12/06/2014

O Parto (Teatro), de Qorpo Santo

 O Parto (Teatro), de Qorpo Santo
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Sua Obra e Seus Mitos

Em relação à sua dramaturgia, descoberta quase cem anos após sua morte, tempo necessário para que seus textos tivessem condições de serem lidos como mereciam e entendidos em sua plenitude (mesmo que isso demore mais uns cinqüenta anos). Fischer (2001, p. 294) nos informa que um dos primeiros se não o primeiro fascinado pela dramaturgia qorposantense foi Aníbal Damasceno Ferreira, jornalista e cineasta, que a caracteriza, logo que dela toma conhecimento, como “uma escrita singular”. Por isso, copia alguns desses textos e distribui pela inteligência da época, inclusive ao professor mineiro Guilhermino César, que apesar de relutar quanto à aceitação e genialidade dos textos, acaba por adotar o repertório do autor, chegando, depois, a considerá-lo um grande achado, mas nada brilhante. Por esse motivo Fischer apresenta uma dura crítica a César por hesitar em aceitar a genialidade de Qorpo-Santo. Ele só se rende quando as evidências tornam-se incontestáveis. Quando César se convence da qualidade dos textos de “Ensiqlopédia” resolve produzir um estudo crítico e o incorpora à primeira publicação, em 1969, pela Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tornando-se assim o principal divulgador de Qorpo-Santo.

Esta edição continha apenas nove das dezessete peças de seu teatro. Tal edição falha por não reconhecer os méritos de quem primeiro havia detectado a qualidade daquelas peças. Referimo-nos a Aníbal Damasceno Ferreira.

Sete anos após essa primeira publicação, em 1976, temos o lançamento da segunda edição, com um acréscimo relativo a estudos de diversos autores, motivados pela revelação da obra em 1969. No entanto, só teríamos sua obra completa publicada em 1980, quando se lançou o Teatro Completo de Qorpo-Santo, da qual consta um estudo de Guilhermino César, editada pela FUNARTE (Fundação Nacional de Arte) e o Serviço Nacional de Teatro.

Finalmente, em 2001, sai uma edição comercial titulada “Teatro Completo”, pela editora Iluminuras, com uma estudo crítico de Eudinyr Fraga, que confirma o achado de mais um volume de “Ensiqlopédia”, pela pesquisadora Denise Espírito Santo. Ela, em seu livro sobre a poesia de Campos Leão, declara ter encontrado um volume contendo, quase exclusivamente, poesias, que parece ser o livro Nº. 3.

A cronologia de sua obra retrata a existência de nove livros, porém, já se tem conhecimento de sete, fazendo com que os pesquisadores tenham cada vez mais esperança de encontrar os dois outros volumes.

Esses livros foram dispostos da seguinte forma: N.º 1, sem informação; N.º 2, livro de pensamentos em 100 páginas; N.º 3, Poesias e Prosa, o mais recente achado da obra desse autor; N.º 4, onde se encontra toda a dramaturgia qorposantense; N.º 5, sem informação; n.º 6, sem informação; N.º 7, “A Saúde e A Justiça”, neste material se encontram os documentos a respeito da interdição judicial; N.º 8, Miscelânea Curiosa; N.º 9, que não tem folha de rosto, por isso não e sabe o título. Guilhermino César descobriu um outro livro, que também não tem título, e que não sabe se seria o 1º, 5º, ou 6º volume.

A produção teatral está reunida em um só volume e foi escrita no ano de 1866 com a seguinte cronologia: 31 de Janeiro, “O Hóspede Atrevido: ou o brilhante escondido” (obra incompleta, terminando na 3ª cena do Ato I); 12 de Fevereiro, “A Impossibilidade da Santificação ou a Santificação Transformada”; 16 de Fevereiro, “O Marinheiro Escritor”; 24 de Fevereiro, “Dous Irmãos”; 05 de Maio, “Duas Páginas em Branco”; 12 de Maio, “Mateus e Mateusa” (O primeiro texto a ser encenado); 14 de Maio, “As Relações Naturais” (texto que mostra várias facetas da sexualidade familiar); 15 de Maio, “Hoje Sou Um; e Amanhã Outro”; 16 de Maio, “Eu Sou Vida; Eu Não Sou Morte”; 18 de Maio, “A Separação de Dois Esposos”; 24 de Maio, “O Marido Extremoso ou o Pai Cuidadoso”; 26 e 27 de Maio, “Um Credor na Fazenda Nacional” (texto que foi encenado recentemente pela Cia. São João de Teatro); 6 de Junho, “Um Assovio” (este texto já compôs o quadro de leituras obrigatórias do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEN); 10 de Junho, “Certa Entidade em Busca de Outra” e “Lanterna de Fogo”; 16 de Junho, “Um Parto”; por último e sem data, “Uma Pitada de Rapé” (obra incompleta).

As linhas analíticas de sua dramaturgia singraram durante muito tempo por dois eixos: os que consideravam o precursor do chamado teatro do absurdo, entre estes temos César (1980) e Aguiar (1975); e aqueles que contestavam tal filiação artística, caso de Fraga (1988). A concepção dicotômica apresentada considera aquela dramaturgia repleta de situações desconexas, que a distancia da criação racional, numa abordagem facilmente encontrada em Ionesco, um dos principais autores do Teatro do Absurdo. Entretanto Fraga entende que apesar dessa similitude com o chamado Teatro do Absurdo, Qorpo-Santo se encontra, segundo esse crítico, mais próximo do Surrealismo, já que mergulha no inconsciente para criar suas obras oníricas, tendência comum ao universo dos surrealistas. Por isso, ele classifica a obra qorposantense bem mais aos moldes sonhadores desta estética, do que dos esfacelamentos e a ausência de enredo dos representantes do teatro do absurdo. Outro crítico que aponta para a condição de precursor de Qorpo-Santo foi Prado (1988, p. 108). Ele promove a aproximação do teatro qorposantense aos precursores do Teatro Absurdo no século XX, considerando-o “um acidente mental”, nesse sentido ele argumenta que:

Aproximá-los, devido a encontros ocasionais, não será repetir, em sentido inverso, o equívoco da opinião pública brasileira em relação aos nossos primeiros modernistas, quando se confundiu repúdio ao realismo literário com loucura?

Apesar das fortes críticas, Prado acaba contemporizando e aceitando, mesmo que em termos, a caracterização de Qorpo-Santo no quadro que compõe os precursores de estéticas que se firmariam a posteriori.

Quando direcionamos nosso pensamento para a dramaturgia de Qorpo-Santo, não há como pensar que nela nosso autor desenvolveu as bases essenciais das tipologias do mito defendidas por Heloisa Cardoso, mesmo sem intenção de fazê-la. Assim, em sua classificação encontramos:

O mito do paraíso perdido, da queda, do exílio, do eterno retorno e da busca – todos numa linha de iniciação gnóstica; mito do herói, da realeza e da fertilidade, mito de criação, da linha sagrada e do povo eleito, da grande-mãe, do pai; mito de descida do mundo inferior, ao fundo do mar, do dragão baleia; mito de cataclismos e dilúvios, do bode expiatório; mito do deus morrente/ressurgente; mito da errância etc. (BOECHAT, 1995, p. 75-76).

Pouco a pouco os mitos que comporiam o seu perfil foram por ele criados, sejam eles relacionados à sua vida pessoal ou à sua obra. Criaram-se, então, vários mitos, entre eles poderíamos considerar: o mito do exílio, na qual sua obra fora escrita e idealizada somente no período de afastamento do mundo, ou seja, durante suas várias internações; o mito da linhagem sagrada, desenvolvida para justificar sua alcunha de Qorpo-Santo, não que o próprio tenha vindo de uma genealogia privilegiada, mas a experiência mística por ele vivida, o aproximaria ao Jesus Cristo; o mito de descida ao mundo inferior, aqui, destaca-se seu encontro com Napoleão Bonaparte; o mito do bode expiatório, mito que se realizaria no momento em que há uma manobra para roubar-lhe os suprimentos e deixá-lo dependente da família; por último e não menos importante, o mito do deus morrente/ressurgente, capítulo este, que vem com sua morte e o seu renascimento através de sua obra, não mais como um louco, mas, também, como um gênio, que poderia vestir a armadura de um deus cheio de determinações para a contemporaneidade, a principal responsável pela (re)criação de seu nome e sua personalidade artística.

Na sua obra observamos outro grupo de referências míticas sendo criadas pelo Duque do Triunfo. Dentre elas destacamos algumas referentes ao seu teatro: o mito da queda, quando Alberto, Paulo e Leon, principalmente o primeiro, caem de sua pseudo-posição social de senhor e são levados pelos soldados à prisão; o mito da fertilidade, nas diversas cenas em que descreve homens relatando suas gravidezes, como é o caso de Gabriel Galdino, em conversa com o seu amo Fernando e diz-lhe: “Ai, não me fures, que eu tenho um filho de seis messes (...) Ai! Ai! Seu diabo! Não sabes que ainda não botei às páreas, do que pari por aqui!” (Qorpo-Santo, 2001, p. 256); o mito do herói, quando Espertalíno apresenta-se com as atribuições de um herói, ao ouvirem gritar “Às armas! Às armas!”, ele diz a sua esposa: “Vou (...) Mancília, vou! Não posso, não posso ouvir gemer, gritar, podendo falar, correr, sem acudir.”

Essas são apenas algumas referências de sua profundidade poético-dramática na (re)criação desses mitos. O estudo desses mitos presentes na vida e obra do autor deveria ser um capítulo à parte muito mais aprofundado. Abrimos, aqui, somente um parêntese, a título de sugestão, para mostrarmos a existência de uma essência mítica presente tanto em sua vida conturbada quanto em sua obra eclética. Apontamos apenas alguns subsídios que o confirmam como homem que se transformou em um mito, já que ele é criador de arquétipos, muitas vezes, nada ortodoxos.

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Fonte:
Carlos Augusto Nascimento Sarmento-Pantoja
: “Olhares caleidoscópicos do teatro de Qorpo-Santo”. (Dissertação entregue ao Curso de Mestrado em Letras - Estudos Literários, da Universidade Federal do Pará – UFPA, como pré-requisito parcial, para a obtenção do Título de Mestre. Trabalho orientado pelo Professor Doutor Joel Cardoso). Belém – Pará, 2006.

Notas:

A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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