de abril de 1829, na Vila do
Triunfo, Rio Grande do Sul. Um ano depois da morte do pai, ocorrida em 1839,
passa a morar em Porto Alegre, onde trabalha no comércio. Em 1851, habilita-se
a exercer o magistério público, e efetivamente o exerce até 1855, mesmo ano em
que se casa com Inácia Maria de Campos Leão, com quem viria a ter quatro filhos.
No ano de 1857, muda-se para a cidade de Alegrete, onde se elege vereador em
1860. Entre 1867 e 1868, passa por vários exames de sanidade mental devido à
suspeita de monomania, transtorno que se manifestaria como uma compulsão por escrever.
Em 1877, edita suas obras em uma tipografia fundada por ele mesmo (com exceção do
primeiro volume da Ensiqlopèdia, publicado na Imprensa Literária de Porto
Alegre, no mesmo ano), porém sem obter grande repercussão. Em 1º de maio de
1883, morre de complicações pulmonares.
Como se vê, Qorpo-Santo antes de tornar-se
escritor, foi uma figura reconhecida em sua época, exercendo importantes funções
públicas, como professor de primeiras letras, vereador e comerciante. Além
disso, Leda Maria Martins menciona que foi também jornalista e delegado de
polícia e Flávio Aguiar lembra que, na Vila de Santo Antônio da Patrulha,
“possivelmente fundou, com personalidades de prestígio, uma Loja Maçônica e um
‘Grupo Dramático’” e que, em Porto Alegre e em Alegrete, “adquiriu certo
destaque como professor, chegando a dirigir estabelecimentos de ensino”.
Contudo, esse respeito público era condicionado pela
sua sanidade mental. A monomania, perturbação mental de que Qorpo-Santo foi
acusado, e de que era sintoma a compulsão por escrever, trouxe-lhe o desdém e o
escárnio da sociedade sul-riograndense. É possível que ela tenha ocorrido
devido a uma noite em que o então professor foi espancado na cabeça por dois
assaltantes. Começou a manifestar-se por volta de 1861 e, depois de vários
exames em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, a doença levou-o a uma interdição
judicial em 1868, o que lhe impediu o convívio com a família e a gerência dos
próprios bens. No entanto, o autor nunca admitiu que sofresse de tal transtorno
e lutou contra a interdição até o fim de seus dias, inclusive atribuindo ao
juiz Antônio Correia de Oliveira – que o acusava – o mesmo transtorno de que
era acusado. Flávio Aguiar assinala que, em alguns textos, Qorpo-Santo sugere
que sua mulher houvesse planejado sua interdição, junto com o referido juiz,
devido a existir entre os dois um caso de adultério, embora alguns dos artigos
do autor sugiram que ele realmente sofria de uma cisão de personalidade
característica da esquizofrenia.
A doença e o processo por que passou parecem ter
contribuído para a produção de sua literatura. Embora, antes de passar por tais
vicissitudes, Qorpo-Santo já exercesse alguma atividade literária, a partir
delas sua escrita se intensificou, de modo que escrevia em diversos gêneros e
sobre todos os assuntos. Basta verificar as datas das suas dezessete comédias,
escritas todas no mesmo ano de 1866, para se ter idéia do ritmo frenético em
que suas obras eram concebidas. Além disso, o mau tratamento que seus textos
vinham recebendo nos jornais em que eram publicados levou o escritor a fundar,
em 1868, em Porto Alegre, o periódico A justiça, no qual expunha suas idéias e
defendia-se das acusações sofridas. Já em 1871, embora impedido de gerir seus
bens, reeditava A justiça em Alegrete e, em 1877, de volta a Porto Alegre,
editava sua Ensiqlopèdia em nove volumes, o primeiro pela Imprensa Literária de
Porto Alegre, e os outros pela Tipografia Qorpo-Santo, por ele fundada.
Nessa obra, da qual a pesquisadora Denise
Espírito Santo afirma serem somente seis os volumes conhecidos8, são reunidos
os mais diversos gêneros textuais. Conforme assinala Aguiar, naturalmente com a
imprecisão devida ao desconhecimento da totalidade de seus nove volumes,
Qorpo-Santoprocurou reunir, como pôde e como lhe ajudou a mente perturbada, tudo
o que escrevera até então: comédias, poemas, artigos, reflexões políticas,
observações sobre economia, recados, bilhetes, anúncios pedindo empregadas
domésticas, páginas sobre suas dúvidas e hesitações sexuais, fantasias íntimas,
conselhos homeopáticos, receitas culinárias, pensamentos e interpretações religiosos,
observações incompreensíveis, uma autobiografia rápida escrita em 1876, pelo menos
um romance, talvez dramas e/ou tragédias (diz a lenda que Qorpo-Santo escreveu
uma tragédia em 74 atos...)
Não há uma ordem na apresentação dos assuntos: a
Ensiqlopèdia é caótica na sua composição. Isso revela uma idéia de
dessacralização da literatura, a partir da qual são postos, lado a lado,
gêneros prestigiados, como a poesia e a dramaturgia, e simples anúncios pedindo
empregadas. Para Martins, “já na montagem de seus textos Qorpo-Santo revela uma
visão renovadora e moderna do que seja o objeto de arte. Sua Ensiqlopèdia
compõe-se de um aglomerado dos mais diferentes assuntos e gêneros, dispostos no
mesmo nível literário, numa bricolage fantástica.”10 Além disso, não há uma
unidade narrativa no decorrer da obra: ela não possui uma sucessão organizada
na forma de princípio, meio e fim. Segundo Aguiar, “a realidade que Qorpo-Santo
retratou se apresenta ao leitor filtrada através de uma infinidade de
instantâneos autônomos que, superpondo-se mais do que se encadeando, formam uma
imagem ampla do mundo e da época do escritor”, o que quer dizer que Qorpo-Santo
inaugura uma forma de ver a sociedade sob uma perspectiva, ao mesmo tempo,
ampla e fragmentada, de maneira que, sobre seu texto, pode-se pesquisar um
grande leque de assuntos acerca do grupo social ali representado: desde a
linguagem e a literatura de fins do século XIX, até a ordem social
estabelecida, a política, a religião, ou mesmo a gastronomia.
No quarto volume da obra, estão presentes as
dezessete comédias escritas pelo autor, sendo dezesseis completas e uma
incompleta (“Uma pitada de rapé”, da qual só se conhece a primeira página).
Nelas, observam-se temas como sexo, prostituição, concubinato, relações
familiares e sociais, guerras, burocracia, reformas sociais, homossexualismo e
reencarnação de almas. Além disso, as peças são escritas em linguagem despojada
de lirismos, afrontando o bom gosto romântico, e não foram revisadas pelo
autor, que, por sua vez, autorizou em nota às comédias que qualquer pessoa que
quisesse levá-las à cena poderia fazer as alterações que julgasse necessárias.
Porém, a dramaturgia de Qorpo-Santo só conheceria o palco cem anos depois de
sua escritura. Até então, o escritor permaneceria sem o reconhecimento público
e seria lembrado mais por seus desvios de personalidade, que pelo valor de sua
obra literária.
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Fonte:
Fonte:
Douglas Ceccagno: “Ovelhas
merinas: malditas feras: O imaginário social no teatro de Qorpo-Santo”. ( “Dissertação
apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Letras e Cultura
Regional, com concentração na área de Literatura e Cultura Regional, pela Universidade de Caxias do Sul. Orientador: Prof. Dr. João
Claudio Arendt). Caxias do Sul – RS, 2006.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade. Disponível em: www.laab.com.br
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