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História e ficção em O Judeu
Em meados do século XX, O Judeu de Camilo Castelo Branco
veio a provocar certa confusão nos meios escolares portugueses, porque a obra fora
tomada por alguns professores como rigorosamente biográfica. Entretanto, hoje
não é difícil constatar que, depois da divulgação de informações biográficas sobre
Antônio José da Silva e das pesquisas de João Lúcio de
Azevedo – e, mais recentemente, do
professor português José Oliveira Barata e do jornalista brasileiro Alberto
Dines –, muitos dos fatos narrados por Camilo são oriundos de seu talento como
novelista e, portanto, não correspondem factualmente à vida do comediógrafo
luso-brasileiro. Possivelmente, nem terá sido esta a intenção de Camilo; afinal,
fica claro que as lacunas da vida do comediógrafo são preenchidas, nessa narrativa,
por permenores de ações e diálogos facilmente identificáveis como ficcionais.
No século XVII, Jean-Pierre Camus,
bispo de Belley, escrevia romances que misturavam acontecimentos verdadeiros e
fatos puramente ficcionais. A intenção de Camus, por incrível que pareça, era desestimular
a leitura de romances, que na época eram considerados contrários à moral e à
religião. Entretanto, por escrever justamente romances, Camus foi acusado da
mesma infração que ele tencionava combater com os seus livros. Por isso, em seu
texto Le Cleoreste, o autor defende o seu trabalho romanesco, argumentando
que, por mais que tenha inventado pequenos acontecimentos e situações em suas
obras, a verdade não saíra, por isso, distorcida; ao contrário, ela ficara
ainda mais clara e instrutiva para o leitor (Cf. CANDIDO, 1989).
Tal fato nos mostra que as discussões e
controvérsias acerca da relação entre verdade e ficção já existiam bem antes de
o romance se estabelecer como gênero “s rio” e alcançar seu atual status quo.
É possível que Camilo, em pleno século XIX, acreditasse piamente que, escrevendo
uma obra ficcional atravessada por diversos elementos históricos e biográficos,
ele não estivesse infringindo a verdade factual, nem que tal obra pudesse
suscitar alguma celeuma entre os leitores envolvendo a distinção entre o
verídico e o inventado. Camilo (1919), aliás, à página 126 do segundo volume d’ O Judeu, depois de discutir e
explicar um possível erro de datas em um dos documentos que consultara, adverte
que procura evitar exatamente esse tipo de problema: “(...) a mim custava-me
que, se algu m visse a errada data d’estes livros do cavalheiro [refere-se ao
Cavaleiro de Oliveira], me arguisse de inventor de anachronismos inculcadamente
históricos”.
Vários dos fatos narrados são
comprovados através da citação de fontes bibliográficas, principalmente nas fartas
notas de rodapé. Além disso, Camilo acrescenta trechos de documentos e de obras
pesquisadas especialmente para a construção dessa narrativa. Por exemplo, à
página 95 do primeiro volume, traslada-se o tomo nove do Gabinete histórico
de fr. Claudio da Conceição; ou ainda, à página 219, há a reprodução da lista
de pessoas condenadas no auto-de-fé de 18 de outubro de 1739, colhida numa obra
de Inocêncio Francisco da Silva. Esses recortes ou cópias de documentos
autênticos espalham-se por toda a obra, provavelmente para objetivar e conferir
aspecto de realidade histórica à narrativa. Segundo Maria Teresa de Freitas:
Essa técnica, denominada colagem, que consiste
em introduzir no instrumento de representação do mundo exterior [...] elementos
preexistentes diretamente extraídos desse mundo — fragmentos de realidade
dentro do discurso de ficção —, traduz sem dúvida a intenção de objetividade do
autor; ela corresponde às citações do discurso histórico, que autentificam a
palavra do autor remetendo às fontes. Por outro lado, a seleção de documentos denuncia
a presença de um organizador do discurso que se mostra como tal, que se deixa
localizar na sua informação em nome de um saber que deve ser justificado — como
é o caso do historiador. Além do mais, a colagem impõe também uma leitura referencial,
que apela para os conhecimentos extratextuais do leitor, e reveste o discurso
de uma certa autenticidade, intensificando assim seu valor documental (FREITAS,
1986, p. 20)
Admitamos, pois, que Camilo, como
historiador-biógrafo, foi um excelente ficcionista. O autor, buscando a
coerência interna de sua narrativa e a boa recepção de seu público, recheia a obra
de diversos lances folhetinescos e de peripécias envolvendo os pares
românticos, além de sentimentalismo exacerbado, como mandava o figurino
romântico. A colagem e as referências em geral a documentos e fatos históricos
não desapropriam a obra de seu estatuto de ficção, pois os acontecimentos
inventados por Camilo (geralmente aqueles que na obra são representados de modo
mais detalhado) sobrepõem-se muito aos fatos que podem ser comprovados documentalmente.
No mais, podemos dizer que, antes de qualquer
afirmação de autenticidade, o mais importante na leitura da obra é o pacto
implícito entre o ficcionista e o leitor, pacto esse que reza que a narrativa em
questão deve ser aceita mais pela sua verossimilhança do que pela sua veracidade.
Afinal, estamos diante de um “romance histórico”, como o classifica o autor, e
não de História romanceada.
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Fonte:
Fonte:
Eduardo Neves da Silva: Entre a
biografia e a história, o folhetim: a vida e a obra de Antônio José da Silva em O Judeu, de Camilo
Castelo Branco. Revista Hispeci & Lema On Line — ano III – n.3 — nov. 2012
—Disponível em : unifafibe.com.br/hispecielemaonline — Centro Universitário
UNIFAFIBE — Bebedouro-SP
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