30/03/2014

A Pulseira de Ferro, de Amadeu Amaral,,

 A Pulseira de Ferro, de Amadeu Amaral,,
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Um medíocre mediador

Por que um jornalista, poeta e crítico literário publicou um livro em 1911 para desancar um outro jornalista, poeta e crítico literário? Quais os motivos de tal empresa? Batalhas por posições na carreira intelectual e por valores estéticos e razões políticas? Provavelmente tudo ao mesmo tempo. O valor do livro de Aristeu Seixas tem lastro nestas questões, ou melhor, mais nas questões que levanta sobre os motivos pelos quais publicou tal obra do que pelos argumentos sobre poesia que traz em seu bojo. Procurarei trabalhar com os dois fios interligados.

Como acredito que Aristeu é um motivo fundador (ou um dos motivos) para o elogio da mediocridade de Amadeu inicio tentando obter do leitor a aprovação desta hipótese. Segundo Aristeu o poeta Amadeu Amaral estava atrás do seu tempo, atrasado em relação à contemporânea poética do Parnaso:

Debalde os poetas secundários de hoje procuram disfarçar a mediocridade dos seus surtos com o murmúrio das queixas e a histeria dos soluços, porque já ninguém os toma ao sério. À multidão de leitoras cloróticas que outrora se deliciavam com os versejadores enfezados, sucedeu a falange austera e forte dos que vêm na poesia moderna não o produto do raquitismo de uma geração que periclitava nos despenhadeiros do sentimentalismo, mas a revelação de uma arte tanto mais pura e nobre e suavizadora quanto representa o grau de adiantamento intelectual de uma raça.

Talvez Amadeu tenha se sentido menos agredido pela alusão à sua poesia como romântica e à sua condição de poeta como secundária e de tonalidade medíocre do que à alusão de que os seus leitores não existem, pois estes não se definem mais como mulheres cloróticas em busca de sentimentalismos, mas como seres pujantes e representantes duma nova etapa na evolução da raça (humana ou brasileira, deixo a dúvida). Foi provavelmente deste tipo de provocação e de todo o cenário letrado no qual vivia que Amadeu inspirou-se para demonstrar que a mediocridade é parte constituinte, fundamental e um dos motores da evolução da literatura.  Significativo então que o autor tenha esperado para publicá-lo na    Revista do Brasil, periódico que procurava inaugurar justamente uma nova etapa nos debates sobre os rumos do país no concerto geral do desenvolvimento das nações. Significativo ainda que a resposta venha do interior de publicação alicerçada no grupo empresarial do OESP, órgão forte na época e também cobiçado e invejado pelos escritores (aguarde o próximo tópico que exemplifico melhor).

Agora também é possível entender por que Amadeu defende a mediocridade dos círculos de elogios mútuos entre escritores ao afirmar que apenas os fracos e sem talento algum (nem o mínimo medíocre) se deixam levar por tais momentos. Noutro trecho do livreto Aristeu Seixas se insurge exatamente contra o círculo habitado por Amadeu: Não será com o nosso aplauso que se criam em S. Paulo panelinhas de elogios mútuos. Para opor-lhes resistência aqui estaremos em linha de combate, sem receio de ficarmos isolado [sic]. Há de haver quem pense, como nós, que o renome não se conquista elogiando, mas trabalhando.

Aristeu Seixas critica os elogios ganhos por Amadeu quando da publicação de Névoa, o seu segundo livro de poesias que veio a lume em fins do ano de 1910. O livro recebeu críticas favoráveis de figuras como Wenceslau de Queirós (jurista, crítico e poeta), Manuel Carlos (amigo íntimo de Vicente de Carvalho, jurista e crítico), Vicente de Carvalho e Valdomiro Silveira (o conhecido escritor regionalista). Segundo Aristeu a roda de elogios entre Vicente, Valdomiro e Amadeu publicava textos nos quais o primeiro declinava Valdomiro como “príncipe da prosa brasileira” que, por sua vez, intitulava Amadeu como “o maior poeta sul-americano”. Outro motivo possível à revolta de Aristeu seja o de ele não ter sido convidado ao banquete oferecido em homenagem ao autor de Névoa no Parque Antártica, evento do qual Vicente de Carvalho foi o orador. Ou ainda talvez por ter publicado em 1909 um livro de versos - Epitalâmio - e provavelmente não ter conquistado a mesma recepção ou elogios - hipótese que não consegui rastrear.

Os pressupostos de Aristeu Seixas revelam um atilado e extremo crítico parnasiano e racionalista, ao ponto mesmo de cobrar coerência científica em metáforas alusivas à natureza. Ele diz que o seu modo de conceber a Arte provém de Zola, no sentido de uma seleção da Natureza e da Criação, donde o poeta é aquele capaz de exprimir tal Natureza através da descrição de suas características com o filtro do seu temperamento.

Pressupostos novos na arte que derrubam o Romantismo e, por conseguinte, a Névoa ao redor do livro de Amadeu. Aristeu Seixas chega a afirmar que o autor do livro (...) não teve a intenção de fazer arte quando compôs a Névoa. Um poeta que só escreve o que lhe dita o coração (...) arrisca-se à temerária empresa de dar ao público coisas muito sentidas, mas sem essa beleza (...). O autor não foi procurar na Natureza o que ela de mais belo ostenta, para cantar em versos. Não. Cumpriu cegamente as ordens do coração, nem se quer tendo querido seletar-lhe os ímpetos.

E arremata o seu juízo defendendo que “É mister não separar o sentimento, que tem a sua fonte no coração, do discernimento, que se origina puramente do cérebro.” Então segundo Aristeu o livro de Amadeu foi escrito sem o uso da faculdade do raciocínio. Exprime tão somente alguns estados da alma exclusivamente tristes. Revela que Amadeu Amaral é um fraco que desistiu das lutas da vida e se fechou numa tristeza que reflete, assim, sua única virtude, a bondade – de não fazer mal a ninguém. Aristeu vai da página 19 a 33 demonstrando passagens de UrzesNévoa pontuadas por palavras que expressam a melancolia romântica. Difícil entender então o porquê de Aristeu ter atacado um poeta tão fraco e triste. Até mesmo por ser pessoa que nem conhece pessoalmente, mas apenas pela sua reputação de “raros dotes intelectuais” e pelos “seus versos e (...) uma finas crônicas estampadas em jornais.” Como fatura do livro de Aristeu Seixas ainda restam duas perguntas. A primeira interroga qual sentido que Um Poeta teria como exemplo de trabalho crítico. Pois logo à sua entrada encontra-se Amadeu como poeta romântico para, logo após, analisar a sua forma poética atendo-se fielmente às convenções do Parnaso. Atalho ou caminho equivocado que, em hipótese, Amadeu Amaral deixou registrado no  elogio quando afirmou a ênfase do crítico numa única verdade estética fundada no par Beleza e Perfeição auferidas por algum gênio que almeja a glória com a sua obra.  Mas talvez esta primeira pergunta seja a resposta da segunda interrogação: não teria Aristeu Seixas objetivado o livro como modo de tornar Amadeu Amaral (exemplo de jornalista e poeta em ascensão ligado ao círculo do OESP) um medíocre mediador para o seu verdadeiro antagonista: Vicente de Carvalho? Vou descrever parte desta história apenas para fechar minha argumentação, isto é, para seguir tentando provar uma das gêneses do elogio da mediocridade.

A APL como idéia teve nascimento na cabeça de um médico: J.J. de Carvalho. Da idéia à divulgação foram surgindo alguns elementos do seu projeto dos quais desagradavam àqueles que porventura teriam condições de pleitearem vaga na imortalidade paulista. A questão central era a composição da APL não somente com literatos, mas com paulistas ilustres em diferentes áreas como medicina, direito, política e engenharia. Derivavam ainda questões relativas ao número de cadeiras e à permissão ou não de membros já laureados com a imortalidade da ABL. O fogo começou a aumentar quando um amigo de Amadeu, Roberto Moreira (jornalista, jurista e político), rebelou-se contra esta iniciativa e principiou polêmica que se estendeu entre 1907 e 1909 ou mesmo 1911 e foi tomando como título “academia paulista de medicina” e “academia de poucas letras”.

De um lado estava J.J. de Carvalho escrevendo no Correio Paulistano e, do outro, como representante maior Vicente de Carvalho publicando no OESP. Da peleja entre os dois Carvalhos foi-se fundando efetivamente a APL entre 1907 e 1909 com composição mista entre literatos e figuras eminentes do universo paulista.  No interior deste cenário Amadeu Amaral, no momento jornalista do Comércio de São Paulo, recém retornado à capital do estado após passagem de poucos frutos por São Carlos entre 1905 e 1907 (aonde participou de um jornal local, fundou uma vila para leprosos e tentou empreender um colégio) buscou contemplar os dois lados da contenda mediando as polêmicas e incentivando a criação da APL. Sua atuação, bem como sua vida de jornalista e poeta (à época com uma única obra publicada) permitiu o seu ingresso na instituição na cadeira cujo patrono escolhido foi Teófilo Dias.  Mas da inauguração em 1909 estava de fora Vicente de Carvalho, seja devido à polêmica, seja devido à questão do ingresso ou não de imortais da ABL na APL. Vicente não gostou de ser deixado de fora da composição da APL e chegou mesmo a ir à solenidade de sua inauguração no Conservatório munido de um livro ou folheto que distribuía como presente aos convidados que penetravam no recinto e cujo conteúdo compõe parte das lacunas desta história.

Tal disputa entre os dois Carvalhos perdurou até 1911 quando finalmente Vicente ingressa na imortalidade paulista após a morte do Dr. Rafael Correia da Silva. A disputa foi acirrada, pois J.J.de Carvalho escolheu para o pleito um adversário à altura de Vicente: Aristeu Seixas. Deixo e resto da história ao documento:

Essa guerra civil do espírito só terminou dois anos depois com o congraçamento dos beligerantes, conquanto a animosidade do Dr. J.J. de Carvalho atingisse o apogeu na campanha eleitoral para o preenchimento da vaga de Rafael Correia em 1911. Informa-nos Ulissses Paranhos que o velho Carvalho deu pulos desta altura, quando soube da pretensão do poeta Vicente, e apressou-se em escolher um concorrente de prestígio e que se dispusesse a disputar a mesma láurea: o poeta Aristeu Seixas, que, havia muito, sustentava polêmica pelos jornais com Vicente de Carvalho, por motivo da recente publicação do livro Névoa, de Amadeu Amaral. Que o pleito foi renhido, comprova-o o fato de Vicente de Carvalho haver ganho a eleição apenas por um voto.

Retifiquemos. Foi esse o resultado anunciado após a primeira contagem de votos, e que ainda hoje se repete. Mas, logo a seguir, numa revisão que se impunha, foram anulados três votos dados a Aristeu Seixas, por serem em duplicado. Vicente de Carvalho ganhou a partida por quatro votos.

Essa vitória de um dos Carvalhos marcou também o fim da rivalidade entre ambos. Vencendo-se a si mesmo, o Dr. Carvalho sobrepôs-se a suas birras e conduziu o pleito, na fase final da apuração, com a melhor isenção de ânimo, para congratular-se com o poeta santista (...) pela sua merecida vitória.

Mais adiante veremos como Vicente de Carvalho não foi menos elegante com o poeta Aristeu Seixas, seu antagonista lá fora e concorrente de temer na presente conjuntura, quando da entrada deste, algum tempo depois, para a Academia Paulista: por intermédio de Spencer Vampré, ofereceu-se para saúda-lo na sua posse, a melhor maneira, segundo dizia, de “acabarem com aquilo”.

Apesar do documento afirmar que a polêmica Aristeu-Vicente sobre Amadeu fora anterior à batalha na APL é possível entender que Aristeu fazia parte do grupo de J.J. de Carvalho e tinha então motivação e gosto apurado para enfrentá-lo (pois apesar de anotar que Aristeu já vinha polemizando com Vicente o documento também alude ao livro de Amadeu como “recente”). É ainda possível conjecturar que Aristeu já estava nos planos de J.J. de Carvalho como candidato à APL como arma quando Vicente se dispusesse nalgum momento a pleitear uma vaga. Daí para a provocação e medida de forças tendo Amadeu Amaral e sua Névoa como mediadores era um passo que as datas propiciam: Amadeu publica ao final de 1910. No mesmo ano há a comemoração do livro e a publicação dos elogios mútuos. No final de 1910 e início de 1911 Aristeu Seixas redige seu opúsculo de crítica a Amadeu e Vicente de Carvalho. Logo depois, com a morte do Dr. Rafael Correia (talvez anunciada por tempo razoável à elaboração destas manobras se este ficou em leito de morte) o cenário estava preparado para a concretização eleitoral da disputa entre os dois círculos: J.J. de Carvalho, Aristeu Seixas, Correio Paulistano vs. Vicente de Carvalho, Amadeu Amaral e OESP. Neste viés o livro soa menos como crítica a Amadeu Amaral do que como um dos capítulos finais, grunhidos e talvez ressentidos das medíocres disputas para a efetivação da APL entre os anos de 1907 e 1909. E por falar em elogio da mediocridade, não é à toa que Amadeu o encerra solicitando ao missivista que respeite e deixe de lado os medíocres para ir direto aos grandes. Seria uma alusão à percepção de que ele sabia que foi sondado criticamente tão somente para servir de medíocre mediador entre a contenda do criticastro que o desancava e do poetastro que o apoiava? O caminho que V. deve tomar é outro. Deixe os medíocres em paz, e vá direto aos grandes. Com eles é que o meu amigo deve medir forças. Trate de ser alto e forte com eles, e renuncie a esse trabalho infrutífero e triste de remexer miçangas e alfinetes, acocorado numa esteira.


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Fonte:
Ricardo Vidal Golovaty: “O elogio da mediocridade: percursos de Amadeu Amaral”: (Tese de doutoramento apresentada às professoras doutoras Jacy Alves de Seixas (orientadora, UFU), Joana Muylaert de Araújo (UFU), Josianne Francia Cerasoli (UFU), Maria Stella Martins Bresciani (UNICAMP/SP) e Virgínia Célia Camilotti (UNIMEP/SP) como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em História Social, pelo Programa de Pós-Graduação em História, do Instituto de História, da Universidade Federal de Uberlândia). Uberlândia, 2010. Disponível em: http://repositorio.ufu.br/

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