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O fantástico em João do Rio...
A declaração de João do Rio não
deixa dúvidas sobre a importância da rua em sua escrita. Esta entidade de vida
própria, reflexo da alma ambígua do escritor-jornalista, é o lugar por onde
passeiam de dia a dama da sociedade, o cavalheiro, as modern girls e os
chamativos automóveis. É na noite, porém, que este local se revela plenamente
na apresentação de sua atmosfera carregada de vício, medo e mistério. Não à toa
o título de seu principal livro de contos – Dentro da noite (1910) - anuncia o
palco ideal para narrativas povoadas por jogadores, neuróticos, suicidas,
sádicos, pervertidos, hiperistéricos e outros personagens desajustados. Falando
sobre a importância desse elemento e do desejo de modernização urgente da
época, Berman destaca: “Por toda a era de Haussmann e Baudelaire, entrando no
século XX, essa fantasia urbana cristalizou-se em torno da rua, que emergiu
como símbolo fundamental da vida urbana” (BERMAN, 1986, p. 300).
A menção a dois ícones do período
de posições e valores opostos – Haussmann e Baudelaire – enfatiza a condição
ambivalente e contraditória da rua que
foi assumida pela ficção de João do Rio como o cenário de contos e crônicas que
discutem questões que a inserem na Literatura Gótica. Essa situação encontra
paralelo na Literatura Britânica onde os efeitos da Revolução Industrial sobre
a sociedade londrina fomentaram o ressurgimento do romance gótico do século
XVIII em uma nova forma. Ali o castelo e o cemitério foram substituídos pela
fábrica e a casa, o monstro tornou-se a máquina e a superstição se manifestou
através da ciência. Como destaca Alexandra Warwick em “Urban Gothic” (1998), a
alienação do homem oprimido por uma cidade negra pela fumaça das fábricas foi
refletida em uma personalidade paranóica e fragmentada. Essa atmosfera cultural
deu margem a uma ampliação temática da Literatura Gótica, cujo espaço principal
passou a ser representado pela cidade. Ela aparece como um lugar de ruínas, paradoxalmente
sempre novo, mas sempre decadente, um estado de morte em vida, explorada
amplamente no romance Drácula (1897), do escritor irlandês Bram Stoker. Essa
dualidade também foi refletida em O estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde
(1886), do escritor escocês Robert Louis Stevenson. A hipocrisia do mundo
vitoriano com sua excessiva preocupação com os limites entre a vida pública e
privada também foi objeto de análise de Oscar Wilde em O retrato de Dorian Gray
(1891), onde um jovem faz um pacto para que permaneça belo enquanto seu retrato
envelhece e acolhe a corrupção e imoralidade
de sua alma. Mesmo autores que não escreveram diretamente literatura Gótica
foram indubitavelmente influenciados por suas convenções. Charles Dickens é o
maior representante dessa estirpe. Muitos dos personagens de Dickens parecem se
comportar como se estivessem mortos ou sob efeito de forças sobrenaturais, como
Arthur Gride em Nicholas Nickleby (1838-39), e Miss Havisham em Grandes
expectativas (1860-61).
A Londres do gótico urbano de
Stoker, Stevenson, Wilde e Dickens encontra seu paralelo no Rio decadentista de
João do Rio. Uma característica comum de estetas como Dorian Gray e os
personagens de João do Rio, por exemplo, consiste na troca da realidade
imediata pela ilusão. Esta construção visa criar um espaço dimensionado
artificialmente no qual se afirme a capacidade do homem de libertar-se da
natureza. Assim, a cidade especifica um topos da literatura decadentista e
também da literatura Gótica. Como salienta Levin:
Na urbe o devaneio angustiante em
busca de uma visão, uma imagem que integre o homem à vida ganha características
topográficas. A idéia de que o homem se encontra subjugado ao desequilíbrio dos
nervos aparece tematizada na cidade desconhecida, cheia de passagens obscuras
que criam a sensação de mistério. Este espaço reproduz na forma de ruas estreitas,
becos escuros, canais, pontes e avenidas a impossibilidade de a personagem
decadentista reconhecer-se no tipo de vida contemporânea (LEVIN, 1996, p. 148).
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Fonte:
Fonte:
Alexander Meireles Silva (UFG): “O
fantástico em João do Rio: um diálogo entre as literaturas brasileira e
anglo-americana”. Revista Eletrônica do Instituto de Humanidades. Volume VIII
Número XXIX Abr-Jun 2009, disponível em: http://publicacoes.unigranrio.com.br/
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