09/02/2014

Serões da Província (Contos), de Júlio Diniz

 Serões da Província, de Júlio Dinis
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As personagens femininas em Serões da Província


No que diz respeito à presença feminina em Serões da Província, afirma Liberto Cruz:

as mulheres sobressaem em todos estes romancezinhos. Mulheres que, pela força de carácter e pela firmeza de atitudes, se aproximam das heroínas dos romances – Pupilas, Uma Família Inglesa, Morgadinha, etc. Exibem, no entanto um arrebatamento, um ardor e um entusiasmo que Dinis nunca mais consentirá em lhes atribuir. (Cruz, 2002: 147)

Em «O Espólio do Senhor Cipriano», surge Maquelina, mulher humilde mas determinada que, aquando da morte do irmão, Cipriano Martins, o velho sovina, toma todas as medidas de modo a que se proceda ao enterro. De facto, apesar de todos suspeitarem que Cipriano era rico, na verdade, após a sua morte, a riqueza não aparecia e, desse modo, Maquelina teve de pedir às entidades locais que suportassem o custo do funeral, pois ela não tinha possibilidades financeiras para o fazer.

Assim, o leitor depara-se com uma mulher velha, pobre e sem educação, a quem um requerimento provoca temor. No entanto, simultaneamente, esta mulher simples revela-se um exemplo de rectidão, pois, apesar da sua idade avançada e das suas extremas dificuldades financeiras, não recusa auxiliar Agostinho, o seu afilhado, chegado do Brasil sem dinheiro. Maquelina não esquece as palavras proferidas no dia do baptismo de Agostinho, junto da pia baptismal, onde prometeu cuidar do afilhado, na ausência dos pais. A irmã de Cipriano Martins mostra, assim, ser «eminentemente escrupulosa em negócios de consciência» (Dinis, 2003: 115), e, além disso, ter «um coração farto para afeições e sentimento» (ibid. : 115). Preocupava-se de tal modo em cumprir as suas promessas que «o futuro de Agostinho era a ideia negra de Maquelina; como ela ficaria contente por morrer se não fora isso!» (ibid. : 116). Assim se revela o altruísmo desta mulher, sempre preocupada mais com os outros do que consigo própria, até à hora da morte.

Maquelina, uma mulher ignorante, «velha, caquéctica, esfomeada, agonizante» (ibid. : 119), morre na miséria quando tinha junto a si a riqueza que o irmão havia acumulado. Na verdade, «O Espólio do Senhor Cipriano» mostra uma «mulher diferente. Maquelina – mulher do povo – morre de fome enquanto vai queimando notas de banco, simplesmente porque seu avarento irmão – Cipriano Martins – a convencera de que eram papéis sem importância» (Cruz, 2002: 149).

O narrador define esta personagem feminina como uma «boa mulher» (Dinis, 2003: 115), uma «santa criatura» (ibid. : 119) e pede mesmo aos leitores que a desculpem e que não a olhem com maus olhos. De facto, Dinis parece nutrir pelas mulheres mais idosas um carinho muito especial. Como afirma Cecília Meireles: «as velhinhas, com que ternura as retrata a sua pena» (Meireles, 1940: 41).

Apesar de tudo, a narrativa tem um final que não deixa de ser feliz, pois Maquelina morre, mas «contente porque deixara rico o sobrinho e afilhado, único parente que possuía na terra» (Dinis, 2003: 119).

É de referir que nesta narrativa curta, do mesmo modo que nos seus romances, Dinis presume que são mulheres as leitoras dos seus textos, pois é às mulheres que ele se dirige: «tinha uns invejáveis nervos o Sr. Cipriano! A única das suas qualidades que lhe podiam invejar as leitoras» (ibid. : 108).

Em «Os Novelos da Tia Filomela», a personagem principal é uma mulher,

muito enrugada, muito magrinha, com uma coluna vertebral como a do homem das cortesias do método Castilho; queixo e nariz prolongando-se-lhe em promontórios agudos e a fazerem lembrar os crescentes sobre os minaretes das mesquitas; olhos abertos para o mundo, somente quanto bastava para lhe descobrir as vaidades, e a cabeça incessantemente animada por um movimento convulsivo, que, junto ao sorriso contínuo e quase irónico que se estampara nos lábios, dava à fisionomia de ordinário meditativa da velha não sei que vislumbre de filosofia céptica, que impressionava quantos a viam. (ibid. : 120)

Pobre e sem instrução, Filomela tem a característica particular de ser «olhada pelo povo como bruxa e cruelmente odiada» (ibid. : 151). No entanto, com a sua morte, conhece-se a história da sua vida e verifica-se que esta mulher é «um ente singular e tão digno de respeito e estima como de compaixão» (ibid. : 152).

Na verdade, esta narrativa breve é a história de uma mãe honesta e trabalhadora, cuja filha se apaixona por um rapaz de uma família rica e, um dia, acaba por abandonar o lar. De modo a «expiar o crime da filha, Filomela isola-se, acabando por ser acusada de praticante de feitiçaria, e recusa receber Margarida enquanto ela não se casar e regularizar a sua situação perante Deus e os homens» (Cruz, 2002: 149).


De facto, e  nas palavras do próprio narrador: «havia no carácter desta mulher um misto de firmeza e timidez notável» (Dinis, 2002: 159). E são as suas sólidas convicções que a conduzem à pobreza, solidão e discriminação. Após seis anos de uma vida longe de tudo e todos, «Filomela morre santamente e perdoa o pecado à filha» (Cruz, 2002: 149).

Margarida, a filha da tia Filomela, é «uma mulher elegante, distintamente vestida» (Dinis, 2003: 155), patenteando um rosto «verdadeiramente deslumbrante de beleza» (ibid. : 156). Esta jovem abandona a casa onde vive, com a mãe, para viver com um rapaz por quem se apaixona. Seis anos mais tarde, e já casada, reencontra a mãe, pouco após esta ter falecido. Sofre por não ver a mãe viva, mas sente algum reconforto no facto de a mãe a ter perdoado, antes de morrer. Já que a mãe recusou todo o dinheiro que lhe enviou, Margarida decide fazer-lhe umas exéquias solenes e distribuir o dinheiro acumulado pelos pobres da freguesia.

Luisita «era uma galante rapariga dos arredores» (ibid. : 121). Tinha dezoito anos e era «baixa, trigueira, de olhos negros e engraçados» (ibid. : 121), que chamava a atenção por onde quer que passasse. Descrita como simpática, era, no entanto, um «misto de ruindade e de candura, de timidez e de astúcia, carácter caprichoso e às vezes impertinente sobre um fundo de inexcedível bondade» (ibid. : 121). Estas características de Luisita eram do agrado do narrador participante que se declara «mais sujeito a ser impressionado por estes caracteres mistos de mulher e de anjo» (ibid. : 122). Assim, ao longo da narrativa, deparamo-nos com diálogos entre o narrador participante e Luisita que revelam uma espécie de enamoramento entre ambos. Apesar de Luisita ser uma jovem coscuvilheira e «espalhadeira de boatos sobre a pobre Filomena» (Meireles, 1940: 41), a sua curiosidade leva-a a acompanhar D. Margarida à casa de sua mãe, e a disponibilizar-se para passar a noite com a inconsolável filha, junto do corpo da mãe falecida. Nas palavras do narrador, «o bom coração de Luisita ganhara neste momento uma grande vitória sobre a sua má cabeça» (Dinis, 2203: 156). Assim, como passam a noite juntas, D. Margarida conta toda a história a Luisita e esta «um pouco por vontade de falar, um pouco com o desejo de desvanecer as más opiniões da aldeia a respeito da tia Filomela, pôs-se à obra, e dentro em pouco era facto de todos sabido» (ibid. : 160). Na verdade, o gosto de bisbilhotar de Luisita, que ajudou a espalhar o boato maléfico contra a tia Filomela, serviu, igualmente, para repor a verdade e contribuir para um final que, apesar de tudo, não deixa de ser feliz. Em «Uma Flor de entre o Gelo», Valentina, uma jovem de 20 anos, «de estatura esbeltamente elevada e de formas airosas» (ibid. : 172) desperta em Jacob Granada sentimentos nunca antes vividos pelo médico, de 60 anos. A sua beleza física, bem como a sua «índole essencialmente feminina» (ibid. : 173), permitiam-lhe que «se revoltasse contra a vontade despótica» (ibid. : 173) que o médico exercia sobre todos os seus doentes.

De facto, tal insubordinação por parte de um doente nunca antes havia sido experimentada, e tal feito só parecia ser possível graças aos sentimentos que Valentina despertou em Jacob Granada: paixão e amor. No entanto, o médico, consciente da diferença de idades, apesar de mudado com os sentimentos que o prendiam a Valentina, recusa-se a declarar o seu amor, para evitar ser exposto ao ridículo. Contudo, Valentina, jovem sonhadora, acredita ser o alvo de uma paixão de «algum pobre rapaz, entusiasta como um poeta, tímido como uma criança, mas de origem obscura» (ibid. : 181) que teme o apelido aristocrático da rapariga. E, assim, crendo estar apaixonada por um jovem que «deve ser belo» (ibid. : 181), incentiva-o a que se identifique. Apesar das hesitações, Jacob decide revelar-se a Valentina. Quando a jovem descobre ser o médico quem está apaixonado por ela, solta uma «gargalhada estridente, nervosa, prolongada» (ibid. : 184). Assim, «a jovem Valentina ri-se cruelmente da paixão do pobre Jacob Granada, e não só lhe recusa o seu amor como corta cerce todas as esperanças do médico judeu» (Cruz, 2002: 148). De facto, olhando o médico com comiseração, Valentina afirma: «a alma que eu ambicionava encontrar era decerto uma alma assim, mas… - acrescentou com uma expressão de semblante onde não pôde totalmente dissimular um reflexo de sorriso – cheguei…tarde, bem vê (Dinis, 2003:186). São estas últimas palavras que Jacob Granada repete, insistentemente, no hospital dos alienados onde acaba por residir, vítima desta paixão não correspondida.

Nesta narrativa, o narrador dirige-se ao leitor para anunciar o objectivo da história que ia apresentar: «se a conseguir narrar, sem que um sorriso, obedecendo a esse hábito, apareça nos lábios do leitor, terei realizado o meu principal intento» (ibid.: 163) e, mais à frente, após descrever o local onde teria lugar a acção, afirma: «por mais de um motivo se tomava pois curioso o lugar onde as exigências da narração me obrigaram a transportar imaginariamente o leitor» (ibid. : 167).


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Fonte:
Rosa Margarida Pinto Leite: “A narrativa breve de Júlio Dinis”. (Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Línguas, Literaturas e Culturas, realizada sob a orientação científica do Doutor António Manuel dos Santos Ferreira, Professor Associado com Agregação do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro). Universidade de Aveiro Departamento de Línguas e Culturas, Ano 2010.

Um comentário:

  1. ,julio dinis recorda me os anos em que no liceu era leitura obrigatoria nas saudosas aulas de Portugues ,ministradas pela dra Maria de Lourdes Patacho a professora que nunca esqueci !

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