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A Lua: astro dominante
na lírica de Cruz e Sousa
A partir de Broquéis, a lírica solar encontrada
em Missais dá lugar à poesia lunar,
com uma lua “cristalizada de dor,” que enche o eu-lírico de medos, envolvendo-o
no mistério, nas sendas do labirinto. Assim, ele vive seus anseios, suas
sombras, sem saber que caminhos tomará. O eu-poético sente-se fragilizado, diante
do poder que a lua evoca; ele segue seu caminho preso à vida e à morte, evocando
o arquétipo da lua, como notamos nos fragmentos do poema “Luar de Lágrimas”:
Nos estrelados, límpidos caminhos
Dos Céus, que um luar criva de prata e de ouro,
Abrem-se róseos e cheirosos ninhos,
E há muitas messes do bom trigo louro.
[...]Em vão andei mil noites por desertos,
Com passos espectrais, dúbios, incertos.
Em vão clamei pelo luar a fora,
Pelos ocasos, pelo albor da aurora.
Em vão corri nos areais terríveis
E por curvas de montes impassíveis.
Só um luar,só um luar de morte
Vagava igual a mim, com a mesma sorte.
Só um luar sempre calado e dúctil
Para minha aflição, acerbo e inútil.
Um luar de silêncio formidável
Sempre me acompanhando, impenetrável.
Só um luar de mortos e de mortas
Para sempre a fechar-me as vossas portas.
E eu, já purgado dos terrestres Crimes,
Sem achar nunca essas portas sublimes.
Sempre fechado à chave de mistério
O vosso exílio pelo Azul sidéreo
Só um luar de trêmulos martírios
A iluminar-me com clarões de círios.
Só um luar de desespero horrendo
Ah! Sempre me pungindo e me vencendo.
Só um luar de lágrimas sem termos
Sempre me perseguindo pelos ermos.
E eu caminhando cheio de abandono
Sem atingir o vosso claro trono.
[...]
Nesse
poema, evidenciamos o eu poético num momento desolado de sua jornada, buscando um espaço de luz, porém não há garantia
nenhuma de sua vitória. Já que ele se encontra no deserto, imerso na sombra,
sente-se abandonado, sem respostas, clama pelo ”albor da aurora”, mas sabe que
tem que enfrentar a “lua negra”, processo inevitável para o conhecimento de si e
do mundo. Segundo Chevalier
e Gheerbrant, a Lua Negra:
[...] simboliza então a energia a vencer,a obscuridade a dissipar
, o carma a purgar[...] o ser marcado pela Lua Negra prefere renunciar ao mundo,
mesmo que ao preço de sua própria destruição[...]Mas se ele sabe transmutar o veneno em remédio, a Lua Negra permite o acesso à porta
estreita
que abre para intensa libertação,intensa luz[...]
O eu-lírico almeja as alturas do céu, porém se encontra no
inferno. No tarô, a lua indica um momento de confusão, de incertezas, de um confronto
entre o indivíduo e o inconsciente coletivo. A coragem para enfrentar o mundo da
lua é própria dos iniciados, aqueles que já enfrentaram sua própria escuridão e
têm sua própria luz,
pois a passagem no mundo da lua leva a um processo de crescimento. Ao enfrentar a sombra,67o indivíduo, às vezes, acaba sendo vítima do
medo, do sentimento de isolamento e de assombrações. As imagens deste arcano mostram
um mundo primitivo onde não se encontra figura humana, apenas seres do mar, lobos,
cães, simbolizando o mundo irracional e intuitivo como percebemos no excerto do poema” Sexta-
feira Santa.”
Lua absíntica,verde, feiticeira,
Pasmada como um vício monstruoso...
Um cão estranho fuça na esterqueira,
Uivando para o espaço fabuloso.
De
acordo com Sallie Nichols:
“Esta é a hora da verdade do herói, tempo de terror e de reverência.
A experiência da travessia é familiar a quantos
fizeram à jornada rumo à autocompreensão. Os místicos chamavam-lhe a “Noite
Negra da Alma. Em termos psicológicos, é a partir desse reino oceânico da
imaginação humana que os grandes mitos e símbolos religiosos ou mesmo as
grandes obras de arte são produzidos ao longo dos séculos. Esse é um mundo
caótico, sem fronteiras, do qual o
indivíduo representa, em sua viagem pessoal na busca da identidade apenas uma
pequena parte. O encontro de Hécate, a deusa da lua, é o confronto com o mundo
transpessoal, onde os limites individuais estão diluídos, onde o ego e o
sentido de direção ficam perdidos. É como se tivéssemos que esperar submersos
nas águas desse mundo até que novos potenciais pudessem emergir e se
transformar em nosso futuro.”
Cruz e Sousa iniciou sua travessia poética permeada de símbolos solares,
porém foi sob o símbolo da lua que ele criou o melhor de sua obra, questionando
sua identidade, enfrentando seu lado sombrio e transmutando, dessa forma, sua relação com a vida. De acordo com
Jung a sombra é:
soma de todos os elementos psíquicos pessoais e coletivos que, incompatíveis com a forma
de vida conscientemente escolhida, não foram vividos e se unem ao inconsciente,formando
uma personalidade parcial, relativamente autônoma, com tendências opostas às do
inconsciente.
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Fonte:
Fonte:
Maria
Lúcia de Medeiros: “A imaginação simbólica em Cruz e Sousa”. (Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação
em Letras, do Instituto de Letra da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Orientadora: Profª Drª Ana Maria Lisboa de Mello). Porto Alegre, 2005. Disponível
em: www.lume.ufrgs.br
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