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A presença de Florbela Espanca no Modernismo Português
Se o Modernismo representa um momento de ruptura, talvez tenha
sido Florbela Espanca a escolhida para ter essa “alma nova” que as mulheres
começavam a reivindicar. Florbela D’Alma da Conceição Espanca nasceu a 8 de
dezembro de 1894, em Vila Viçosa (Alentejo). Foi, portanto, contemporânea de
Fernando Pessoa cujo centenário ocorreu em 1988. Seus primeiros versos datam
dos anos em que fez o curso sencundário em Évora, e que somente viriam a ser reunidos
em volume depois de sua morte, com o titulo de Juvenilia
(!931). Malogrado seu casamento, vai para Lisboa, a fim de estudar Direito
e nesse mesmo ano (1919) publica Livro de Mágoas, que passa
despercebido. Igual destino teve a obra seguinte Livro de Sóror Saudade,
publicado em 1923. Novamente infeliz no casamento, retira-se do convívio
social, embora continue a escrever poesia e a publicá-la ao acaso. Recolhe-se a
Matosinhos, já agora estimulada pelas renovadas esperanças de felicidade
conjugal, mas seus nervos entram a dar sinal de exaustão. Morre, talvez de
suicídio, em 1930.
A
poetisa viveu em um tempo muito conturbado em que ocorre a Primeira Guerra Mundial
(1914). Antes disso, em seu país, Florbela presenciou a Monarquia dar lugar à República
(1910). Ademais, ela assistiu à implantação de uma ditadura fascista em
Portugal, com o golpe militar de 28 de maio de 1926.
Politicamente, Florbela se mantinha conservadora. E não foi apenas
em política. No momento em que surgia o Modernismo à procura de novos meios de
expressão, novas perspectivas e diretrizes para a arte e a literatura, Florbela
Espanca passava à margem de vanguardismos.
Para uma leitura em profundidade da obra de Florbela Espanca,
devemos considerar que ela está em sintonia com o Romantismo e suas
manifestações correlatas com as da dor, do amor, da morte, da melancolia, do gosto por cenários noturnos, do sonho, do
pessimismo, da solidão, do saudosismo, do apego à natureza, de Deus.
É no lirismo finissecular que recaem as opções estéticas de
Florbela. Há no percurso de sua evolução
poética afinidades eletivas provindas dessa fonte.
Desse modo, Florbela faz, em seus poemas, referências expressas a
Antônio Nobre, sintonizando-se com ele ao tratar da temática da mágoa, do
neogarretismo que era típico dele, de um certo saudosismo que vigorava na época
em Portugal, da coloquialidade freqüente nos sonetos,
da solidariedade na dor.
Outra afinidade eletiva ocorre com Antero de Quental. Ela se
identifica com o poeta na forma de vivenciar a dor existencial, no gosto pelas
alegorias e, sobretudo, na escolha formal do soneto.
Esta forma clássica provém também do lirismo camoniano. Um verso de Camões, “É
um não querer mais que bem querer”, consta como tema de um ciclo de dez sonetos
de Florbela.
Ademais,
a poetisa desenvolve os temas presentes no Simbolismo Português, como a busca
amorosa, o sentimento de mágoa, o “carpe diem”, a fugacidade do tempo,
revelando a influência de Camilo Pessanha.
Florbela
usou em seus livros epígrafes de Eugênio de Castro, Paul Verlaine, Maeterlink, Rubén
Dario, estabelecendo relações intertextuais com estes poetas.
Embora
contemporânea do Modernismo Português, Florbela não se identificou com as suas
ousadas experimentações. Há que se considerar, no entanto, a aproximação de
Florbela com Mário de Sá-Carneiro na forma e no estilo: ambos constroem uma
poética de excessos, conjugam o jogo heteronímico da ocultação e mantêm as afinidades
das pretensões de fundir realidade e sonho: “optam pela ênfase nos mesmos
núcleos temáticos: amor e morte, loucura e lucidez, luxo e sombras, plenitude e
incompletude”, conforme nos diz José Rodrigues de Paiva em “O tecer da
poesia em Florbela Espanca”.
Nos
traços alegóricos, a presença do ouro, tantas vezes indicada de modo disperso
em Florbela, também corresponde às imagens do universo semântico de
Sá-Carneiro. E é nas alegorias que o recurso sinestésico, tão recorrente em
ambos, ocorre em exuberâncias: “profusão de roxos, rosas, lilases, brancos,
azuis, amarelo e ouro, é comum à imagética dos dois poetas”.
No
plano existencial, representado poeticamente, instalam-se rompantes de um temperamento
extremado que oscilam da euforia à mais profunda prostração:
(...) encontra-se nos dois
o que pode ser lido como crise do sujeito, questionamento da identidade,
dicotomia sinceridade/fingimento (à Pessoa) e que se representa pelo recorrente
jogo entre “eu/não-eu, eu/outro, eu/outros”.
A
presença de um outro, como duplo da personalidade enunciadora, constitui um
traço fundamental que identifica o poema florbeliano e o poema de Sá-Carneiro.
Nos versos do soneto “Eu não sou de ninguém”, do livro Reliquae, temos:
Há
de ser Outro e Outro num momento!
Força viva, brutal, em
movimento
Astro arrastando catadupas
de astros!
E nos versos de “Eu”,
soneto de Mário de Sá-Carneiro, temos:
Eu
não sou eu nem sou o outro
Sou qualquer coisa de
intermédio
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro
Como
Mário de Sá-Carneiro, Florbela buscou a fusão entre a vida e a arte, o que,
segundo José Rodrigues de
Paiva, foi desastroso para ambos. Há neles a mesma ânsia de tocar as regiões limítrofes
de suas identidades, um dos fatores que, segundo o mesmo teórico, podem
conduzir à prática heteronímica, a mesma abordagem do tema da morte, o mesmo
gosto pelos símbolos e cenários decadentistas.
Rodrigues
Paiva conclui seu estudo acerca de Florbela, afirmando que a poetisa pertence a
uma linhagem de poetas para os quais não se tem esteticamente uma classificação
única e definitiva: “Aparentada a clássicos e românticos, saudosistas,
simbolistas e modernistas, Florbela Espanca marca o seu lugar, naturalmente
integrada à família do melhor lirismo português. Desse modo, Florbela, no livro Charneca em
Flor, retoma o verso camoniano “É um não querer mais que bem querer” como
tema para um ciclo de dez sonteos de amor, aparentando-se aos clássicos.
Já
no soneto “Sem remédio”, existe uma influência românctica, um estado de
espírito baudelaireano que nos remete à dor:
Aqueles
que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o
que sou...
Não sabem que passou, um
dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia,
entrou.
No poema “Languidez”, do Livro
de Mágoas, temos a existência de um lusitanismo que aproxima a poetisa do
saudosismo, assim:
Tardes da minha terra, doce
encanto,
Tardes duma pureza de
açucenas,
Tardes de sonho, as tardes
de novenas,
Tardes de Portugal, as
tardes de Anto.
No
que diz respeito à proximidade de Florbela à poetica decadentista, temos o
poema “Outonal” (Charneca em flor,
p133):?
Caem
as folhas mortas sobre o lago!
Na penumbra outonal, não
sei quem tece.
As rendas do silêncio...
Olha, anoitece!
Brumas longinquas do País
Vago...
Finalmente,
existe em Florbela Espanca a influência de Sá-Carneiro e de Fernando Pessoa.
Desse
modo, no poema florbeliano “Eu” (Charneca em flor, p120), temos o jogo de
alteridade Eu/ Outro (s), o que aproxima
Florbela de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), sobretudo no poema “Eu”, já
citado:
Até agora eu não me
conhecia.
Julgava que era Eu e eu não
era
Aquela que me meus versos
descrevera
Tão clara como a fonte e
como o dia.
Ocorre
tanto em Florbela Espanca quanto em Mário de Sá-Carneiro um sinal de transbordamento
dos limites da identidade, que me Fernando Pessoa é uma das vias de interpretação
da prática heteronímica.
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Fonte:
Fonte:
Silvia Helena Miguel Trevisan: “A metapoesia na obra de Florbela Espanca e Cecília
Meireles”. (Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da área de Estudos
Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa do curso de Letras – FFLCH –
Universidade de São Paulo – USP, como exigência parcial para obtenção do título
de Doutora, sob a orientação da Prof. Dra. Maria Aparecida de Campos Brando
Santilli). São Paulo, 2007.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade. Disponível em: www.teses.usp.br
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese. As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra. O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho. Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade. Disponível em:
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