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José do Patrocínio e o romance Motta Coqueiro ou a pena
de morte.
O século XIX no Brasil figurou como um
período de muitos acontecimentos-chaves que fizeram do Brasil colônia em
uma nação em formação. Na primeira metade do século citado, a
vinda da família real, em 1808, e a independência política, em 1822, inauguraram um
novo relacionamento entre o Brasil e Portugal, que trouxe para a nação brasileira uma série de transformações políticas, econômicas,
sociais, culturais, etc. Na segunda metade, a abolição dos escravos, em 1888, e a proclamação
da República, em 1889, constituíram momentos de partida
para repensar e reestruturar o Brasil como uma nação envolta à busca de ideais,
tais como cidadania, progresso, cientificidade, etc.
Principal centro político e cultural do Brasil no século
XIX, como escreve Humberto Fernandes Machado (2007),
o Rio de Janeiro era um espaço repleto
de contrastes, caracterizado pela incorporação das novidades européias e das
idéias de progresso e civilização que se opunham ao escravismo. Essa peculiaridade
da cidade favoreceu o envolvimento da população na campanha abolicionista. (MACHADO, 2007, p. 01),
foi o palco mais ilustre de toda uma
luta pró-Abolição dos escravos. Por certo, não só uma cidade restrita a esta
luta, mas a questões nacionais.
Neste período, o discurso de
nacionalidade assume uma preponderância entre os intelectuais, políticos,
literatos, militares, etc. não só diante dos eventos históricos supracitados.
Perpassa praticamente pelo século XIX todo, obviamente com especificidades
locais, temporais e culturais, mas fortemente vinculado a discutir os problemas brasileiros impeditivos ao progresso intelectual,
econômico, social, cultural, evidenciando que o Brasil, para crescer, deveria
lidar com os seus dilemas internos. O Positivismo, de acordo com Sílvio Romero,
João Camilo de Oliveira Torres, Ivan Monteiro de Barros Lins, Mozart Pereira
Soares, entre outros, teve um papel formador e decisivo na intelectualidade
neste contexto das últimas décadas do século XIX. Assim, falando sobre a influência das idéias de Comte no Brasil, fundador
do Positivismo, Soares (1998) afirma:
O que ele não contava é que viesse a ser o Brasil o país em que
encontraria o mais favorável dos ambientes para exercer a sua influência cultural, filosófica, científica, política e religiosa,
a ponto de marcar incisivamente sua presença nas instituições sociais e de
haver determinado o surgimento, até aqui, do único templo para suas prédicas,
construído segundo as indicações gerais do Catecismo. (SOARES, 1998, p. 87)
A Literatura não esteve ausente deste
discurso de nacionalidade brasileira no século XIX. Como salienta Heloísa Toller
Gomes, em As marcas da escravidão
O negro e o discurso oitocentista no Brasil e nos Estados Unidos (1994):
Com a ampliação do espaço público burguês e o acelerado desenvolvimento tecnológico da imprensa, o discurso literário oitocentista
beneficiou-se do acesso a círculos novos de leitores e tornou-se cada
vez mais insistente na abordagem de temas sociais. (GOMES, 1994, p.131)
O discurso literário, além do jornal e da tribuna
parlamentar, foi potencialmente um canal expressivo e
público de questões explícitas e implícitas deste discurso de nacionalidade, na
divulgação e na compreensão da sociedade brasileira, em meio a anseios,
dilemas, perspectivas e projetos que permearam o desejo de se construir uma nação forte e não mais genuflexa aos interesses de Portugal e de
outras nações. Neste contexto em que a Literatura se exibe como um dos veículos
do discurso promotores de nacionalidade e brasilidade, o Romantismo e o Realismo
brasileiros, excetuadas algumas particularidades, por exemplo,
o ultra-romantismo, colaboraram em muito para enunciar e/ou propor um discurso
em torno de um ufanismo brasileiro, sem semelhantemente
ocultar os dilemas e problemáticas da nação brasileira, e sem abrir mão de se construir
uma literatura propriamente brasileira, com conteúdos e formas lingüísticas,
inclusive, mais brasileiras e menos lusitanas ou estrangeiras.
Partindo deste prisma, em que a Literatura se insurge como
uma fonte importante para visualizar e narrar o discurso da nacionalidade e da
brasilidade no século XIX, esta forma de expressão
artística ganha uma conotação histórica e potencialmente alternativa para o
estudo e compreensão da História do Brasil, além de outras ciências humanas e sociais.
Muitas obras literárias do século XIX, tanto românticas quanto realistas, relevam
algumas particularidades dos modus vivendi dos brasileiros daquele
período; pontuam o posicionamento ideológico do literato que escreve e
do público que o recepciona, dão mostras de assuntos em discussão na sociedade;
constroem uma imagem sobre o Brasil e o seu povo; fomentam o debate público e
político em torno de temas preocupantes, etc. Como dizem Ângela Vianna Botelho e Liana
Maria Reis (2001), em seu Dicionário Histórico Brasil Colônia e
Império, além da Imprensa, como um expressivo meio de divulgação da
propaganda abolicionista, também a literatura foi um importante veículo
divulgador de idéias, particularmente através do maior poeta abolicionista,
Castro Alves (2001:194).
Dentro deste amplo discurso em torno da nacionalidade e da
brasilidade, o dilema da escravidão preenche uma dimensão
importante, pois é este dilema, na crença de muitos intelectuais, que ata ou
desata o nó para a formação de uma identidade nacional e para o
progresso do país, como faz bem notar Everton Vieira Vargas (2007:133), em O legado do discurso: brasilidade e hispanidade no pensamento
social brasileiro e latino-americano. Daí a temática Abolição dos
escravos ser um assunto freqüente, alvo de discussão no
século XIX, sobretudo, depois de 1850, quando se dá o fim do tráfico negreiro e se
começa a pensar em um novo modelo econômico para adotar no Brasil, caso a escravidão findasse. Entra em jogo, com o fim do tráfico
negreiro, não só a questão econômica, mas também a preocupação com um modelo de
sociedade, de cultura, de identidade, etc. que se procuraria delinear para o
futuro do país.
Obviamente estas questões não surgiram da noite para o dia,
elas tomam mais corpo com a promulgação da Lei do
ventre livre, em 1871; com o surgimento e crescimento de associações
abolicionistas; e, sobretudo, com presença e ações destacadas de arautos, oriundos tanto da classe popular quanto da elite,
tanto de pele negra quanto branca, tanto vinda da tribuna do parlamento ou fora
dele, que engendraram uma atmosfera de luta pela Abolição dos escravos. O
Brasil do século XIX assistiu a uma profusão de personagens e ações promotoras
da Abolição. Muitos destes personagens eram literatos e escreveram o dilema da
escravidão em suas páginas.
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Fonte:
Fonte:
Marcos Teixeira de Souza (Unigranrio), Jose Geraldo
Rocha (Unigranrio). “José do Patrocínio: para além da memória de um
abolicionista.” Revista Magistro
Vol. 2 Num.1, 2011 - Revista do Programa de
Pós-Graduação em Letras e Ciências Humanas – UNIGRANRIO, disponível em http://publicacoes.unigranrio.edu.br/
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