Para baixar este livro gratuitamente em formato PDF, acessar o
site do “Projeto Livro Livre”: http://www.projetolivrolivre.com/
(Download)
↓
(Download)
↓
Os livros estão em ordem alfabética: AUTOR/TÍTULO (coluna à
esquerda) e TÍTULO/AUTOR (coluna à direita).
Salve em seu computador ou e-book
---
Um medíocre mediador
Por que um jornalista,
poeta e crítico literário publicou um livro em 1911 para desancar um outro
jornalista, poeta e crítico literário? Quais os motivos de tal empresa? Batalhas
por posições na carreira intelectual e por valores estéticos e razões
políticas? Provavelmente tudo
ao mesmo tempo. O valor do livro de Aristeu Seixas tem lastro nestas questões, ou melhor, mais nas questões que levanta
sobre os motivos pelos quais publicou tal obra do que pelos argumentos sobre
poesia que traz em seu bojo. Procurarei trabalhar com os dois fios
interligados.
Como acredito que Aristeu é
um motivo fundador (ou um dos motivos) para o elogio da mediocridade de Amadeu
inicio tentando obter do leitor a aprovação desta hipótese. Segundo Aristeu o
poeta Amadeu Amaral estava atrás do seu tempo, atrasado em relação à
contemporânea poética do Parnaso:
Debalde os
poetas secundários de hoje procuram disfarçar a mediocridade dos seus surtos
com o murmúrio das queixas e a histeria dos soluços, porque já ninguém os toma
ao sério. À multidão de leitoras cloróticas que outrora se deliciavam com os
versejadores enfezados, sucedeu a falange austera e forte dos que vêm na poesia
moderna não o produto do raquitismo de uma geração que periclitava nos
despenhadeiros do sentimentalismo, mas a revelação de uma arte tanto mais pura e nobre e suavizadora
quanto representa o grau de adiantamento
intelectual de uma raça.
Talvez Amadeu tenha se
sentido menos agredido pela alusão à sua poesia como romântica e à sua condição
de poeta como secundária e de tonalidade medíocre do que à alusão de que os
seus leitores não existem, pois estes não se definem mais como mulheres
cloróticas em busca de sentimentalismos, mas como seres pujantes e representantes
duma nova etapa na evolução da raça (humana ou brasileira, deixo a dúvida). Foi
provavelmente deste tipo de provocação e de todo o cenário letrado no qual vivia
que Amadeu inspirou-se para demonstrar que a mediocridade é parte constituinte,
fundamental e um dos motores da evolução da literatura. Significativo então que o autor tenha esperado para publicá-lo na Revista do Brasil, periódico que
procurava inaugurar justamente uma nova etapa nos debates sobre os rumos do
país no concerto geral do desenvolvimento das nações. Significativo ainda que a resposta venha do interior de publicação alicerçada
no grupo empresarial do OESP, órgão forte na época e também cobiçado e invejado
pelos escritores (aguarde o próximo tópico que exemplifico melhor).
Agora também é possível
entender por que Amadeu defende a mediocridade dos círculos de elogios mútuos
entre escritores ao afirmar que apenas os fracos e sem talento algum (nem o
mínimo medíocre) se deixam levar por tais momentos. Noutro trecho do livreto
Aristeu Seixas se insurge exatamente contra o círculo habitado por Amadeu: Não será com o nosso aplauso que se criam
em S. Paulo panelinhas de elogios mútuos. Para opor-lhes resistência
aqui estaremos em linha de combate, sem receio de ficarmos isolado [sic]. Há de
haver quem pense, como nós, que o renome não se conquista elogiando, mas trabalhando.
Aristeu Seixas critica os
elogios ganhos por Amadeu quando da publicação de Névoa, o seu segundo
livro de poesias que veio a lume em fins do ano de 1910. O livro recebeu
críticas favoráveis de figuras como Wenceslau de Queirós (jurista, crítico e poeta),
Manuel Carlos (amigo íntimo de Vicente de Carvalho, jurista e crítico), Vicente
de Carvalho e Valdomiro Silveira (o conhecido escritor regionalista). Segundo
Aristeu a roda de elogios entre Vicente, Valdomiro e Amadeu publicava textos
nos quais o primeiro declinava Valdomiro como “príncipe da prosa brasileira”
que, por sua vez, intitulava Amadeu como “o maior poeta sul-americano”.
Outro motivo possível à revolta de Aristeu seja o de ele não ter sido convidado
ao banquete oferecido em homenagem ao autor de Névoa
no Parque Antártica, evento do qual Vicente de Carvalho foi o orador. Ou ainda
talvez por ter publicado em 1909 um livro de versos - Epitalâmio - e
provavelmente não ter conquistado a mesma recepção ou elogios - hipótese que
não consegui rastrear.
Os pressupostos de Aristeu
Seixas revelam um atilado e extremo crítico parnasiano e racionalista, ao ponto
mesmo de cobrar coerência científica em metáforas alusivas à natureza. Ele diz
que o seu modo de conceber a Arte provém de Zola, no sentido de uma seleção da
Natureza e da Criação, donde o poeta é aquele capaz de exprimir tal Natureza
através da descrição de suas características com o filtro do seu temperamento.
Pressupostos novos na arte
que derrubam o Romantismo e, por conseguinte, a Névoa ao redor do livro
de Amadeu. Aristeu Seixas chega a afirmar que o autor do livro (...) não teve a intenção de fazer arte
quando compôs a Névoa. Um poeta que só escreve o que lhe dita o coração
(...) arrisca-se à temerária empresa de dar ao público coisas muito sentidas,
mas sem essa beleza (...). O autor não foi procurar na Natureza o que ela de mais
belo ostenta, para cantar em versos. Não. Cumpriu cegamente as ordens do
coração, nem se quer tendo querido seletar-lhe os ímpetos.
E arremata o seu juízo
defendendo que “É mister não separar o sentimento, que tem a sua fonte no
coração, do discernimento, que se origina puramente do cérebro.” Então
segundo Aristeu o livro de Amadeu foi escrito sem o uso da faculdade do raciocínio.
Exprime tão somente alguns estados da alma exclusivamente tristes. Revela que
Amadeu Amaral é um fraco que desistiu das lutas da vida e se fechou numa
tristeza que reflete, assim, sua única virtude, a bondade – de não fazer mal a
ninguém. Aristeu vai da página 19
a 33 demonstrando passagens de Urzes e Névoa
pontuadas por palavras que expressam a melancolia romântica. Difícil entender
então o porquê de Aristeu ter
atacado um poeta tão fraco e triste. Até mesmo por ser pessoa que nem conhece pessoalmente, mas apenas pela sua reputação de “raros
dotes intelectuais” e pelos “seus versos e (...) uma finas crônicas
estampadas em jornais.” Como
fatura do livro de Aristeu Seixas ainda restam duas perguntas. A primeira interroga qual sentido que Um Poeta teria como
exemplo de trabalho crítico. Pois logo à sua entrada encontra-se Amadeu como
poeta romântico para, logo após, analisar a sua forma poética atendo-se
fielmente às convenções do Parnaso. Atalho ou caminho equivocado que, em
hipótese, Amadeu Amaral deixou registrado no elogio
quando afirmou a ênfase do crítico numa única verdade estética fundada no par
Beleza e Perfeição auferidas por algum gênio que almeja a glória com a sua
obra. Mas talvez esta primeira pergunta
seja a resposta da segunda interrogação: não teria Aristeu Seixas objetivado o
livro como modo de tornar Amadeu Amaral (exemplo de jornalista e poeta em
ascensão ligado ao círculo do OESP) um medíocre mediador para o seu verdadeiro
antagonista: Vicente de Carvalho? Vou descrever parte desta história apenas
para fechar minha argumentação, isto é, para seguir tentando provar uma das
gêneses do elogio da mediocridade.
A APL como idéia teve
nascimento na cabeça de um médico: J.J. de Carvalho. Da idéia à divulgação
foram surgindo alguns elementos do seu projeto dos quais desagradavam àqueles
que porventura teriam condições de pleitearem vaga na imortalidade paulista. A
questão central era a composição da APL não somente com literatos, mas com
paulistas ilustres em diferentes áreas como medicina, direito, política e
engenharia. Derivavam ainda questões relativas ao número de cadeiras e à
permissão ou não de membros já laureados com a imortalidade da ABL. O fogo
começou a aumentar quando um amigo de Amadeu, Roberto Moreira (jornalista,
jurista e político), rebelou-se contra esta iniciativa e principiou polêmica
que se estendeu entre 1907 e 1909 ou mesmo 1911 e foi tomando como título “academia
paulista de medicina” e “academia de poucas letras”.
De um lado estava J.J. de
Carvalho escrevendo no Correio Paulistano e, do outro, como
representante maior Vicente de Carvalho publicando no OESP. Da peleja entre os
dois Carvalhos foi-se fundando efetivamente a APL entre 1907 e 1909 com composição
mista entre literatos e figuras eminentes do universo paulista. No interior deste cenário Amadeu Amaral, no
momento jornalista do Comércio de São Paulo, recém retornado à capital
do estado após passagem de poucos frutos por São Carlos entre 1905 e 1907
(aonde participou de um jornal local, fundou uma vila para leprosos e tentou
empreender um colégio) buscou contemplar os dois lados da contenda mediando as
polêmicas e incentivando a criação da APL. Sua atuação, bem como sua vida de
jornalista e poeta (à época com uma única obra publicada) permitiu o seu ingresso
na instituição na cadeira cujo patrono escolhido foi Teófilo Dias. Mas da inauguração em 1909 estava de fora
Vicente de Carvalho, seja devido à polêmica, seja devido à questão do ingresso
ou não de imortais da ABL na APL. Vicente não gostou de ser deixado de fora da
composição da APL e chegou mesmo a ir à solenidade de sua inauguração no
Conservatório munido de um livro ou folheto que distribuía como presente aos
convidados que penetravam no recinto e cujo conteúdo compõe parte das lacunas
desta história.
Tal disputa entre os dois
Carvalhos perdurou até 1911 quando finalmente Vicente ingressa na imortalidade
paulista após a morte do Dr. Rafael Correia da Silva. A disputa foi acirrada,
pois J.J.de Carvalho escolheu para o pleito um adversário à altura de Vicente:
Aristeu Seixas. Deixo e resto da história ao documento:
Essa
guerra civil do espírito só terminou dois anos depois com o congraçamento dos beligerantes, conquanto
a animosidade do Dr. J.J. de Carvalho atingisse o apogeu na campanha eleitoral para
o preenchimento da vaga de Rafael Correia em 1911. Informa-nos Ulissses
Paranhos que o velho Carvalho deu pulos desta altura, quando soube da pretensão
do poeta Vicente, e apressou-se em escolher um concorrente de prestígio e que
se dispusesse a disputar a mesma láurea: o poeta Aristeu Seixas, que, havia
muito, sustentava polêmica
pelos jornais com Vicente de Carvalho, por motivo da recente publicação do livro Névoa, de
Amadeu Amaral. Que o pleito foi
renhido, comprova-o o fato de Vicente de Carvalho haver ganho a eleição apenas por um voto.
Retifiquemos.
Foi esse o resultado anunciado após a primeira contagem de votos, e que ainda
hoje se repete. Mas, logo a seguir, numa revisão que se impunha, foram anulados
três votos dados a Aristeu Seixas, por serem em duplicado. Vicente de Carvalho
ganhou a partida por quatro votos.
Essa
vitória de um dos Carvalhos marcou também o fim da rivalidade entre ambos.
Vencendo-se a si mesmo, o Dr. Carvalho sobrepôs-se a suas birras e conduziu o
pleito, na fase final da apuração, com a melhor isenção de ânimo, para
congratular-se com o poeta santista (...) pela sua merecida vitória.
Mais
adiante veremos como Vicente de Carvalho não foi menos elegante com o poeta
Aristeu Seixas, seu antagonista lá fora e concorrente de temer na presente
conjuntura, quando da entrada deste, algum tempo depois, para a Academia
Paulista: por intermédio de Spencer Vampré, ofereceu-se para saúda-lo na sua
posse, a melhor maneira, segundo dizia, de “acabarem com aquilo”.
Apesar do documento afirmar
que a polêmica Aristeu-Vicente sobre Amadeu fora anterior à batalha na APL é
possível entender que Aristeu fazia parte do grupo de J.J. de Carvalho e tinha
então motivação e gosto apurado para enfrentá-lo (pois apesar de anotar que
Aristeu já vinha polemizando com Vicente o documento também alude ao livro de
Amadeu como “recente”). É ainda possível conjecturar que Aristeu já estava nos
planos de J.J. de Carvalho como candidato à APL como arma quando Vicente se dispusesse nalgum momento a pleitear uma
vaga. Daí para a provocação e medida de forças
tendo Amadeu Amaral e sua Névoa como mediadores era um passo que as
datas propiciam: Amadeu publica ao final de 1910. No mesmo ano há a comemoração
do livro e a publicação dos elogios mútuos. No final de 1910 e início de 1911
Aristeu Seixas redige seu opúsculo de crítica a Amadeu e Vicente de Carvalho.
Logo depois, com a morte do
Dr. Rafael Correia (talvez anunciada por tempo razoável à elaboração destas manobras se este ficou em leito de morte) o cenário
estava preparado para a concretização eleitoral da disputa entre os dois
círculos: J.J. de Carvalho, Aristeu Seixas, Correio Paulistano vs.
Vicente de Carvalho, Amadeu Amaral e OESP. Neste viés o livro soa menos como
crítica a Amadeu Amaral do que como um dos capítulos finais, grunhidos e talvez
ressentidos das medíocres disputas para a efetivação da APL entre os anos de
1907 e 1909. E por falar em elogio da mediocridade, não é à toa que Amadeu o
encerra solicitando ao missivista que respeite e deixe de lado os medíocres para ir direto aos grandes.
Seria uma alusão à percepção de que ele sabia que foi sondado criticamente tão
somente para servir de medíocre mediador entre a contenda do criticastro que o desancava e do poetastro que o apoiava? O caminho que V. deve tomar é outro. Deixe
os medíocres em paz, e vá direto aos grandes. Com eles é que o meu amigo deve
medir forças. Trate de ser alto e forte com eles, e renuncie a esse trabalho infrutífero
e triste de remexer miçangas e alfinetes, acocorado numa esteira.
---
Fonte:
Ricardo Vidal Golovaty: “O elogio da mediocridade: percursos de Amadeu Amaral”: (Tese de doutoramento apresentada às professoras doutoras Jacy Alves de Seixas (orientadora, UFU), Joana Muylaert de Araújo (UFU), Josianne Francia Cerasoli (UFU), Maria Stella Martins Bresciani (UNICAMP/SP) e Virgínia Célia Camilotti (UNIMEP/SP) como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em História Social, pelo Programa de Pós-Graduação em História, do Instituto de História, da Universidade Federal de Uberlândia). Uberlândia, 2010. Disponível em: http://repositorio.ufu.br/
Fonte:
Ricardo Vidal Golovaty: “O elogio da mediocridade: percursos de Amadeu Amaral”: (Tese de doutoramento apresentada às professoras doutoras Jacy Alves de Seixas (orientadora, UFU), Joana Muylaert de Araújo (UFU), Josianne Francia Cerasoli (UFU), Maria Stella Martins Bresciani (UNICAMP/SP) e Virgínia Célia Camilotti (UNIMEP/SP) como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em História Social, pelo Programa de Pós-Graduação em História, do Instituto de História, da Universidade Federal de Uberlândia). Uberlândia, 2010. Disponível em: http://repositorio.ufu.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário