03/03/2014

As Jóias da Coroa, de Raul Pompéia

 As Jóias da Coroa, de Raul Pompéia
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Raul Pompéia - As jóias da Coroa

Segundo livro escrito por Raul Pompéia, folhetim publicado nos rodapés da Gazeta de Notícias, ocupando quase sempre a primeira página de 30 de março a 1º. de maio de 1882. O autor, com 19 anos, encontrava-se de férias na Corte. Sobre a obra, especificamente, Marlyse Meyer (1996: 309) afirma que se trata de “uma jóia de paródia e sátira política”. E como se configura a paródia nesta obra? E qual a importância no contexto histórico? Fazem-se necessárias incursões e análise da obra.

Dois empregados da quinta do Duque de Bragantina (ou Imperador Pedro II) tramam certo roubo: assim tem início a ação do folhetim. Um dos envolvidos era empregado íntimo do Duque de Bragantina. Chamava-se Manuel de Pavia e tinha como cúmplice Inácio. Manuel de Pavia e o comparsa Inácio continuaram tramando também o roubo das jóias da Duquesa de Bragantina. Os mentores do crime haviam estabelecido como acordo vender as peças de valor aviltado à ourivesaria do Sr. Aleixo. Durante um diálogo com o parceiro Inácio, Manuel de Pavia lembra que os inúmeros favores concedidos ao Duque, bem como as encomendas futuras à defloração de Conceição.

Na verdade, as jóias, que tinham sido roubadas, foram enviadas pela Duquesa de Bragantina à Quinta do Santo Cristo após o baile do seu aniversário e, em seguida, entregues a criado de confiança. Sete dias após este episódio, dava-se a liberdade a Manuel de Pavia e aos outros dois acusados, pois as jóias tinham sido encontradas. Recebendo a promessa de impunidade, Manuel de Pavia confessou que as jóias encontravam-se enterradas num local que ele próprio apontaria. O Duque de Bragantina providenciou a inocência.

 A cena inicial do romance As jóias da Coroa deixa evidente o plano do roubo e o comportamento dos criminosos: um, deslocado, corajoso e arrogante; outro reticente medroso e inseguro. Mas, principalmente, esclarece pontos a respeito da eficiência do plano de trabalho ficcional:

- “Ah, ah! Ah, ah!... É o que você pensa. Ninguém se arroja a uma empresa destas sem saber o terreno que vai pisar. Eu sou um jogador que sempre conhece as cartas de que dispõe e as do seu adversário... É o que falava... Um homem habituado às dificuldades de todas as empresas espinhosas... [...]”

 É justamente a partir de um fait divers, ou seja, acontecimento diferenciado, inusitado, porém fato histórico, que Raul Pompéia vai construir o folhetim, ocultando os envolvidos no escândalo em personagens de ficção.

Trata-se também de um roman à clef, já que apenas esconde pessoas reais por meio de nomes fictícios. Ainda que a semelhança seja evidente.  E como se justifica o fait divers na escritura de Raul Pompéia? Por meio da leitura das notícias e crônicas diárias publicadas na Gazeta de Notícias. Para efeito comparativo, remeto à matéria publicada na edição de 19 de março, da Gazeta de Notícias, intitulada Roubo no Paço de São Cristóvão. A leitura da notícia, em forma de crônica, e a consideração de elementos do romance comprovam o quanto fatos do cotidiano – ou seja, o fait divers – se encontram claramente presentes em As jóias da Coroa, cuja transficção também é evidente, já que o autor ficionaliza a história, o grande tema defendido nos birôs da Universidade de São Paulo pela professora Aparecida Santilli.
Entre vários aspectos, a datação dos acontecimentos é um dos pontos relevantes. Segundo a Gazeta de Notícias, o roubo das jóias aconteceu no dia 14 de março de 1882, enquanto a versão de Raul Pompéia apenas mascara a data, localizando o episódio que envolveu a personagem Duquesa de Bragantina em 11 de março de 18...

O segundo aspecto importante diz respeito à forma de recriação da notícia que mantém o detalhe da viagem do Imperador e da Imperatriz para Petrópolis. O referido periódico informa, numa linha, que o Imperador Pedro II e a Imperatriz Teresa Cristina, após o cortejo, seguiram para o seu palácio de verão em Petrópolis. O autor do folhetim, de certa forma, apenas reescreve o acontecimento verídico numa linguagem romanceada, apontando a partida dos Duques e Duquesa de Bragantina para a quinta de verão que possuíam em Anatópolis. Dessa forma, pouco a pouco, com detalhes simples, comprova-se que esta obra de Raul Pompéia é, de fato, inspirada na vertente da transficção, embebida, historicamente, na crônica jornalística cotidiana, que descrevia o fato real do roubo das jóias. Compreende, assim, a transficção aliada ao fait divers, ambos ancorados em fato histórico de repercussão política.

O terceiro ponto relevante é o do roubo em si. A Gazeta de Notícias, dando seqüência à crônica diária, retrata minuciosamente o roubo no Paço de São Cristóvão. O cronista informa que o Imperador, ao chegar de Petrópolis, deu parte do episódio ao Ministro da Justiça. Por sua vez, o Ministro da Justiça, o Chefe de Polícia Dr. Macedo de Aguiar e o 3º. Delegado seguiram até o Palácio de São Cristóvão, onde encontraram apenas uma corda dependurada num dos muros que entornam o palácio.


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Fonte:
Ricardo Japiassu Simões (Pós-doutor em Teoria da Literatura, da Universidade Federal de Pernambuco): “O roubo das jóias e a transficção no folhetim as Jóias da Coroa”. Faculdade Damas – Caderno De Relações Internacionais – V. 1, No. 1. (2010).

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