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A
composição estética de A
intrusa
A intrusa,
assim como boa parte dos romances do século XIX e início do século XX,
apresenta um narrador onisciente de terceira pessoa, apesar de no primeiro capítulo da obra termos a impressão de que ela inicia-se sem
a presença de um narrador a conduzir as ações e os personagens, como
se a história narrasse a si própria, visto que somos postos, de
imediato, diante da fala dos personagens:
– Que temporal!
– E um friozinho! Conhecem vocês
nada mais gostoso do que ouvir- se o barulho da chuva quando se está
agasalhado? Eu estou me regalando...
– Sempre o mesmo egoísta! Como estás
em tua casa... mas... desalmado, lembra-te de nós! São quase horas de me ir
recolhendo aos meus penates. E ali o padre Assunção, caso não fique pelo caminho,
terá também que marchar um bom pedaço a pé. Ao Teles, esse o bonde leva-o até o
quarto de dormir! Nasceu empelicado (ALMEIDA, 1994, p.03).
Com essa abertura em forma de diálogo, tem-se a
impressão de que a trama romanesca irá se desenvolver
à revelia de um narrador, permitindo-se, assim, que o leitor tenha acesso apenas
ao que as personagens falam ou fazem. Todavia, embora, conforme Kayser (1976),
no século XVIII, tenham sido compostos romances completamente dialogados, essa técnica,
fenômeno típico de apresentação dramática, é dificilmente sustentável em textos
longos. Em virtude disso, talvez, em lugar desse narrador em modo dramático,
segue- se um narrador onisciente que, ainda no primeiro capítulo, emerge logo
após o diálogo transcrito anteriormente:
Por essa feia noite de chuva,
conversam em casa do advogado Argemiro Cláudio, no Cosme Velho, o seu grande
amigo padre Assunção, o deputado Armindo Teles e o Adolfo Caldas, homem de quarenta
anos, sem profissão determinada, mas muito bem aceito nas rodas políticas e
literárias, que frequentava assiduamente. Tinham jantado tarde, fumavam agora
na biblioteca de Argemiro, sentados à mesa do pôquer.
Menos por virtude que por começo,
padre Assunção não quisera tomar parte no jogo e andava pela sala sacudindo o
pano da batina a cada impulso das suas largas passadas. Era alto, magro
anguloso, de uma cor pálida; e nas suas feições acentuadas, em que melhor condiria
o sarcasmo, havia uma tal expressão de candura (…) (ALMEIDA,
1994, p.03).
Se o início do romance em análise é
marcado pelo contato direto entre o leitor e o universo ficcional, o narrador,
como mostra o excerto acima, assume a posição de intermediário entre o narratário
e o que acontece na narrativa e com os personagens. Sob esse aspecto, A intrusa é um romance construído a partir
da presença/ausência do narrador e a partir da acentuada recorrência de diálogos,
momento em que o narrador se ausenta da história por algum tempo. Apesar da existência
de momentos em que o narrador desaparece para nos colocar diante do que os
personagens falam ou pensam e em virtude de ser quase impossível manter a ação
romanesca sustentada apenas pela força de diálogos, o que vai predominar na
condução da ação no romance em análise é a presença de um narrador demiurgo que
dispõe de liberdade para narrar à vontade, para colocar-se acima dos fatos
narrados, adotando, portanto, um ponto de vista divino, já que ele não só “tudo conhece da história
(...) mas também tudo pode
esquadrinhar, inclusive a vida mental das personagens”. (MOISÉS, 2004, p. 411).
Aliás, a relevância da existência da focalização ou do ponto
de vista como componente estrutural está no fato de que, mediante o foco
narrativo, é possível perceber
“as relações que o narrador mantém com o universo diegético
e também com o narratário, o que equivale a dizer que representa um fator de primordial relevância na
constituição do discurso narrativo” (AGUIAR e SILVA, 1979, p. 319). Em A intrusa, é pelas palavras do narrador,
pelos seus pensamentos e sensações que somos guiados e levados à descrição dos personagens,
dos ambientes e dos espaços ficcionais. Assim, tomando, como exemplo, o mesmo trecho
que consta na página anterior, o uso de adjetivos (feia, grande, largas,
pálida, acentuadas), de sintagmas nominais ou preposicionados (homem de
quarenta anos, sem profissão determinada), além da utilização da descrição de
personagens (Era alto, magro anguloso, de uma cor
pálida; e nas suas feições acentuadas, em que melhor condiria o sarcasmo, havia
uma tal expressão de candura) ou ambientes, nos revela a existência de um
narrador que se interpõe entre o narratário e a ação romanesca com mais liberdade, mais independência e mais autonomia, embora o faça de maneira
neutra, abstendo-se de intervir na história, procurando exilar-se em absoluto
da narrativa. Em outras palavras, em A intrusa, o narrador é marcado por uma presença discreta e, por meio do contar e do mostrar equilibrados,
ele dá-nos a impressão de que a narrativa desenvolve-se por si própria.
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Fonte:
Fonte:
Marcelo Medeiros da Silva: “Júlia
Lopes de Almeida e Carolina Nabuco: uma escrita bem-comportada?”. (Tese de
Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da
Paraíba, como requisito para a obtenção do grau de Doutor em Letras. Área de Concentração: Literatura e Cultura. Linha de
Pesquisa: Memória e Produção Cultural.
Orientadora: Profa.
Dra. Nadilza Martins de Barros Moreira). João Pessoa, 2011.
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