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A
posição política de Varnhagen e sua escrita de história
A primeira edição da História Geral do Brasil de Francisco
Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, cujo primeiro volume fora
impresso em 1854, não teve a acolhida esperada por seu autor. Em carta enviada
a D. Pedro II, ele reclamou da falta de considera ão e até mesmo da “miséria” com que seu livro era tratado pelo Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB). Esperava do mecenas imperial algum tipo de intervenção de
modo a garantir que sua obra não “fosse lançada fogueira inquisitorial do juízo público”, sem que antes o Instituto desse “algumas palavras autenticas” sobre
seu trabalho. Esse quadro não sofreria alterações
no lançamento do 2º volume da 1ª edição, em 1857 e muito menos ao tempo no qual
veio a lume a 2ª edição da obra, em 1877. Fernando Amed chama a atenção para a posição
deslocada do historiador, apontando para a questão mais geral do lugar do
intelectual ou do estudioso numa sociedade sem público – afora os próprios pares – que travasse contato com seus textos, dando-lhes repercussão e
consequência. A indiferença ou frieza com que o IHGB tratou Varnhagen
contrastava com o reconhecimento que sua obra obteve junto ao Imperador. Este
outorgou-lhe os títulos de barão e, posteriormente, de visconde de Porto Seguro.
Na historiografia, o reconhecimento iniciou-se com a apreciação de Capistrano
de Abreu, do caráter incontornável da obra de Varnhagen para todos aqueles que,
depois dele, tivessem por objetivo escrever uma história do Brasil.
Esse descompasso, entre as
expectativas de reconhecimento nutridas por Varnhagen e a acolhida fria dada a sua
obra pela principal instituição voltada para a criação de uma memória histórica
para o país, aponta para o problema da posição do historiador brasileiro no
campo de pensamento do século XIX brasileiro. Para Varnhagen, a forma de
governo a ser defendida era a monárquica, sustentada pelo parlamento, que não
deveria, contudo, ser uma barreira para o monarca. Na estrutura social, as
aristocracias cumpririam o papel fundamental de fornecer o equilíbrio político
para a sociedade brasileira; enquanto ao restante da popula ão, “povo e classes m dias”,
caberia a função de sustentar materialmente a
sociedade dada a sua capacidade produtiva. A história do país deveria acompanhar
a formação dessa estrutura social e política, que tinha como contraponto
exemplar as repúblicas da América do Sul, dominadas pelo despotismo e
desrespeito aos direitos mais básicos dos seus cidadãos. Portanto, se fazia
necessário realizar mais do que mera crônica dos eventos e das figuras
importantes do passado brasileiro, era preciso orientar o passado no sentido da
evolução das bases do Império Brasileiro.
Uma visão centralista e liberal, ou
como diziam à época, constitucionalista, marcou a formação e a visão de mundo de
Varnhagen. Quando da sua juventude lutou ao lado das tropas de D. Pedro IV, D.
Pedro I no Brasil, herói liberal para os portugueses, contra as forças miguelistas
nitidamente vinculadas ao retorno do absolutismo português. Varnhagen não hesitou
em tomar partido na luta contra a ação de D. Miguel, pois se evidenciava nela claro desrespeito
ao pacto político estabelecido na sociedade portuguesa, retirando, com isso, qualquer
possibilidade de legitimidade no exercício de poder. O poder do rei precisava estar
em ressonância com as instituições fundamentais do reino, do contrário deixaria
de ser rei para se tornar tirano. A formação do futuro historiador foi realizada
em Portugal. Foi marcada pelo contato com intelectuais, como Herculano,
preocupados em escrever a história de Portugal em acordo com as novas ideias
liberais fomentadas pela Revolução do Porto em Portugal, no plano interno. No
plano externo, ecoava ainda a Revolução Francesa, que tornou o ideário iluminista
parte ativa do cenário político europeu. Havia um problema, contudo, na forma
como Varnhagen absorveu essas influências. Se, naquele momento, ele antevia os “perigos
democráticos” oriundos da radicaliza ão do liberalismo português, não hesitaria, posteriormente, em desqualificar
Herculano pelas recusas em servir em cargos públicos e, portanto, auxiliar na
ação do Estado sobre a sociedade. O Estado deveria ser o fiador da liberdade e,
por isso, deveria contar com o apoio incondicional de seus intelectuais.
A “ameaça democrática” deveria ser combatida, pois significaria por em risco a afirmação de um poder
central forte capaz de manter a nação brasileira unida, mas, ao mesmo tempo, era
necessária a defesa de valores constitucionalistas, para afastar o perigo de rompimento
da relação legítima entre o monarca e os seus súditos. Varnhagen tinha como
ideal político a ideia de monarquia constitucionalista ou representativa, que não
se confundia nem com a democracia, nem com a monarquia em seu estado puro. Era
nas palavras do Marques de Caravelas “um governo misto, que se combina umas vezes com elementos democráticos, outras vezes com aristocracia e democracia conjuntamente”. Os problemas levantados pela Revolução Francesa, de todo desprezada
por Varnhagen, não poderiam deixar de influenciar a formação política daqueles
envolvidos com o fim do Império português na América e com a construção da
nação brasileira, como forma de continuar a civilização na América. Na Europa, a
divisão político-ideológica pós-revolução francesa se deu entre os que
defendiam a mudança realizada pela revolução e viam nela a ascensão do povo à
condição de sujeito histórico – como Michelet – e aqueles que olhavam com desconfiança os feitos revolucionários
e suas consequências consideradas nefastas para o conjunto da sociedade – como Tocqueville. Entre os dois extremos, (progressistas e
conservadores) oscilava variada nuance de posições políticas.
No Brasil, por sua vez, o evento que
realizou esse corte na vida política foi a Independência, o fim do jugo metropolitano,
que teve como resultado o embaralhamento das referências europeias aqui
aplicadas. Pois, diferentemente do que ocorreu na Europa, não haveria nenhum defensor
do retorno ao estatuto colonial ou mesmo disposto ao elogio puro e simples daquele
passado: os resquícios coloniais, como a escravidão, dividiam os políticos e os
intelectuais no tocante à velocidade em que deveriam ser superados e não quanto
a sua manutenção. Daí o ar de indiferenciação partidária que parece marcar o
cenário político imperial e dar-lhe, nas palavras de Roberto Schwarz, o tom de comédia
ideológica, sintetizada no dito de Honório Cavalcanti : “nada mais parecido com um
saquarema do que um luzia no poder.” A complexidade
que assume o debate de ideias no século XIX brasileiro fica evidente quando enfocamos
o conceito de liberalismo. João Camilo Castelo Branco, na sua A Democracia coroada (teoria política do Império
do Brasil), ressaltava o caráter plurívoco que
o liberalismo constitucional viria a assumir no país, premido pelas
particularidades da sociedade brasileira. Com isso, definir quem era liberal ou
quem era conservador implicava em esmiuçar o conjunto das variadas e multiformes
significações desses conceitos. Varnhagen mantinha-se informado sobre a situação
política do Império, buscando sempre defender seu ponto de vista favorável à
centralidade do Império e à figura do Imperador. Ilmar Mattos enfatiza a visão centralista
que o historiador tinha da formação da nação brasileira. Suas críticas aos movimentos
que ameaçavam a unidade do Império, como a Revolução Pernambucana de 1817,
qualificavam Varnhagen
como o “historiador do tempo Saquarema”. Por outros
termos, Capistrano de Abreu marcava, em 1882, a tendência do Visconde de Porto Seguro a “homogeneizar”
a história da pátria de tal modo que se “uniformiza e esplandece;
os relevos arrasam-se, os característicos misturam-se
e as cores desbotam. Vê-se uma extensão, mas plana, sempre igual, que lembra as
páginas de um livro que o brochador descuidadoso repete.” Estas observações apontam para
uma crítica recorrente feita ao autor da História Geral: o fato de ele elaborar
uma história muito ligada ao ponto de vista da organização do Estado central no
Rio de Janeiro. Mais ainda, indicam um projeto definido sobre os moldes nos
quais deveriam ser construído tal Estado.
Para esses autores, a visão de
mundo, centralista e monarquista, de Varnhagen ligava-se necessariamente ao seu
modo de escrever história. Ele não podia deixar de pensar a sua História Geral do Brasil como a afirmação do progresso da monarquia, único vetor capaz de
garantir a unidade do território da colônia portuguesa na América e, depois, do
império do Brasil. O título original da primeira edição já apontaria para isso “Historia
Geral do Brazil, isto é, do descobrimento,
colonização, legislação e desenvolvimento deste Estado, hoje império independente” Tratava-se de perseguir a consolidação no país do Estado brasileiro,
cuja história deveria ser vista como uma linha de continuidade entre a ação do
Estado, primeiro português e depois brasileiro, e as necessidades de conquista e
manutenção da união das partes do Brasil. Varnhagen escrevia no seu prefácio em
sua História da Independência
do Brasil:
“Quanto ao m todo adotado na exposição, foi a própria experiência que no-lo aconselhou. Não escrevemos anais, escrevemos
uma História, e os saltos continuados a uma e outra província, deixando interrompido
o fio dos sucessos importante e capitais, produzia confusão e não permitia que
os próprios das províncias fôssem convenientemente explicados. Além de que, na época
da Independência, a unidade não existia: Bahia e Pernambuco algum tempo
marcharam sôbre si, e o Maranhão e o Pará obedeciam a Portugal, e a própria província
de Minas chegou a estar por meses emancipada. A mesma experiência convencerá os
leitores da vantagem do método adotado, quando notem que por meio dêle se lhe gravam melhor os fatos
narrados.”
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Fonte:
Fonte:
Lucas Jannoni Soares: “Entre a missão
política e a ciência histórica: Francisco Adolfo de
Varnhagen e a colonização portuguesa do Brasil (1854-1877)”. (Tese apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História Econômica do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciências, Área de Concentração História Econômica. Orientadora: Profa. Dra. Vera Lucia
Amaral Ferlini). São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.teses.usp.br/
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