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Diálogos entre História e Literatura:
O ponto de
partida da presente discussão recai sobre a produção textual ficcional vista como
suporte importante para a apreensão de pontos de vista e percepções de mundo de
um autor, que podem auxiliar no desvendar acerca dos julgamentos de um período
histórico.
Desse modo,
“(...) a literatura, compreendida como uma manifestação cultural, permite o registro
de um movimento que insere o homem em sua historicidade e apresenta chaves explicativas
das idéias de uma determinada sociedade, abrindo ao historiador um novo campo
para a pesquisa”.
No caso de
Alexandre Herculano, contemporâneo da ascensão do gênero do romance e da
sociedade liberal e burguesa em Portugal, que possui uma ampla produção ficcional,
nada mais lógico para o historiador se debruçar sobre este específico campo literário
para desvendar, com mais acuidade, as visões de mundo do autor sobre a sociedade
em que vivia e também seus julgamentos a respeito do conhecimento
histórico.
Os estudos
críticos preocupados em verificar, na obra historiográfica de Alexandre Herculano,
em destaque para as obras História de Portugal (1846 -1853) e História
do Estabelecimento da Inquisição em Portugal (1854-1859), a presença de um
movimento histórico ligado a uma finalidade que se constitui historicamente e possuidora
de um 405 O historiador Fernando Catroga aponta sete edições do Eurico no
período que Herculano esteve vivo. aspecto transcendental, negligenciaram a verificação
do mesmo dado nas principais produções literárias de Herculano, que são seus
romances históricos.
O romance,
visto não só como gênero literário, mas também como rico instrumento de pesquisa,
pelo seu suporte ideológico e por possuir elementos reveladores de mudanças
históricas nas sociedades européias modernas, remete-se, do mesmo modo, a Portugal
oitocentista.
Do mesmo modo
que no restante da Europa, onde a ascensão do romance esteve ligada ao advento duma
consciência romântica, baseada em visões de mundo contrastantes em relação às mudanças
provocadas pelo advento da sociedade moderna industrializada, em Portugal o
fenômeno histórico obedeceu ao mesmo princípio.
Pensando na
relação da literatura com a dinâmica histórica do mundo podemos dizer que por meio
do romance: “(...) assistimos ao processo lento e gradual de transformação
das idéias e ilusões particulares de uma classe em ascensão em valores universais,
isto é, em representações coletivas e universalmente válidas, uma vez que muitos
de nossos autores assumiram o papel de seu porta-voz. O novo gênero teria, dessa
forma, desempenhado função importante na criação de uma espécie de identidade
de classe para os estratos médios ascendentes,(...). Trata-se de uma porta de entrada,
um modo de ver como a nova classe foi construindo sua hegemonia cultural, conforme
explicou Antonio Gramsci, pela obtenção de consenso para seu universo de valores,
de normas morais, de regras de conduta, (...)”.
O romance,
como representante ideológico dos novos valores burgueses, como de liberdade política
e autonomia dos sentimentos em relação às convenções sociais, também deve ser encarado
a partir da crítica feita ao advento da modernidade capitalista, fruto de
processos históricos realizados pela própria burguesia.
O movimento
romântico, inserido a partir das conseqüências da dupla Revolução (Industrial e
Francesa), e conduzido pelo gênero romanesco, refletiu como nenhum momento
cultural anterior, sobre sua realidade, como lugar de rupturas, continuidades e
utopias, e antecedentes históricos. “O mundo como história é o objeto do
romance, em que o caráter temporal e histórico da ação humana é problema sempre
crucial e sempre presente para o romancista”.
Assim como
Georg Lúckacs e Lucien Goldmann, a pesquisadora Sandra Guardini Vasconcelos julga
que o advento do romance esteve ligado às condições históricas do seu tempo, e se
constituiu, como ponto crítico, na busca de um novo sentido de vida em um mundo
corroído nas suas estruturas qualitativas e coberto de incertezas acerca de
seus destinos.
Para Sandra
Vasconcelos: “O desafio que se põe para os romancistas é o de figurar essa
dinâmica social, de perceber a sociedade humana em seu movimento e de empreender
o esforço de dar sentido e unidade a um mundo que começava a se desenhar como
caótico e fragmentado, que apartava o privado e o público, o geral e o particular,
o típico e o individual. A passagem de uma sociedade de status e privilégio para
outra da aristocracia do dinheiro, a ruptura dos nexos entre homem e comunidade,
a condição de permanente mobilidade, a indeterminação da posição do sujeito no mundo,
a busca de identidade constituíram uma nova realidade que se objetivou numa forma
literária nova, que buscava, na apreensão e representação do real, captar esse movimento
da vida contemporânea. Os embates do indivíduo com a ordem social passam então
a ser tema privilegiado do romance, que encena o choque entre a “poesia do
coração” e a “prosa do mundo” .
No caso de
Portugal, a definição das origens de temas pertencentes a uma consciência romântica,
como o subjetivismo e o sentimentalismo, são bastante controversas, sendo discutidas,
de perspectivas diferentes, por diversos autores e especialistas.
Numa perspectiva
de continuidade de temas literários e de novos horizontes estéticos, a sensibilidade
romântica pode ser encontrada nos escritos de Bocage e nas influências de
gostos literários levados a Portugal pela Marquesa de Alorna, para uma série de
jovens escritores, entre eles, Alexandre Herculano. Mas, como Escola literária
e artística, o Romantismo português parece ter surgido com força, somente na
década de 30.
O Romantismo
em Portugal, assim como em outros países da Europa, está vinculado às condições
históricas de seu tempo, como ponto crítico e de análise à realidade que está inserido.
Desse modo, apesar do termo “romântico” aparecer pela primeira vez, em 1825, no
poema “Camões” de Almeida Garrett, foi só com o afastamento do absolutista D.Miguel
do poder, em 1834, e com o início de uma monarquia constitucional de orientação
liberal e inspirada pelas leis de Mouzinho da Silveira (que aboliram os direitos
senhoriais) e as de Joaquim António de Aguiar (confiscando totalmente os bens
da Igreja), ou seja, no estabelecimento de uma ordem burguesa, que o Romantismo
conseguiu triunfar.
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Fonte:
Leonardo de Atayde Pereira: “O sentido de História para Alexandre Herculano: uma interpretação romântica (1830 – 1853)”. (Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Departamento de História. Área de História Social. Orientador: Prof. Dr. Lincoln Ferreira Secco). Universidade de São Paulo - USP, 2009 .
Fonte:
Leonardo de Atayde Pereira: “O sentido de História para Alexandre Herculano: uma interpretação romântica (1830 – 1853)”. (Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Departamento de História. Área de História Social. Orientador: Prof. Dr. Lincoln Ferreira Secco). Universidade de São Paulo - USP, 2009 .
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