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A retomada da comédia As Relações Naturais
O século XIX, na consolidação do
Estado Imperial brasileiro, tinha o liberalismo europeu como referência para a
“criação” e funcionamento das instituições que o constituíam. O liberalismo no
Brasil buscou inspiração na Europa, servindo aqui para legitimar o
funcionamento de instituições fundadas todas em relações sociais escravistas. Um
dos esteios da sociedade escravista moderna foi a família, nos moldes
patriarcais, caracterizada pela concentração da autoridade na figura masculina
do casal – o pater familias – herança romana na vida política do Império.
Na comédia As Relações Naturais,
a moral patriarcal é um tema constantemente retomado e ponto de tensão:
quanto ao tema, a moral é enfatizada pela fidelidade ao casamento; enquanto que
a tensão surge da necessidade impulsiva de ter relações fora do casamento.
Dessa tensão, surgem, nesta comédia, críticas satirizando instituições como a família
e o próprio Estado Imperial, personalizado na figura dos governantes. O pesquisador
Flávio Aguiar (1975) considerou que Qorpo-Santo foi um crítico ferrenho da sociedade
da época, portanto, processá-lo como louco fora uma maneira de silenciar suas revolucionárias
idéias frente à pequena Porto Alegre de então. Diante da originalidade biográfica
e dramatúrgica de Qorpo-Santo, interessa-nos destacar o significado e a atualidade
de suas críticas.
A instituição do casamento no
período colonial se realizava por interesses familiares, sob o domínio
patriarcal, considerando particularmente os benefícios econômicos e sociais; dentro dos
novos padrões de comportamento, o contrato conjugal se tornou uma opção feita
unicamente entre o casal, enquanto a prole passou a ser o centro da atenção
familiar. As relações típicas da sociedade colonial foram encaradas como desobediência
civil, políticos e médicos se encarregaram de atacar tais comportamentos. O lema
era o amor à família, o amor ao Estado. Vários setores da sociedade passaram a combater
os comportamentos inadequados, no sentido de uma nova moral da vida e do corpo,
a mesma defendida pelos médicos.
Vale lembrar que a partir da
consolidação do Estado Nacional brasileiro, houve um crescente interesse do
governo pela normatização dos comportamentos sociais. Isso aconteceu com o
advento da independência política do país, quando as políticas públicas de
saúde passaram a interferir no cerne das famílias, com intuito de preservar o
recente contrato social “democrático” e burguês. O destino das pessoas passou a
subordinar-se ao destino político da burguesia, segundo seus padrões de corpo,
sexo, sentimentos conjugais, parentais e filiais. O Estado queria a
modernização das mentalidades e costumes. Assim, em 1851, foi criada pelo
governo imperial a “Junta Central de Higiene Pública”, instrumentada de poderes
justificados na ciência médica, com objetivos claros de determinar os novos
padrões de comportamento, considerados corretos para as relações familiares.
Os políticos visavam,
supostamente, resolver um problema social, o das moradias dos pobres; no
entanto, o real motivo aos poucos apareceu: o de fixar o ideal burguês como
sinônimo de civilização. Baseada em uma ciência médica, foi iniciada uma campanha
normativa, alinhando a desobediência civil ao comportamento colonial atrasado.
Foi estabelecida a conexão entre a ideologia higienista e o imaginário engendrado
entre os políticos e os governantes. Iria prevalecer, desde então, a idéia de
que a civilização tem um caminho a seguir, o do “aperfeiçoamento moral e
material”; e de que os governantes devem “zelar” para que seu povo siga-o; e
solucionar os problemas de higiene pública, pois só assim a nação conseguiria
alcançar a prosperidade dos “países mais cultos”. Segundo o historiador Sidney
Chalhoub, a partir dessas duas operações mentais configuraram-se os
pressupostos da higiene como ideologia: várias medidas técnicas, que
conduziriam o país à civilização, as quais ficaria submetida todo o jogo político.
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Fonte:
Fonte:
Giuliano Maranho (Mestrado em
História (PPH) – Universidade Estadual de Maringá - UEM): “Textos e contextos
da criação teatral: a retomada da comédia As Relações Naturais, de Qorpo-Santo por
Luiz Carlos Maciel”. Disponível em: http://www.fag.edu.br/
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