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Um “álbum” só para
rapazes...
Como
tantos outros usos e tendências importados da Europa, os álbuns de autógrafos firmaram-se
como moda entre os jovens do Brasil oitocentista. Conforme registra Ubiratan Machado, estardalhaço. Havia modelos para todos os
gostos e posses. Cartonados para
os menos endinheirados ou com ricas capas de veludo, marroquim ou xarão. As
encadernações podiam ser em madeira forrada de seda ou em couro, com
ilustrações em alto e baixo relevo. Ou, mais requintados ainda, com capa de
madrepérola ou marfim. Não havia iaiá que resistisse. (2001, p. 112)
Em tais álbuns, via de
regra, eram deixados, por poetas e aspirantes a poetas, poemas líricos, havendo neles todo um ritual e hierarquia
sociais e de valores:
A regra, entre
as pessoas de sociedade, consistia em selecionar os colaboradores pelo talento e pela fama. A
composição devia ser original, de preferência com alguma alusão à homenageada Para
obter o autógrafo, podia-se abordar o poeta num sarau, numa reunião em família
ou enviar o álbum por um intermediário. As iaiás solteiras não perdiam ocasião de
enriquecer sua coleção. Mas também as senhoras casadas, de reputação social,
degustavam esse hábito como um bombom suíço. Entre as classes mais modestas, o
álbum era preenchido pelo poeta do bairro, aquele sempre disposto a brilhar nos saraus domésticos, pelos
primos e amigas. Nem sempre
os poemas eram originais. (MACHADO, 2001, p. 113)
Destes hábitos
descritos por Ubiratan Machado, pode-se perceber claramente que os álbuns eram
compostos basicamente por poemas circunstanciais e “encomendados”. Portanto,
mesmo que em alguns deles tenha havido a participação de personalidades renomadas
como Machado de Assis e Fagundes Varela, por exemplo, estas coletâneas, em
geral, não tinham grande valor que não o sentimental para quem as possuía. O
próprio Francisco Moniz Barreto, que tanto se notabilizou por seus versos de
circunstância e tão solicitado foi para improvisos, não deixou de registrar sua
passagem nos álbuns. A terceira parte do primeiro volume dos Clássicos e Românticos é
toda ela uma reunião de sua produção em tal gênero. A qualidade geral dos versos “para álbuns”
pode ser confirmada, por exemplo, no poema feito para o álbum de D. Brasília
Junqueira Nabuco, que começa com um acróstico:
Baixar à Terra o Cupido
Resolveu com setas mil:
Armas pra quê? (diz-lhe Vênus)
Se tu la tens o Brasil?!
Inútil (responde o Nume)
Levá-las, julgara eu,
Igualando as ninfas todas
A que Nabuco rendeu. (1855, p. 140)
Outra característica
peculiar do hábito dos álbuns revela-se seu público cultivador, que, conforme citação acima,
era basicamente feminino, composto pelas iaiás e ilustres senhoras. No entanto,
conforme registra Ubiratan Machado, “alguns marmanjos também tinham seus álbuns”
(2001, p. 112), e estes seguiam o mesmo padrão dos fólios femininos, compostos,
basicamente de poemas líricos. Algumas vezes, porém, os poetas serviam-se de
tais “encomendas” líricas para, no melhor espírito romântico, exacerbarem seu
sentimentalismo, suas mágoas, suas frustrações e revoltas. Daí nasceram
declarações de amor e ódio, ressentimentos, verdadeiras vinganças poéticas, e,
aqui e ali, alguns álbuns tornaram-se registros da exacerbação passional dos
românticos. Neste mesmo espírito, não deixariam de vir à tona tiradas chistosas
e pilhérias, em versos brincalhões e satíricos nos álbuns, sobretudo nos dos rapazes
que os colecionavam. Assim agia, por exemplo, Luiz Gama, que parecia não gostar
muito do hábito, e costumava responder os pedidos para álbuns com burlas desse tipo:
Ora que,
porque quer, o meu amigo,
O perluxo
e dengoso Zé Maria,
Que eu mil
versos troveje, retumbante,
Num álbum
que possui, só de mania!
Não vê nem
pensa
O caro
amigo
Que a musa
esquiva
Não toma
abrigo,
No teso
crânio
De um mau
tarelo,
Que por
miolos
Só tem
farelo! (2000, p. 147)
Um quadro sucinto do que
foram os álbuns pode assim ser resumido. Mas como seria um “álbum” que fugisse às convenções e aos padrões
de então? Um “álbum” essencialmente satírico, cujo humor se concentra na
licenciosidade e na escatologia; um “álbum” feito sob encomenda de um mesmo “requerente”,
seu próprio autor; um “álbum” preparado, então, para um público exclusivamente masculino,
“proibido” para iaiás e senhoras; um “álbum” não exclusivo e manuscrito, mas
editado para ser posto à venda; um “álbum” que, enfim, merece as aspas que lhe estão sendo dadas. Foi este o Álbum da
Rapaziada, publicado em 1864 por Francisco Moniz Barreto!
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Fonte:
Leonidas Pellegrini: "Album da Rapaziada : o humor obsceno de Francisco Moniz Barreto" (Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do Título de Mestre em Teoria e História Literária Orientador: Dr. Luiz Carlos da Silva Dantas). Campinas, 2008.
Fonte:
Leonidas Pellegrini: "Album da Rapaziada : o humor obsceno de Francisco Moniz Barreto" (Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para obtenção do Título de Mestre em Teoria e História Literária Orientador: Dr. Luiz Carlos da Silva Dantas). Campinas, 2008.
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