Para baixar este livro gratuitamente em formato PDF, acessar o
site do “Projeto Livro Livre”: http://www.projetolivrolivre.com/
(Download)
↓
(Download)
↓
Os livros estão em ordem alfabética: AUTOR/TÍTULO (coluna à
esquerda) e TÍTULO/AUTOR (coluna à direita).
---
As personagens femininas em Serões
da Província
No que diz respeito à presença feminina em Serões da
Província, afirma Liberto Cruz:
as mulheres sobressaem em todos estes
romancezinhos. Mulheres que, pela força de carácter e pela firmeza de atitudes,
se aproximam das heroínas dos romances – Pupilas, Uma
Família Inglesa, Morgadinha, etc. Exibem, no
entanto um arrebatamento, um ardor e um entusiasmo que Dinis nunca mais
consentirá em lhes atribuir. (Cruz, 2002: 147)
Em «O Espólio do Senhor Cipriano», surge Maquelina, mulher
humilde mas determinada que, aquando da morte do irmão, Cipriano Martins, o
velho sovina, toma todas as medidas de modo a que se proceda ao enterro. De facto,
apesar de todos suspeitarem que Cipriano era rico, na verdade, após a sua
morte, a riqueza não aparecia e, desse modo, Maquelina teve de pedir às
entidades locais que suportassem o custo do funeral, pois ela não tinha
possibilidades financeiras para o fazer.
Assim, o leitor depara-se com uma mulher velha, pobre e sem
educação, a quem um requerimento provoca temor. No entanto, simultaneamente,
esta mulher simples revela-se um exemplo de rectidão, pois, apesar da sua idade
avançada e das suas extremas dificuldades financeiras, não recusa auxiliar
Agostinho, o seu afilhado, chegado do Brasil sem dinheiro. Maquelina não
esquece as palavras proferidas no dia do baptismo de Agostinho, junto da pia baptismal, onde prometeu cuidar do afilhado,
na ausência dos pais. A irmã de Cipriano Martins mostra, assim, ser «eminentemente
escrupulosa em negócios de consciência» (Dinis, 2003: 115), e,
além disso, ter «um coração farto para afeições e sentimento» (ibid. : 115).
Preocupava-se de tal modo em cumprir as suas promessas que «o futuro de
Agostinho era a ideia negra de Maquelina; como ela ficaria contente por morrer se não fora isso!» (ibid. : 116). Assim se revela o altruísmo
desta mulher, sempre preocupada mais com os outros do que consigo própria, até à
hora da morte.
Maquelina, uma mulher ignorante,
«velha, caquéctica, esfomeada, agonizante» (ibid. : 119), morre na miséria quando
tinha junto a si a riqueza que o irmão havia acumulado. Na verdade, «O Espólio
do Senhor Cipriano» mostra uma «mulher diferente. Maquelina – mulher do povo –
morre de fome enquanto vai queimando notas de banco, simplesmente porque seu avarento irmão – Cipriano Martins – a
convencera de que eram papéis sem importância» (Cruz, 2002: 149).
O narrador define esta personagem
feminina como uma «boa mulher» (Dinis, 2003: 115), uma «santa criatura» (ibid.
: 119) e pede mesmo aos leitores que a desculpem e que não a olhem com maus
olhos. De facto, Dinis parece nutrir pelas mulheres mais idosas um carinho
muito especial. Como afirma Cecília Meireles: «as velhinhas, com que ternura as
retrata
a sua pena» (Meireles, 1940: 41).
Apesar de tudo, a narrativa tem um
final que não deixa de ser feliz, pois Maquelina morre, mas «contente porque
deixara rico o sobrinho e afilhado, único parente que possuía na terra»
(Dinis, 2003: 119).
É de referir que nesta narrativa curta, do mesmo modo que nos
seus romances, Dinis presume que são mulheres as
leitoras dos seus textos, pois é às mulheres que ele se dirige: «tinha
uns invejáveis nervos o Sr. Cipriano! A única das suas qualidades que lhe podiam
invejar as leitoras» (ibid. : 108).
Em «Os Novelos da Tia Filomela», a personagem principal é
uma mulher,
muito enrugada, muito magrinha, com uma
coluna vertebral como a do homem das cortesias do método
Castilho; queixo e nariz prolongando-se-lhe em promontórios agudos e a fazerem
lembrar os crescentes sobre os minaretes das mesquitas; olhos abertos para o
mundo, somente quanto bastava para lhe descobrir as vaidades, e a cabeça
incessantemente animada por um movimento convulsivo, que, junto ao sorriso
contínuo e quase irónico que se estampara nos lábios, dava à fisionomia de
ordinário meditativa da velha não sei que vislumbre de filosofia céptica, que
impressionava quantos a viam. (ibid. : 120)
Pobre e sem instrução, Filomela tem a característica
particular de ser «olhada pelo povo como bruxa e cruelmente odiada» (ibid. :
151). No entanto, com a sua morte, conhece-se a história da sua vida e
verifica-se que esta mulher é «um ente singular e tão digno de respeito e
estima como de compaixão» (ibid. : 152).
Na verdade, esta narrativa breve é a história de uma mãe honesta
e trabalhadora, cuja filha se apaixona por um rapaz de uma família rica e, um
dia, acaba por abandonar o lar. De modo a «expiar o crime da filha, Filomela
isola-se, acabando por ser acusada de praticante de
feitiçaria, e recusa receber Margarida enquanto ela não se casar e regularizar a sua situação perante Deus e os homens» (Cruz, 2002:
149).
De facto, e nas palavras do próprio narrador: «havia no carácter desta mulher
um misto de firmeza e timidez notável» (Dinis, 2002: 159). E
são as suas sólidas convicções que a conduzem à pobreza, solidão e discriminação.
Após seis anos de uma vida longe de tudo e todos, «Filomela
morre santamente e perdoa o pecado à filha» (Cruz, 2002: 149).
Margarida, a filha da tia Filomela, é
«uma mulher elegante, distintamente vestida» (Dinis, 2003: 155), patenteando
um rosto «verdadeiramente deslumbrante de beleza» (ibid. : 156). Esta jovem
abandona a casa onde vive, com a mãe, para viver com um rapaz por quem se apaixona. Seis anos mais tarde, e já casada, reencontra a
mãe, pouco após esta ter falecido. Sofre por não ver a mãe viva, mas sente
algum reconforto no facto de a mãe a ter perdoado, antes de morrer. Já que a
mãe recusou todo o dinheiro que lhe enviou, Margarida decide fazer-lhe umas
exéquias solenes e distribuir o dinheiro acumulado pelos pobres da freguesia.
Luisita «era uma galante rapariga dos
arredores» (ibid. : 121). Tinha dezoito anos e era «baixa, trigueira, de olhos
negros e engraçados» (ibid. : 121), que chamava a atenção por onde quer que passasse. Descrita como simpática, era, no
entanto, um «misto de ruindade e de candura, de timidez e de astúcia, carácter
caprichoso e às vezes impertinente sobre um fundo de inexcedível bondade»
(ibid. : 121). Estas características de Luisita eram do agrado do narrador
participante que se declara «mais sujeito a ser impressionado por estes
caracteres mistos de mulher e de anjo» (ibid. : 122). Assim, ao longo da
narrativa, deparamo-nos com diálogos entre o narrador participante e Luisita
que revelam uma espécie de enamoramento entre ambos. Apesar de Luisita ser uma
jovem coscuvilheira e «espalhadeira de boatos sobre a pobre
Filomena» (Meireles, 1940: 41), a sua curiosidade leva-a a acompanhar D.
Margarida à casa de sua mãe, e a disponibilizar-se para passar a noite com a
inconsolável filha, junto do corpo da mãe falecida. Nas palavras do narrador, «o
bom coração de Luisita ganhara neste momento uma grande vitória sobre a sua má cabeça» (Dinis, 2203: 156). Assim, como passam a noite juntas, D.
Margarida conta toda a história a Luisita e esta «um pouco por vontade de falar,
um pouco com o desejo de desvanecer as más opiniões da aldeia a respeito da tia
Filomela, pôs-se à obra, e dentro em pouco era facto de todos
sabido» (ibid. : 160). Na verdade, o gosto de bisbilhotar de Luisita, que
ajudou a espalhar o boato maléfico contra a tia Filomela, serviu, igualmente, para repor a
verdade e contribuir para um final que, apesar de tudo, não deixa de ser feliz.
Em «Uma Flor de entre o Gelo», Valentina, uma jovem de 20
anos, «de estatura esbeltamente elevada e de formas airosas» (ibid. : 172)
desperta em Jacob Granada sentimentos nunca antes vividos pelo médico, de 60
anos. A sua beleza física, bem como a sua «índole essencialmente feminina» (ibid.
: 173), permitiam-lhe que «se revoltasse contra a vontade
despótica» (ibid. : 173) que o médico exercia sobre todos os seus doentes.
De facto, tal insubordinação por parte de um doente nunca
antes havia sido experimentada, e tal feito só parecia ser possível graças aos
sentimentos que Valentina despertou em Jacob Granada:
paixão e amor. No entanto, o médico, consciente da diferença de idades, apesar de mudado com
os sentimentos que o prendiam a Valentina, recusa-se a declarar o seu amor, para evitar ser exposto ao ridículo. Contudo, Valentina,
jovem sonhadora, acredita ser o alvo de uma paixão de «algum pobre rapaz,
entusiasta como um poeta, tímido como uma criança, mas de origem obscura» (ibid.
: 181) que teme o apelido aristocrático da rapariga. E, assim, crendo estar apaixonada
por um jovem que «deve ser belo» (ibid. : 181), incentiva-o a que se identifique.
Apesar das hesitações, Jacob decide revelar-se a Valentina. Quando a jovem
descobre ser o médico quem está apaixonado por ela, solta uma «gargalhada
estridente, nervosa, prolongada» (ibid. : 184). Assim, «a jovem Valentina ri-se
cruelmente da paixão do pobre Jacob Granada, e não só lhe recusa o seu amor
como corta cerce todas as esperanças do médico judeu» (Cruz, 2002: 148). De
facto, olhando o médico com comiseração, Valentina afirma: «a alma que eu
ambicionava encontrar era decerto uma alma assim, mas… - acrescentou com uma
expressão de semblante onde não pôde totalmente dissimular um reflexo de sorriso
– cheguei…tarde, bem vê (Dinis, 2003:186). São estas últimas palavras que Jacob
Granada repete, insistentemente, no hospital dos alienados onde acaba por
residir, vítima desta paixão não correspondida.
Nesta narrativa, o narrador dirige-se ao leitor para
anunciar o objectivo da história que ia apresentar: «se a conseguir narrar, sem
que um sorriso, obedecendo a esse hábito, apareça nos lábios do
leitor, terei realizado o meu principal intento» (ibid.: 163) e, mais à frente,
após descrever o local onde teria lugar a acção, afirma: «por mais de um motivo
se tomava
pois curioso o lugar onde as exigências da narração me obrigaram a transportar imaginariamente
o leitor» (ibid. : 167).
---
Fonte:
Rosa Margarida Pinto Leite: “A narrativa breve de Júlio Dinis”. (Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Línguas, Literaturas e Culturas, realizada sob a orientação científica do Doutor António Manuel dos Santos Ferreira, Professor Associado com Agregação do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro). Universidade de Aveiro Departamento de Línguas e Culturas, Ano 2010.
Fonte:
Rosa Margarida Pinto Leite: “A narrativa breve de Júlio Dinis”. (Dissertação apresentada à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Línguas, Literaturas e Culturas, realizada sob a orientação científica do Doutor António Manuel dos Santos Ferreira, Professor Associado com Agregação do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro). Universidade de Aveiro Departamento de Línguas e Culturas, Ano 2010.
,julio dinis recorda me os anos em que no liceu era leitura obrigatoria nas saudosas aulas de Portugues ,ministradas pela dra Maria de Lourdes Patacho a professora que nunca esqueci !
ResponderExcluir