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Aspectos naturalistas na construção do personagem n’O
Cabeleira
Apesar do tom demasiadamente modesto e do permanente estado
de defesa do autor (cf. ARAÚJO, 2008, p. 2), a carta prefácio do romance O
Cabeleira – endereçada ao suposto amigo que mora em Genebra – já conduz o
leitor na direção de quem vai ler uma denúncia: numa região específica do país,
havia miséria, ignorância, injustiças, carências, entre outras situações que afetam
diretamente a vida de homens, mulheres, jovens, crianças, brancos, negros,
pardos, indígenas, mulatos. Uma região de gente desassistida e, por isso, sem
acesso a nenhuma das mudanças prenunciadas pela civilização:
[...] O trabalho, o capital, a
economia, a fartura, a riqueza, agentes indispensáveis da civilização e
grandeza dos povos, teriam lugar eminente nesta imensidade onde vemos
unicamente águas, ilhas, planícies, seringais sem-fim. (TÁVORA, 1993, p. 10)
Para Franklin Távora, a propensão à criminalidade era iminente
dentro daquele contexto social. Não por acaso, o narrador d’O Cabeleira
afirma que o menino José Gomes fora reduzido “a uma m quina de cometer crimes”.
Assim, na opinião de Ana Márcia Siqueira (2010), Távora já demonstrava
determinadas preocupações na carta prefácio:
As palavras
indiciam preocupações relativas à reflexão sobre a criminalidade e suas causas, posto que não
somente de benfeitores é feita a história, e tanto o Bem quanto o Mal transferem
seus legados à sociedade. Sob essa óptica, embora as causas do comportamento criminoso
de José Gomes [...] sejam pautadas na má educação imposta pelo pai violento, a
despeito dos bons exemplos dados pela mãe, o bandido representa o resultado de
um prognóstico, reiterado de modo diverso no segundo e no terceiro romance do
projeto: de que a miséria e o abandono político-administrativo geram bandos de criminosos
comprometendo o futuro do país. (SIQUEIRA, 2010, p. 212)
Motivado por essa perspectiva, Távora apresenta na trama do
romance a trajetória do menino José Gomes (posteriormente Cabeleira) até o momento
da execução pública do bandido, esta igualmente realizada contra o pai,
Joaquim, e o comparsa Teodósio. Juntos, os três aterrorizam a região onde se
passa todo o enredo, a então província de Pernambuco, no século XVIII. Eles cometem
roubos, saques em armazéns, assassinatos, tudo sempre com muita violência e
brutalidade, munidos de “bacamartes, parnaíbas, facas e pistolas”. Tanto a tradição
popular como a história de Pernambuco atestam a existência do bandido sanguinário
que deu origem à narrativa tavoriana. Ressaltando o que dissemos em capítulos
anteriores, o escritor se valeu também de elementos históricos para reproduzir –
por meio da criação literária de cunho regionalista – a trajetória do herói criminoso.
Assim, o autor constituiu como matéria-prima as tensões, os dramas, as experiências
afetivas, entre outras vivências de matutos, jagunços e sertanejos. Além disso,
a construção desses personagens feita em torno da figura do “homem do mato”.
No romance, a
transformação do menino José Gomes no bandido Cabeleira ocorre por razões específicas,
uma delas está ligada à noção de hereditariedade. Na composição do protagonista,
percebe-se que o menino José Gomes herda o bom coração da mãe, mas sofre a perversa
influência do pai Joaquim Gomes, “sujeito de más entranhas, dado à prática dos
mais hediondos crimes”. Ao descrevê-lo, Távora diz:
Este homem era
o gênio da destruição e do crime. Por sua boca falavam as baixas paixões que à sombra da
ignorância, da impunidade e das florestas haviam crescido sem freio e lhe tinham
apagado os lampejos da consciência racional que todo homem traz do berço, ainda
aqueles que vêm a ser depois truculentos e consumados sicários. (TÁVORA, 1993, p. 19)
À medida que Joaquim Gomes consegue influenciar o filho, as
ações do menino José ganham ares de crueldade, em clara contraposição aos
ensinos e à bondade de sua mãe Joana. Paralelamente a isso,
Cabeleira também é apresentado pelo narrador como alguém capaz de ter bons
sentimentos, que vão de encontro àqueles manifestados durante a vida de
atrocidades cometidas por ele. E quem desperta nele certo grau de benevolência
é a amiga de infância, Luisinha, com quem se reencontra anos depois.
Ao inserir no enredo a relação entre Luisinha e José Gomes, Távora
pretende sensibilizar o leitor e reforçar a ideia de que, em outras
circunstâncias, o menino não teria se transformado em um criminoso, visto que
ele tinha boa índole, porém, desde cedo, havia sido tiranizado
pelo pai:
[...] Se alguma vez entrares em casa, como entraste hoje, apanhado,
chorando, ouve bem o que te estou dizendo, dou-te uma surra de tirar a pele e
cabelo, e corto-te uma orelha para ficares assinalado. (TÁVORA, 1993, p. 41)
Mesmo posteriormente identificado como violento,
bruto e, em determinadas circunstâncias, impiedoso, Cabeleira oscila entre
sentimentos de bondade e maldade, os quais teriam sido herdados da mãe e do
pai, respectivamente:
Joana, a mãe boa e fraca, viveu em luta incessante com Joaquim, o
pai sem alma nem coração. José foi sempre o motivo, a causa desse embate sem
tréguas, José, o filho sem sorte que estava fadado a legar à posteridade um eloquente
exemplo para provar que sem educação e sem moralidade é impossível a família. (TÁVORA, 1993, p. 37)
Em alguns dos episódios do romance, percebemos a contrariedade
com a qual Cabeleira realiza certas ações. Por exemplo, há um momento da trama
em que ele questiona o pai sobre a necessidade de matar determinado matuto, até
mesmo porque as pessoas estavam com medo e, por isso, fugiam deles (“Para que
matar se eles fogem de nós?”). Ao que o pai responde: “matar sempre, Z Gomes”.
Por essa razão, o personagem principal também passaria a agir
de maneira bruta, agressiva, violenta, que, entretanto, contrastava com a descrição
amena feita pelo narrador sobre a aparência física de Cabeleira:
José cresceu, reformou, pôs-se de todo homem. Perdeu a cor terrena
e pálida com que o vimos da primeira vez na taverna, e tornou-se robusto de
corpo e bonito de feições. Cabelos compridos e anelados, que lhe caíam nos
ombros, substituíram a penugem que mal lhe abrigava a cabeça nos primeiros anos. (TÁVORA, 1993, p. 26)
O pai de Cabeleira e o seu comparsa Teodósio, ao contrário do
protagonista, são descritos de forma bem diferente, que separa, pela
constituição física, os bandidos do herói bandido:
Joaquim, que
contava o duplo da idade de seu filho, era baixo, corpulento e menos feito que o Teodósio, o qual,
posto que mais entrado em anos, sabia dar, quando queria, à cara romba e de cor
fula, uma aparência de bestial simplicidade em que só uma vista perspicaz, e
acostumada a ler no rosto as ideias e os sentimentos íntimos, poderia descobrir
a mais refinada hipocrisia. (TÁVORA, 1993, p. 15)
A aparência física de Cabeleira, que destoava de suas ações violentas,
parece conservar no bandido sanguinário algo que hereditariamente insistia em se
manter na sua composição, isto é, a sua semelhança com a mãe. Apesar das formas
vigorosas, a descrição física do “mancebo” mantinha algo do menino que ele fora.
Essa herança materna se mostra em alguns aspectos físicos: os longos cabelos
encaracolados; a languidez dos olhos; o nariz pequeno; os “lábios delgados”; a
candidez:
Cabeleira podia ter vinte e dois anos. A natureza o havia dotado com
vigorosas formas. Sua fronte
era estreita, os olhos pretos e lânguidos, o nariz pouco desenvolvido, os
lábios delgados como os de um menino. É de notar que a fisionomia deste mancebo, velho na
prática do crime, tinha uma expressão de insinuante
e jovial candidez. (TÁVORA, 1993, p. 14)
Curiosamente, a aparência do jovial mancebo, “velho na prática
do crime”, evocava mais o estereótipo do poeta romântico que o do sertanejo.
Essa constituição do personagem parece se identificar com um traço romântico
que se mistura, na narrativa, às descrições dos crimes sanguinários do bando de
Cabeleira. A imagem romântica do bandido está entremeada à da figura feminina,
fortemente associada à possibilidade de redenção. A mãe de Cabeleira é a fonte dos
bons sentimentos que ainda resistem no “músculo endurecido que ele trazia no peito”,
e Luisinha, “menina branca, órfã, de índole benigna e de muito bonitos modos”,
cheia de “encantos naturais que a todos cativavam com justa razão”, aquela que “pela
primeira vez depois de tantos anos” dobrou o coração endurecido do bandido “a uma
impressão profunda, a uma força irresistível e fatal, como a cera se
dobra ao calor do lume”, provocando a inexplicável, a não ser pela lógica do amor
romântico, total regeneração do bandido Cabeleira.
Aquele homem bruto e sanguinário reservava dentro de si a paixão
pela amiga de infância, a doce Luisinha, que fora criada pela viúva Florinda, mulher
assassinada por Cabeleira. Anos depois de ter saído de casa para acompanhar os
intentos do pai, Cabeleira a reencontra. A essa altura, o bandido já está sendo
procurado pela polícia, por ordem do governador de Pernambuco.
Conforme a deliberação tomada no senado da câmara pelo governador,
capitães-mores e coronéis de ordenanças, a busca dos malfeitores tinha de ser dada
ao mesmo tempo nas matas dos respectivos distritos. (TÁVORA, 1993, p. 88)
Luisinha acaba se escondendo pelas matas ao lado de Cabeleira.
Após algumas palavras ditas pela amiga, Cabeleira se arrepende da vida que
levara até aqui. A moça, excessivamente cansada e com febre, morre diante do menino
que se transformara, ao longo da vida, em bandido. Ao final da história, depois
de Joaquim e Teodósio serem capturados, Cabeleira, mesmo regenerado, é preso, julgado,
condenado à pena de morte e executado
diante da mãe, que morre ao ver seu filho enforcado:
[...] O infeliz
mancebo, que, mal acabara de falar tinha sido rudemente impelido do estrado
para o vácuo, pendia da corda assassina, tendo sobre os ombros o carrasco que apertava com as mãos cobardes
o laço sufocante. Cena bárbara que enche de horror
a humanidade, e cobre de vergonha e luto, como tantas outras, a história do período colonial! (TÁVORA, 1993, p. 134)
Como se vê, sendo Távora “medularmente romântico”,
para usar a imagem de Candido (2007a), a noção de hereditariedade no romance se diferencia
da perspectiva naturalista, uma vez que nesta prevalecem os traços hereditários
mais negativos, enquanto na narrativa de Távora, os elementos
genéticos dominantes são os de Joana, “a mãe boa e fraca”, de quem a
figura ideal de Luisinha é uma confirmação.
Para identificar o seu projeto de Literatura do Norte, o
autor cearense insere em sua narrativa elementos que
caracterizam o modo de vida do cangaceiro, considerando Cabeleira o antecessor de
Lampião, sobretudo porque, assim, identificava o protagonista ao sertão nordestino. Távora, por exemplo, faz referências à culinária nordestina
(arroz-doce, beijus, tapiocas); reproduz o vocabulário típico daquela região (vosmecês,
pé-rachado, bacamartes, parnaíbas); inclui características de figuras pertencentes a
essa localidade do Brasil (repentistas, cangaceiros, boiadeiros,
matutos); além de apresentar a paisagem presente no Nordeste
(caatinga, matos, sítios, juazeiros, cavalos, secas), entre outros aspectos.
Dentro desse cenário de peculiaridades regionais, o autor constrói
(ou reconstrói) o personagem principal com a representação do pitoresco, do exótico
e da cor local, características da tendência regionalista
da época, de acordo com definições de Antonio Candido e Ligia Chiappini, das
quais tratamos anteriormente. Essa necessidade de identificar personagem e região
intensifica o papel do meio na composição do personagem. De certo modo, o meio social, com as suas características geográficas e históricas,
determina a construção do personagem; o que exprime certo determinismo, pois a
vida do personagem segue em direção a um destino que a sua vontade ou ação,
mesmo quando regenerado, não pode evitar, por outro lado, isso
é também índice da fidelidade de Távora à realidade, preferindo o
desfecho trágico, que assume caráter exemplar, em lugar do final feliz
romântico. A vida do personagem é então apresentada como uma espécie de
exemplo ou ilustração. Trata-se de um “filho sem sorte que estava fadado a legar à posteridade
um eloquente exemplo”. Nesse sentido, as a es violentas do personagem são reações
imediatas ao meio que o cerca.
De acordo com Bariani, a história d’O Cabeleira é
permeada de violência, encarnada pela maldade de alguns dos seus personagens,
inclusive pelo próprio protagonista:
A maldade
presente nas ações do protagonista é deveras chocante e, muitas vezes, embora motivada por ações
alheias, sua reação é desproporcional às circunstâncias. Pressionado pelo pai e
pelo contexto, Cabeleira não é deliberadamente mal, não exerce a maldade com volúpia e finalidade, não se guia – pode-se
dizer, teleologicamente
– pelo mal, responde aos estímulos de modo quase instintivo e, sem dúvida, atroz. Sua maldade caracteriza-se por uma
relação condicionada, uma espécie de física comportamental que impele os corpos ao atrito, daí
a resultante violência. (BARIANI,
2008, p. 2)
Uma das ações do Cabeleira que são desproporcionais às circunstâncias
é a que envolve mais duas personagens: Timóteo, dono de um armazém (bodega), e
a sua mulher, a mameluca Chica. O lugar era uma espécie de comércio ilegal,
pois os produtos vendidos eram furtados pelos negros dos engenhos da redondeza,
como descreve o narrador. Na cena em que José Gomes desce do cavalo e vai comprar
aguardente no armazém de Timóteo, o animal começa a comer a grama do pátio.
Irritada com a situação, Chica dá um golpe no cavalo, que foge em seguida.
Depois disso, o que se segue é a violência do jovem contra Chica:
[...] As mãos de José
porém pareciam, pela dureza e pelo peso, manoplas fundidas de propósito para esmagar um
gigante. Demais, José havia posto um pé no pescoço de Chica, e com ele comprimia-lhe
o gasnete, tirava-lhe a respiração, afogava-a sem piedade. [...] José montava-se
literalmente na mameluca, e dava-lhe com os restos da raiz da gameleira já sem
serventia. (TÁVORA, 1993, p. 24)
Naquele sertão de terras áridas, conforme o romance, alguns
personagens apresentam características semelhantes aos aspectos climáticos da
região, são brutos, de tratamento rude. Ou seja, a brutalidade com que os
crimes e os assassinatos são cometidos espanta o leitor, que se vê diante da
frieza de personagens que em nada contrastam com a paisagem e o ambiente físico
descritos pelo narrador onisciente.
Para Távora, a pobreza – que decorre, entre outros fatores, da
questão climática do sertão, – deve ser encarada como uma forma de degradação humana:
“a fome obrigara o bandido a deixar o mato, como obriga as aves a emigrarem, e
as feras cervais a deixarem seus covis”. Assim, a aridez do clima pode passar a
ser condição de desumanidade, ausência de brandura e de amenidade, aspereza no
trato com outros homens:
[...] que diremos nós
para darmos a conhecer, não unicamente os efeitos da peste [contágio de
Varíola, conhecida como bexiga], comum a todos os climas e a todas as regiões, mas
juntamente com estes efeitos os da seca, flagelo especial de algumas de nossas províncias do
Norte? (TÁVORA, 1993, p. 29)
Questões como as da seca integram também as preocupações de
Franklin Távora, que já naquele momento parecia estar de acordo com o que, mais
tarde, será discutido, por exemplo, em “Sertões e sertanejos: uma geografia humana
sofrida”, do geógrafo Aziz Ab’Saber (1999), para quem há a necessidade de tratar
com seriedade os assuntos especificamente relacionados ao povo sertanejo:
[...] para que não se cometam as injustiças sociais tão perversas quanto aquelas
predominantes em todo o Nordeste seco. [...] Na luta contra as implicações das secas estará sempre em foco a luta para minimizar a pobreza
de alguns milhões de nordestinos. (AB’SABER, 1999, s/n)
Franklin Távora entendia que somente a educação seria capaz de
transformar o contexto regional e nacional daquele povo, mas é igualmente verdade
que a sua crença na educação estava baseada na concepção de que o meio
transformava o homem e interferia em seus instintos, ideia esta baseada nas
concepções de Rousseau – de que o homem nasce bom e é corrompido pelo meio. Dessa
maneira, a composição do personagem e a de seu destino obedece à lógica da
relação direta entre as ações do personagem e o meio social e cultural atrasado
em que ele está inserido:
Condena-se à
forca o escravo que mata o senhor, sem se atender a que, rebaixado pela
condição servil, paciente do açoite diário, coberto de andrajos, quase sempre faminto, sobrecarregado com trabalhos
excessivos, semelhante criatura é mais própria para cego instrumento do
desespero, do que competente para o exercício da razão. (TÁVORA, 1993, p. 135)
Existem muitos episódios no romance que
evidenciam a violência como aspecto marcante da narrativa. No episódio em
que Cabeleira, o pai Joaquim e o comparsa Teodósio surgem com o intuito de assaltar
a vila pernambucana, que realizava uma festa, uma das pessoas presentes reconhece
o bandido, despertando assim os soldados da infantaria e provocando a gritaria
da multidão, que se dispersa com medo dos malfeitores. Após o tumulto causado na vila com a notícia de que o bando estaria por lá, Joaquim,
pai de Cabeleira, aparece em mais outra cena de sangue e violência:
Joaquim, feroz
por natureza, sanguinário por longo hábito, descarregou a parnaíba sobre a cabeça do primeiro que acertou
de passar por junto dele. A cutilada foi certeira, e o sangue da vítima, espadanando
contra a face do matador, deixou aí estampada uma máscara vermelha através da qual só se viam brilhar
os olhos felinos
daquele animal humano. (TÁVORA, 1993, p. 19)
Episódios como esse se repetem no romance. Mulheres morrem
incendiadas, homens e crianças são brutalmente assassinados. O menino José Gomes
já se torna conhecido pelas atrocidades e crimes, os quais –
na opinião do narrador – tiveram a sua origem na “ignorância e na pobreza”:
Segundo o narrador, o comportamento dos personagens (e sua disposição
para a maldade),
sobretudo do herói, repousa nas condicionantes derivadas das eventuais presença
e influência da natureza e, principalmente, da educação. Numa interpretação dessa assertiva, a
natureza pode ser percebida como o ambiente físico e os fatores genético-biológicos,
certa vivência ecológica do indivíduo; já a educação, em sentido lato, refere-se às formas culturais, sociais
dessa vivência, desde a eventual existência e desempenho das instituições
(Estado, família, escola, religiosidade), passando pelos modos de sociabilidade,
até a influência de uns indivíduos sobre outros – enquanto modelo de ação a
partir de seus papéis sociais e atuação
individual, como o “exemplo” dado pelo pai ao filho. (BARIANI,
2008, p. 2)
Antes, porém, do término do livro, no episódio em que
Cabeleira e Joaquim afrontam o crioulo Gabriel para lhe roubarem o cavalo, que
era fundamental para o sustento da família do dono do animal, trava-se uma luta
entre Cabeleira e o negro. O narrador, então, após descrever a cena, diz: “A esse combate surdo, medonho, dava lúgubre
realce o deserto com sua profunda solidão” (TÁVORA, 1993, p. 34). A experiência
negativa, que ninguém poderia ouvir, funesta, é a mesma que deu
origem e forma à obra de Franklin Távora, o desejo de representar a
região que faz com que ela seja apresentada como realce da ação, isto é, Távora
pretendia fundir a ação romanesca e a realidade regional, mas, para ele, tal fusão
dependia sobremaneira da observação direta do meio pelo escritor, o
que limitava, em parte, a invenção necessária para a criação de um mundo
vibrante e vivo no romance.
Na avaliação de Ana Márcia Siqueira,
que estuda os romances vinculados à Literatura do Norte, Távora também
investiga em suas obras, além da violência evidente, “os meandros interiores da
alma humana”. Nesse sentido, o objetivo do romancista seria tentar compreender quais as
forças que induzem e direcionam as escolhas individuais:
Os romances constitutivos da “Literatura do Norte” estão centrados
na problemática relativa à presença do Bem e do Mal na vida humana. O autor
busca discutir tal embate no contexto social e no espaço da subjetividade. Será
no íntimo dos dois protagonistas que se desenvolverá o conflito entre a postura
violenta e instintiva praticada em uma vida livre e a necessidade de um comportamento
civilizado e dócil
como condição para se viver o amor (caso de Cabeleira) ou viver no contexto familiar e
comunitário, caso de Lourenço. (SIQUEIRA, 2010, p.
219)
Para a estudiosa, um dos aspectos
naturalistas presentes na obra de Távora seriam as características
animalescas atribuídas aos personagens (“homens que vivem como feras”, escreve o
narrador). Segundo ela, esse tipo de atribuição “constituiu objeto de especial utilização
pelos escritores naturalistas”:
O intuito de análise científica leva-os a criar uma espécie de animalização
do homem como meio
de se enfatizar a preponderância das funções fisiológicas ou dos instintos
sobre a vontade ou a consciência humana. Esta visão, segundo Zola, é uma “consequência da evolução científica
do século”, que “substitui o estudo do homem abstrato e metafísico pelo estudo do homem natural, submetido
a leis físico-químicas
e determinando pelas influências do meio””. (SIQUEIRA, 2010,
p.
220)
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Fonte:
Fonte:
Aline Jesus de Menezes: “Tensões,
aridez e realidade no romance O Cabeleira, de Franklin Távora”. (Dissertação
apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre, conferido
pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura e Práticas Sociais do Instituto de
Letras da Universidade de Brasília. Orientadora: Profa Dra Ana Laura dos Reis
Corrêa). Universidade de Brasília - Instituto de Letras - Brasília, 2012
Caro Iba Mendes, gostaria de dizer que fiquei bastante feliz ao ver parte do capítulo de minha dissertação de mestrado publicada aqui no seu site. Para nós, pesquisadores, a ideia do nosso trabalho é justamente esta: divulgar e permitir que outras pessoas acessem nossas ideias e possam continuar contribuindo com o debate acerca da literatura. Muito obrigada! Aline Menezes
ResponderExcluirObrigado Aline... a nossa ideia é divulgar o que há de melhor da nossa Literatura... Abraços...
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