08/02/2014

Dentro da Noite (Contos), de João do Rio

 Dentro da Noite, de João do Rio
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O fantástico em João do Rio...

A declaração de João do Rio não deixa dúvidas sobre a importância da rua em sua escrita. Esta entidade de vida própria, reflexo da alma ambígua do escritor-jornalista, é o lugar por onde passeiam de dia a dama da sociedade, o cavalheiro, as modern girls e os chamativos automóveis. É na noite, porém, que este local se revela plenamente na apresentação de sua atmosfera carregada de vício, medo e mistério. Não à toa o título de seu principal livro de contos – Dentro da noite (1910) - anuncia o palco ideal para narrativas povoadas por jogadores, neuróticos, suicidas, sádicos, pervertidos, hiperistéricos e outros personagens desajustados. Falando sobre a importância desse elemento e do desejo de modernização urgente da época, Berman destaca: “Por toda a era de Haussmann e Baudelaire, entrando no século XX, essa fantasia urbana cristalizou-se em torno da rua, que emergiu como símbolo fundamental da vida urbana” (BERMAN, 1986, p. 300).
A menção a dois ícones do período de posições e valores opostos – Haussmann e Baudelaire – enfatiza a condição ambivalente e contraditória da  rua que foi assumida pela ficção de João do Rio como o cenário de contos e crônicas que discutem questões que a inserem na Literatura Gótica. Essa situação encontra paralelo na Literatura Britânica onde os efeitos da Revolução Industrial sobre a sociedade londrina fomentaram o ressurgimento do romance gótico do século XVIII em uma nova forma. Ali o castelo e o cemitério foram substituídos pela fábrica e a casa, o monstro tornou-se a máquina e a superstição se manifestou através da ciência. Como destaca Alexandra Warwick em “Urban Gothic” (1998), a alienação do homem oprimido por uma cidade negra pela fumaça das fábricas foi refletida em uma personalidade paranóica e fragmentada. Essa atmosfera cultural deu margem a uma ampliação temática da Literatura Gótica, cujo espaço principal passou a ser representado pela cidade. Ela aparece como um lugar de ruínas, paradoxalmente sempre novo, mas sempre decadente, um estado de morte em vida, explorada amplamente no romance Drácula (1897), do escritor irlandês Bram Stoker. Essa dualidade também foi refletida em O estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde (1886), do escritor escocês Robert Louis Stevenson. A hipocrisia do mundo vitoriano com sua excessiva preocupação com os limites entre a vida pública e privada também foi objeto de análise de Oscar Wilde em O retrato de Dorian Gray (1891), onde um jovem faz um pacto para que permaneça belo enquanto seu retrato envelhece e acolhe a corrupção e  imoralidade de sua alma. Mesmo autores que não escreveram diretamente literatura Gótica foram indubitavelmente influenciados por suas convenções. Charles Dickens é o maior representante dessa estirpe. Muitos dos personagens de Dickens parecem se comportar como se estivessem mortos ou sob efeito de forças sobrenaturais, como Arthur Gride em Nicholas Nickleby (1838-39), e Miss Havisham em Grandes expectativas (1860-61).

A Londres do gótico urbano de Stoker, Stevenson, Wilde e Dickens encontra seu paralelo no Rio decadentista de João do Rio. Uma característica comum de estetas como Dorian Gray e os personagens de João do Rio, por exemplo, consiste na troca da realidade imediata pela ilusão. Esta construção visa criar um espaço dimensionado artificialmente no qual se afirme a capacidade do homem de libertar-se da natureza. Assim, a cidade especifica um topos da literatura decadentista e também da literatura Gótica. Como salienta Levin:

Na urbe o devaneio angustiante em busca de uma visão, uma imagem que integre o homem à vida ganha características topográficas. A idéia de que o homem se encontra subjugado ao desequilíbrio dos nervos aparece tematizada na cidade desconhecida, cheia de passagens obscuras que criam a sensação de mistério. Este espaço reproduz na forma de ruas estreitas, becos escuros, canais, pontes e avenidas a impossibilidade de a personagem decadentista reconhecer-se no tipo de vida contemporânea (LEVIN, 1996, p. 148).

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Fonte:
Alexander Meireles Silva (UFG): “O fantástico em João do Rio: um diálogo entre as literaturas brasileira e anglo-americana”. Revista Eletrônica do Instituto de Humanidades. Volume VIII Número XXIX Abr-Jun 2009, disponível em: http://publicacoes.unigranrio.com.br/

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