04/05/2014

Relíquias de Casa Velha (Contos), de Machado de Assis

 Pai contra mãe, um reflexo das condições de produção?    Pai contra mãe é assim, um conto ambientado no período da escravidão no Brasil, esta, todavia, não se constitui como foco do narrador. Apesar de não ser o foco do conto, a escravidão é retratada com todo a sua crueldade, fruto das condições de produção do conto: os aparelhos de castigo, as formas de tortura ―pedagogicamente‖ utilizadas pelos donos de escravos, como a máscara de flandres, a profissão do capitão do mato, a destreza que este tinha de possuir para capturar escravos fugidos, a indiferença das pessoas em relação às condições de extrema pobreza dessa população, que sequer era considerada gente, simplesmente uma ―coisa‖ de que seus senhores dispunham da forma que bem entendessem.   Em resumo, o conto apresenta Cândido Neves, um caçador de escravos fugitivos  (capitão-do-mato, especificamente), profissão que lhe rende o sustento e lhe garante a sobrevivência. Cândido (Candinho) casa-se com Clara, costureira, e ambos sonham em  ter um filho, um filho homem. Apesar da pouca fartura que tinha, o sonho era esperado por ambos, mas admoestado pela Tia Mônica, a qual sempre alertava para as dificuldades que uma criança traria a vida dos três. Apesar dos alertas da Tia Mônica, Clara engravida, para a felicidade do casal e preocupação da tia. Todavia, os escravos fugidos começam a escassear e Cândido fica em séria dificuldade financeira; desesperado e sem saber o que fazer para sustentar o filho, o pai chega ao extremo de ter que optar por colocar o bebê na Roda dos Enjeitados, (as rodas eram cilindros giratórios com uma grande cavidade lateral que se colocavam junto às portarias dos conventos), para a criança não morrer de fome. Cândido cogita mil saídas para ficar com o filho, não encontrando nenhuma, sai de casa com o filho nos braços para depositá-lo na Roda.   No caminho vê uma escrava fugitiva, e entregando o menino para o senhor da farmácia, sai em perseguição da negra Arminda, negra que valia cem mil réis, dinheiro suficiente para que Cândido continuasse com seu filho. Pegando-a, depois de alguma resistência da escrava, ela lhe suplica liberdade e diz que está grávida e não quer ter um filho escravo, alega os maus tratos de seu senhor, ao passo que Cândido continua impassível, não demonstra a menor misericórdia. Cândido a entrega ao seu dono, sendo que ela ao ver-se sem saída, em frente a Cândido e seu dono, aborta o filho que esperava. Cândido recebe pela caça o dinheiro de que precisa para poder ficar com o filho e sustentá-lo. O conto termina com a frase de Cândido que tenta justificar sua tirania: ―Nem todas as crianças vingam.   O foco do conto, nesse sentido, está na condição de extrema pobreza, que obriga um pai (Candinho) a lutar com uma mãe (Arminda), ambos lutando pela sobrevivência de seus filhos, o que leva Candinho a abrir mão de sua humanidade e entregar Arminda às mãos de seu senhor, sendo co-responsável pela morte do filho desta, contribuindo para que as formações ideológicas de que escravo não é ser humano se consumam, ao afirmar que nem todas as crianças vingam. Somente algumas crianças daquela época tinham o direito de vingar, e quando escravas deveriam vingar para dar lucros aos seus senhores, é uma troca de vidas: uma criança livre por uma escrava. As formações ideológicas perpassam o discurso de Candinho à medida que apresentam à ideologia ―branca‖ dos senhores de escravo, que tratavam os negros como coisas, simplesmente inferiores, e que se ―vingasse‖ deveria ser para o lucro de seu patrão.   Candinho, em Análise do Discurso, não é o sujeito empírico, mas a posição sujeito de um capitão-do-mato urbano, pobre, que necessita entregar aqueles mais pobres que ele ainda, para que seu filho recém nascido possa continuar vivendo junto com ele e com Clara, sua esposa e não fosse entregue à Roda dos Enjeitados. Assim, ele como muitos ―cedeu à pobreza, quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos‖do mato, homem que não tendo outra forma de sobreviver se entrega à procura de escravos fugidos.   (ASSIS, 2009, p. 1), ele representa ideologicamente a idéia de que temos do capitão-do-mato homem que não tendo outra forma de sobreviver se entrega à procura de escravos fugidos.   Como não tivessem condições, nem um ofício, muitos citadinos, como Candinho, entregavam-se a esta profissão, não era uma questão de escolha e sim da necessidade que fazia com que estas pessoas se entregassem a este ofício. Machado apresenta como as condições de vida delas fazia com que se entregassem a este trabalho pouco nobre, é claro, mas que representava o sustento da família: ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem [...]. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada (ASSIS, 2009, p. 2).    Os escravos, por sua vez, tentavam de todas as formas se manterem livres de sua condição, visto o imenso número de tentativas de fugas, pois que ―eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada‖ (ASSIS, 2009, p. 1) . Como o conto é ambientado no meio urbano, os escravos se utilizavam de todos os artifícios para não serem apanhados, e seus donos de número maior de empreendimentos para apanhá-los, como os anúncios de jornais, o que Machado perpassa para seu conto: quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: "gratificar-se-á generosamente", — ou "receberá uma boa gratificação (ASSIS, 2009, p. 1).    Outro fator interessante é a indiferença das pessoas em relação à condição do escravo como mercadoria, eles não podiam jamais ―acoutar‖ escravos fugidos, caso contrário seriam punidos severamente, ―protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse‖ (ASSIS, 2009, p. 1), e quem os entregasse com toda a benevolência daquele que conseguiu recuperar o prejuízo. A indiferença, fruto do século XIX, é retratada principalmente quando Candinho arrasta a escrava Arminda pelas ruas do Rio de Janeiro e as pessoas se mostram impassíveis diante disso, como se isso fosse normal, algo presente no cotidiano delas, até mesmo Arminda estava ciente disso, ―a escrava quis gritar, parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume, mas entendeu logo que ninguém viria libertá-la, ao contrário [...].Quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia‖ (2009, p. 7) além da recriminação de Tia Mônica, ao final do conto, sob a escrava que teve a ousadia de fugir. As formações ideológicas incidem sobre Tia Mônica, quando ela recrimina um ser humano (escravo), de que ele não tinha direito de fugir de sua condição de submissão.   São as condições de produção deste conto que condicionam o discurso das personagens: a ideologia da escravidão como algo natural; os negros como seres inferiores, logo podendo ser tratados como coisas, ou mercadorias; o dono como lesado pela fuga de um bem.   --- Fonte: Michele de Oliveira Jimenez (PG – UNIOESTE/CAPES): “literatura e análise do discurso: análise do conto Pai  contra mãe, de Machado de Assis”. II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010 - Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE.  Cascavel, 2010. Disponível em: cac-php.unioeste.br
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Pai contra mãe, um reflexo das condições de produção?  

Pai contra mãe é assim, um conto ambientado no período da escravidão no Brasil, esta, todavia, não se constitui como foco do narrador. Apesar de não ser o foco do conto, a escravidão é retratada com todo a sua crueldade, fruto das condições de produção do conto: os aparelhos de castigo, as formas de tortura "pedagogicamente" utilizadas pelos donos de escravos, como a máscara de flandres, a profissão do capitão do mato, a destreza que este tinha de possuir para capturar escravos fugidos, a indiferença das pessoas em relação às condições de extrema pobreza dessa população, que sequer era considerada gente, simplesmente uma "coisa" de que seus senhores dispunham da forma que bem entendessem.

Em resumo, o conto apresenta Cândido Neves, um caçador de escravos fugitivos (capitão-do-mato, especificamente), profissão que lhe rende o sustento e lhe garante a sobrevivência. Cândido (Candinho) casa-se com Clara, costureira, e ambos sonham em  ter um filho, um filho homem. Apesar da pouca fartura que tinha, o sonho era esperado por ambos, mas admoestado pela Tia Mônica, a qual sempre alertava para as dificuldades que uma criança traria a vida dos três. Apesar dos alertas da Tia Mônica, Clara engravida, para a felicidade do casal e preocupação da tia. Todavia, os escravos fugidos começam a escassear e Cândido fica em séria dificuldade financeira; desesperado e sem saber o que fazer para sustentar o filho, o pai chega ao extremo de ter que optar por colocar o bebê na Roda dos Enjeitados, (as rodas eram cilindros giratórios com uma grande cavidade lateral que se colocavam junto às portarias dos conventos), para a criança não morrer de fome. Cândido cogita mil saídas para ficar com o filho, não encontrando nenhuma, sai de casa com o filho nos braços para depositá-lo na Roda.

No caminho vê uma escrava fugitiva, e entregando o menino para o senhor da farmácia, sai em perseguição da negra Arminda, negra que valia cem mil réis, dinheiro suficiente para que Cândido continuasse com seu filho. Pegando-a, depois de alguma resistência da escrava, ela lhe suplica liberdade e diz que está grávida e não quer ter um filho escravo, alega os maus tratos de seu senhor, ao passo que Cândido continua impassível, não demonstra a menor misericórdia. Cândido a entrega ao seu dono, sendo que ela ao ver-se sem saída, em frente a Cândido e seu dono, aborta o filho que esperava. Cândido recebe pela caça o dinheiro de que precisa para poder ficar com o filho e sustentá-lo. O conto termina com a frase de Cândido que tenta justificar sua tirania: ―Nem todas as crianças vingam.

O foco do conto, nesse sentido, está na condição de extrema pobreza, que obriga um pai (Candinho) a lutar com uma mãe (Arminda), ambos lutando pela sobrevivência de seus filhos, o que leva Candinho a abrir mão de sua humanidade e entregar Arminda às mãos de seu senhor, sendo co-responsável pela morte do filho desta, contribuindo para que as formações ideológicas de que escravo não é ser humano se consumam, ao afirmar que nem todas as crianças vingam. Somente algumas crianças daquela época tinham o direito de vingar, e quando escravas deveriam vingar para dar lucros aos seus senhores, é uma troca de vidas: uma criança livre por uma escrava. As formações ideológicas perpassam o discurso de Candinho à medida que apresentam à ideologia "branca" dos senhores de escravo, que tratavam os negros como coisas, simplesmente inferiores, e que se "vingasse" deveria ser para o lucro de seu patrão.

Candinho, em Análise do Discurso, não é o sujeito empírico, mas a posição sujeito de um capitão-do-mato urbano, pobre, que necessita entregar aqueles mais pobres que ele ainda, para que seu filho recém nascido possa continuar vivendo junto com ele e com Clara, sua esposa e não fosse entregue à Roda dos Enjeitados. Assim, ele como muitos "cedeu à pobreza, quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos" do mato, homem que não tendo outra forma de sobreviver se entrega à procura de escravos fugidos.

(ASSIS, 2009, p. 1), ele representa ideologicamente a idéia de que temos do capitão-do-mato homem que não tendo outra forma de sobreviver se entrega à procura de escravos fugidos.

Como não tivessem condições, nem um ofício, muitos citadinos, como Candinho, entregavam-se a esta profissão, não era uma questão de escolha e sim da necessidade que fazia com que estas pessoas se entregassem a este ofício. Machado apresenta como as condições de vida delas fazia com que se entregassem a este trabalho pouco nobre, é claro, mas que representava o sustento da família: ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem [...]. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada (ASSIS, 2009, p. 2).

Os escravos, por sua vez, tentavam de todas as formas se manterem livres de sua condição, visto o imenso número de tentativas de fugas, pois que "eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada" (ASSIS, 2009, p. 1) . Como o conto é ambientado no meio urbano, os escravos se utilizavam de todos os artifícios para não serem apanhados, e seus donos de número maior de empreendimentos para apanhá-los, como os anúncios de jornais, o que Machado perpassa para seu conto: quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: "gratificar-se-á generosamente", — ou "receberá uma boa gratificação (ASSIS, 2009, p. 1).

Outro fator interessante é a indiferença das pessoas em relação à condição do escravo como mercadoria, eles não podiam jamais "acoutar" escravos fugidos, caso contrário seriam punidos severamente, "protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse" (ASSIS, 2009, p. 1), e quem os entregasse com toda a benevolência daquele que conseguiu recuperar o prejuízo. A indiferença, fruto do século XIX, é retratada principalmente quando Candinho arrasta a escrava Arminda pelas ruas do Rio de Janeiro e as pessoas se mostram impassíveis diante disso, como se isso fosse normal, algo presente no cotidiano delas, até mesmo Arminda estava ciente disso, "a escrava quis gritar, parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume, mas entendeu logo que ninguém viria libertá-la, ao contrário [...].Quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia" (2009, p. 7) além da recriminação de Tia Mônica, ao final do conto, sob a escrava que teve a ousadia de fugir. As formações ideológicas incidem sobre Tia Mônica, quando ela recrimina um ser humano (escravo), de que ele não tinha direito de fugir de sua condição de submissão.

São as condições de produção deste conto que condicionam o discurso das personagens: a ideologia da escravidão como algo natural; os negros como seres inferiores, logo podendo ser tratados como coisas, ou mercadorias; o dono como lesado pela fuga de um bem.


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Fonte:

Michele de Oliveira Jimenez (PG – UNIOESTE/CAPES): “literatura e análise do discurso: análise do conto Pai  contra mãe, de Machado de Assis”. II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010 - Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE.  Cascavel, 2010. Disponível em: cac-php.unioeste.br

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