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Pinheiro Chagas, da crítica ao romance histórico
Com a sensibilidade
romântica, o romance histórico vai tanto ser instrumento de formação histórica,
como ajudar na consolidação da literatura nacional. Fossem, portanto, nas veredas
literárias de Scott, Dumas ou de Hugo, os autores do período oitocentista, cada
qual a sua maneira, quase
sempre com o olhar voltado para o período da fundação da nacionalidade, utilizaram-se do didatismo e dos ensinamentos históricos
para estabelecerem um confronto binário entre passado/presente.
Apesar de centrarmos nossa
discussão em romance histórico, o estudo sobre o drama histórico, realizado por
Teófilo Braga (1871), nos informa mais elementos sobre as produções de cunho
histórico no Portugal de Oitocentos. Neste, seu autor assevera que apesar de
ter havido um empenho considerável da classe letrada na adoção do gênero literário,
respeitando todas as suas especificidades, suas tentativas iniciais foram
inexpressivas. Isto porque, embora
os escritores nacionais tivessem contato com um variado número de exemplares franceses
traduzidos,
para escrever romance de fundamentação histórica, era imprescindível um
conhecimento apurado da História e, além disso, que a mesma estivesse
consolidada. Desses volumes traduzidos, nenhum alcançou maior glória ante ao
gosto popular do que os de Voltaire. Ainda, conforme os estudos de Braga
(1871), as tragédias voltaireanas eram admiradas porque defendiam a liberdade
de consciência contra despotismo e o obscurantismo religioso, e por isso
tiveram muitos seguidores, principalmente no drama histórico.
Essa precariedade de
embasamento histórico levará ao surgimento, como adverte Ana Isabel Vasconcelos
(2008), de dois grupos que tomaram a História em perspectivas diferentes, sendo
que uma mais aproxima do referencial histórico e outra distanciada deste
compromisso, ou seja, mais historicizantes. Esclarece, ainda, que o
termo histórico vagamente associado a muitos escritos do momento não
derivava particularmente de suas autorias, mas da crítica que, sem levar em
conta a relação estabelecida entre História e ficção, englobava todas estas publicações
num único conjunto, sem distinção.
Embora o cientificismo
histórico tenha se originado no século XIX, não podemos nos esquecer que este
período era de transição. Nesse sentido, a historiografia portuguesa oscilava ainda
entre aquela feita na perspectiva liberal e científica e outra de cunho
tradicionalista e conservador. Ser progressista era ter o máximo de compromisso com
o discurso histórico na ficção, do contrário,
não passava de uma descrição cênica do passado. É curioso que embora se tenha produzido dramas históricos
relativos à época medieval no interstício de 1846-1856, nenhum desses autores
recorresse como fonte documental ao primeiro e mais importante estudo histórico
de oitocentos, A História de Portugal, de Alexandre Herculano. Nem com a
possibilidade de encontrarem um estudo coeso e sério sobre o período de
formação de Portugal, os quatro volumes não foram atrativos para essa classe de
literatos. Confirmando-se, portanto, certa resistência e incapacidade de
manusear o novo saber histórico. Possivelmente, ao optarem pelas fontes mais
remotas, especificamente as crônicas, os
romancistas pretendiam conhecer a História feita no calor da ação do passado.
De interpretação mais
digerida, o texto cronístico se destaca dos outros pelo estilo simples de narrar,
pelo seu caráter sintético, realístico e urgente da escrita, bem como pelo tom
lírico-reflexivo que se dá aos relatos dos fatos.
Antes de Herculano, a escrita da História, como asseverou Pinheiro
Chagas, era ad
narradum (para se narrar), tinha características tão próximas da poética que quase não havia comprometimento com a
verdade histórica. De modo geral, suas censuras creditavam à maioria desses
estudos os adjetivos de amadores, demasiadamente fantasiosos e declamatórios. A
mais grave delas era a forma idealista com que se desenhavam as personalidades
nacionais, engrandecendo-as nos feitos e qualidades, aspectos que comprovadamente
nunca existiram na vida pregressa dessas individualidades. A outra reprovação
era a forma erudita desses ensaios, no uso excessivo do latim, que produziam uma dificuldade
de interpretação do fato.
Na avaliação final de Ana
Vasconcelos (2008), os romancistas históricos românticos preferiram, por
vezes, duas formas de conhecerem a História. No primeiro caso bem mais usual,
temos as incansáveis leituras das crônicas, muito pelo seu aspecto narrativo,
pitoresco e de realismo acentuado. Mas há, ainda, pesquisas isoladas feitas em
documentos oficiais, manuscritos,
relatos orais e publicações de
artigos em periódicos, os quais são confidenciados aos leitores, por meio de
notas finais, em suas introduções ou prólogos.
Com isso,
houve por parte dos romancistas um furor na busca de fundamentação histórica,
registros que esclarecessem a vida medieval nacional. O passado, então,
funcionava como um script para o presente, lugar privilegiado para se
conhecer as verdades religiosas e as intemporais paixões humanas. Mas como
advertem Chaves (1979) e Marinho (1999), não foram
todos os períodos históricos que os românticos privilegiaram. O medievalismo exagerado
ocorreu somente na primeira fase romântica, atenuando-se a partir do segundo momento
desta estética, conforme ilustra a obra de Rebello da Silva. Depois disso,
houve um decréscimo do gênero, que passou a ficcionalizar um passado mais
recente. Dessa lista se excetuam os romances históricos de Camilo que são
elogiados pela crítica de Chaves, “[...] pela magia da linguagem em que estão
escritos, pelo poder estético que possuem ali onde se fundem os elementos
fictícios com elementos históricos, caldeados nas vivas paixões humanas”
(CHAVES, 1979, p.54). Assim, o que importa, no final de contas, não é a
descrição pormenorizada do ambiente, mas falar da essência humana, sem fazer
parecer que é desta que se fala. Seja como for, romance histórico ou citadino,
para Candido, o importante é reconhecer:
A ficção
[...] [como] um lugar ontológico privilegiado: lugar em que o homem pode viver
e contemplar, através de personagens variadas a plenitude da sua condição, e em
que se torna transparente a si mesmo; lugar em que transformando-se de si
mesmo, verifica, realiza e vive a sua condição fundamental de ser
autoconsciente e livre, capaz de desdobrar-se, distanciar-se de si mesmo e de
objetivar a sua própria situação. [...] Somente quando o apreciador se entrega
com certa inocência a todas as virtualidades da grande obra de arte, esta por
sua vez lhe entregará toda a riqueza encerrada no seu contexto (CANDIDO, [1968]
s.d, p.38).
Posto
isso, na próxima seção, pretendemos analisar as censuras feitas por Pinheiro Chagas
a algumas obras de Arnaldo Gama, que sempre foi lembrado pela crítica pelo
rigor histórico com que compunha os seus
romances.
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Fonte:
Jane Adriane Gandra: “Pinheiro Chagas, um escritor olvidado”. (Tese apresentada ao Programa de Pós–Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, como exigência para a obtenção do título de Doutor em Letras. Orientador: Prof. Dr. Paulo Fernando da Motta de Oliveira). São Paulo, 2012.
Fonte:
Jane Adriane Gandra: “Pinheiro Chagas, um escritor olvidado”. (Tese apresentada ao Programa de Pós–Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, como exigência para a obtenção do título de Doutor em Letras. Orientador: Prof. Dr. Paulo Fernando da Motta de Oliveira). São Paulo, 2012.
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