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A Parasita Azul:
Sagacidade relativa
O narrador
também participa desse “jogo de enganos”, no qual a conduta utilitária é mascarada por chavões idealizantes. O enigma
surge pelo contraponto entre sociedade e instinto, mas nem a identificação nem
o contraste poderão dar à personagem a felicidade perseguida.
O narrador afirma que,
dentre as moças da cidade, “Isabel era a única esquiva até então” (ASSIS, 1977,
p. 65). A única que Camilo ainda não vira depois de chegar. Mas logo se corrige: “Esquiva não digo bem”
(ASSIS, 1977, p. 65). Eis um indício de que há algo para que o leitor descubra,
pois a ambiguidade do narrador, a atitude de corrigir-se, não é comum.
Em outra passagem, o
narrador novamente hesita, desta vez, sobre a intenção suicida de Camilo. Como
observa Gledson (2008, p. 179):
Mesmo o
narrador, parece, não sabe se isso é sério ou não, pois mais adiante refere-se
ao “suicídio meio executado pelo filho” – um bom exemplo da falta de jeito do
ponto de vista narrativo, em um momento negando a tentativa de suicídio por uma
ironia desajeitada, em outro, aparentemente aceitando o que é certamente uma
mentira.
Por outro lado, o narrador
parece ter o poder de definir os rumos da narrativa. “Não há mistérios para um
autor que sabe investigar todos os recantos do coração” (ASSIS, 1977b, p. 85).
Então, se nada escapa a esse narrador, o leitor pode inferir que ele conhece o segredo de Isabel e que
manipula essa informação de maneira a destacar o mistério.
O papel do narrador, neste
caso, é mais do que contar a história; ele conduz a narrativa de maneira a
sublinhar os aspectos mais relevantes e levar o leitor a tentar ler, nas
entrelinhas do texto, o que se passa verdadeiramente entre as personagens. É
como se ele fosse o anfitrião do mistério, levando o leitor a encontrar as
pistas para desvendá-lo, ou, ainda, é como se fingisse não ter certeza, ou,
finalmente, é como se quisesse que o leitor não tivesse certeza das intenções
de Isabel. Parece que a real intenção do narrador é criar uma dúvida, já que
não há possibilidade de engano ou mistério para quem “sabe investigar”.
Assim como Isabel e Camilo,
o narrador de “A parasita azul” também é sagaz, ainda que munido de pouca
astúcia, sobretudo, se comparado a narradores de obras posteriores. Ele narra a
história da conciliação de dois ardilosos (também em termos, se comparados a
personagens posteriores). A sagacidade do narrador, de Isabel e de Camilo
parece estar ainda em forma de embrião em “A parasita azul” e, segundo a proposição
de Gledson, refina-se e amadurece em obras posteriores, atingindo o ápice em
livros como Memórias póstumas de Brás Cubas. O ardil é, no conto, uma
tentativa; o mistério, uma novidade.
“E o contista, também oblíquo e disfarçado,
alivia com entremeios romanescos a dose de cálculo que vai disseminando na
cabeça dos protagonistas” (BOSI, 1979, p. 120). Por isso, é preciso que o
leitor use toda sua sagacidade para ler este conto e decifrar o discurso de
Isabel e seus desdobramentos. É o narrador de “A parasita azul”, insatisfeito
com os chavões da narrativa romântica tradicional, que avisa da importância dessa
postura, ainda que apenas no final do conto: “Um leitor menos sagaz
imagina que o namorado ouviu essa narração triste e abatido. Mas o leitor
que souber ler adivinha logo que a confidência do desconhecido despertou na
alma de Camilo os mais incríveis sobressaltos de alegria” (ASSIS, 1977b, p. 90,
grifo nosso). Por isso, é preciso estar atento a detalhes, subentendidos e
interditos. Tudo parece estar carregado de mensagens a serem compreendidas
pelos leitores mais atentos. O narrador despista, desfaz do jogo de suspense e
não satisfaz a curiosidade do leitor. Ele pontua a diferença entre mistério e
segredo, conhece o mistério, mas não o revela ao leitor.
Ao final, não é possível
afirmar se Isabel realmente acredita que Camilo teria tentado se suicidar ou
apenas aceita essa condição para que se realize a conciliação desejada. Para
conseguir atingir esse efeito de “dúvida”, as falas de Isabel são escassas e enigmáticas, mesmo quando a moça não fala “por
si mesma”, ou seja, quando suas falas são
referidas por meio do sonho de Leandro e daquilo que ele informa que ela
dissera. Nesses dois casos específicos, a mediação de Leandro leva o leitor a
compreender que o comportamento nebuloso de Isabel é tão próprio da personagem
que se mostra até mesmo quando um terceiro se refere à fala dela.
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Fonte:
Fonte:
Renata de Albuquerque: “Senhoras
de si: o querer e o poder de personagens femininas nos primeiros contos de
Machado de Assis”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Literatura Brasileira, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,
para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr. Hélio de
Seixas Guimarães). São Paulo, 2011. Disponível em: www.teses.usp.br
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