08/02/2014

Contos ao Luar, de Júlio César Machado

Contos ao Luar, de Júlio César Machado
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Percurso teatral


Um conjunto de circunstâncias mais ou menos ocasionais impulsionou a vida de Júlio César Machado para junto do teatro, quer física quer intelectualmente. Ao fato não serão alheias as características da organização da sociedade do tempo, onde um determinado número de instâncias se erigia como campo de formação, entretenimento e socialização obrigatórios para os literatos. Referimo-nos aos jornais, aos salões literários, aos cafés e, naturalmente, aos teatros. A atividade literária e jornalística de Machado foi tão prolífica que requer um grande esforço para se esgotar todas as referências, sobretudo no que diz respeito às colaborações na imprensa periódica, incluindo textos em periódicos regionais, ou mesmo a prefácios e outros textos introdutórios. Para mais, a fonte principal para a biobibliografia de Júlio César Machado é constituída pelos seus textos autobiográficos, embora por vezes se torne problemático identificar datas com clareza, tendo em conta o estilo despreocupado do autor.

Assim que chegou a Lisboa, ainda criança, Júlio César Machado começou a frequentar os teatros na companhia de seu pai, Luís da Costa Machado, e cedo tomou conhecimento de fatos e personalidades do mundo do espetáculo. As relações que Luís da Costa Machado tinha em Lisboa com figuras de relevo da cultura da época iniciaram o filho na sociedade literária de meados da centúria oitocentista, de tal modo que este se foi progressivamente afastando da carreira em Medicina que a família lhe augurava. Recorda, por exemplo, nos primeiros Apontamentos de um folhetinista, a sua presença na abertura do Teatro do Ginásio, em 16 de Maio de 1846, onde assistiu com o pai à representação de Os fabricantes de moeda falsa, de César Perini de Lucca. Tinha então 10 anos e “usava ainda   umas  calcinhas abertas por detrás   e  copiava de um  traslado inconstitucionalissimamente” (p. 13). 

Refere também, de passagem, em Aquele tempo (p. 100), as visitas ao Teatro de S. Carlos com o pai na época em que pontificava a cantora Carolina Sannazzaro (1851-1852). A casa onde foi morar com seu pai nesse regresso a Lisboa – regresso, porque foi lá que nasceu, a 1 de Outubro de 1835, onde viveu a primeira infância, seguindo depois para a aldeia de origem de sua mãe, Durruivos (hoje A-dos-Ruivos), concelho do Bombarral – ficava próxima do antigo Teatro do Salitre, na Travessa do Moreira. Aí vivia no ano da sua morte (1890), adquirindo mais tarde esse arruamento o nome do escritor. Desde logo começou a frequentar aquele teatro, uma vez que refere, na Biografia da actriz Soller (1860), ter assistido à estreia da artista, na peça A ciganinha, no Teatro do Salitre: “E eu vi-a estrear-se na sua carreira de atriz! Eu, que tinha nove anos então, e me recordo, todavia, de a ver aparecer na montanha com o seu chapeuzinho de cigana levemente inclinado sobre a orelha, saia curta, e botinha de cano!” (p. 20).

Em 1849, com apenas 14 anos, deu-se a estreia literária de Júlio César Machado, primeiro em registo poético (“O mar” e “O cura”, poemas publicados no periódico A assembleia literária, nº 12, de 20.10.1849, e nº 17, de 1.12.1849) e logo de seguida na forma dramática, escrevendo a comédia em 1 ato Umas calças de lista, representada pela primeira vez no Teatro do Salitre, a 30 de Dezembro de 1849 (Machado, 1875a: 101). Foi fruto de um dos acasos de ascendência dramática que sucederam a Júlio César Machado: um dos seus vizinhos na Travessa do Moreira era o ponto do Teatro do Salitre, José Manuel Alves, com quem Machado costumava conversar a respeito das peças que ali iam à cena. Quando se preparava o espetáculo de benefício de José Manuel Alves, faltava escolher uma pequena comédia para se representar junto com um drama, a apenas um mês da data marcada. Ao saber disto, Machado encontrou aí uma oportunidade para mostrar as suas qualidades literárias, escreveu ele mesmo a comédia, que foi aprovada pelo beneficiado. Representou-se com interpretações de Joaquim Bento e Adelaide Douradinha, e parece ter feito algum sucesso, a julgar pelo relato de aplausos a solicitar o autor em palco para agradecer5. O empresário do Teatro do Salitre era então José Martiniano da Silva Vieira, que pagava ao jovem dramaturgo “um pinto” por cada récita.

Não estava de todo imberbe na literatura teatral, pois, antes de escrever aquela primeira peça, Júlio César Machado havia percorrido os principais títulos em voga, produtos do romantismo que continuava a imperar no mundo das letras. Procurava-os de moto próprio, circulando pelas lojas de livros, recordando em especial o livreiro António Maria Pereira – “foi o meu primeiro conhecimento de livraria” (Machado, 1878a: 190) –, com quem negociava a troca de um livro qualquer por um volume da coleção “Arquivo teatral”:

E examinava-se a fazenda, e discutia-se o contrato, e chegava-se a um acordo, e eu ia-me pela rua Augusta acima, livre e despachado do Atlas, todo ufano com uns folhetos que se chamavam o Cabrito montês, o Bergami, o Ramo de carvalho, a Freira sanguinária, as Vítimas da clausura, os Sete infantes de Lara, o Urso e o Pachá… (ibidem: 198).

Ou seja, levava consigo os textos de peças representadas nos teatros de Lisboa ao longo das décadas de 30 e 40 daquele século, na maior parte melodramas e comédias traduzidos do francês. Recorda-se de os ver representar no Teatro do Salitre, “sempre ilustre e sempre popular”, aqueles dramas de enredos complicados, “entremeados de testamentos roubados, rasgados, queimados; certidões de batismo perdidas, achadas outra vez; marchas, contramarchas, surpresas, traições, re-surpresas, retraições, venenos, contravenenos, casos de fazerem a gente doida” (ibidem: 201), destinados a castigar o crime e a premiar a virtude.

Começou por esta altura, portanto, a colaborar em revistas e jornais. O jornal literário A semana – que o jovem Machado lia em casa, pois seu pai era assinante (ibidem: 144) – publicou-lhe em Outubro de 1850 o pequeno conto Estrela d’Alva: memórias de um barqueiro, onde principia a revelar-se o seu espírito de observação dos tipos da sociedade. Não chegou a entrar no ensino superior, mas era de índole curiosa e interessou-se desde cedo pelas leituras, que procurava para além da escola. Um outro acontecimento veio condicionar a sua formação e conduzi-lo mais depressa às lides teatrais. A morte de Luís da Costa Machado, em 1852, deixou Júlio César Machado órfão, aos 16 anos, e na necessidade de carregar uma pesada herança de dívidas que seu pai lhe deixava. Em vez de regressar à aldeia de Durruivos com sua mãe, Maria Inácia Machado, preferiu manter-se em Lisboa, único sítio onde lhe poderia sorrir uma carreira literária, daí em diante constrangido a procurar sozinho a sua sorte.

Foi assim que, pouco tempo depois, produziu diversos trabalhos literários, não apenas porque se sentia sempre mais inclinado para as letras, mas agora também porque necessitava de um meio de obter rendimentos. Com efeito, Júlio César Machado relata que, numa conversa com Eduardo Marecos, que estava para mandar imprimir um poema, se deu conta de que a publicação de uma obra poderia ser uma fonte de receita para ultrapassar as dificuldades que o afetavam. E assim, quase instantaneamente, Machado produziu em pouco tempo o seu primeiro romance, Cláudio, que logo em 1852 foi impresso pelo tipógrafo João de Almeida (Machado, 1875a: 169, 279). A chave do êxito que alcançou este romance de juventude foi – como reconhece o próprio autor – o folhetim que a ele dedicou António Pedro Lopes de Mendonça, anunciando o livro, n’A Revolução de Setembro de 3 de Julho de 1852.

A verdade é que esse êxito lhe abriu portas, assim como os conhecimentos que já tinha no mundo literário e artístico. Um deles era o ator Romão António Martins, que resolveu ajudar Júlio César Machado entregando-lhe a tradução de peças, para serem representadas no Teatro do Ginásio, onde Romão era ensaiador. Uma boa parte das peças que passaram pelos palcos portugueses do século XIX provinha do repertório francês, de modo que o ator Romão se assegurou primeiro de que Machado sabia a língua (“costumava falar com seu pai em francês” – Machado, 1878a: 10) e imediatamente lhe entregou a comédia de Bayard Le petit-fils, que Machado traduziu como O neto. A peça foi pouco depois representada, no Ginásio, nesse ano de 1852, com interpretações de José Gerardo Moniz e de Emília Letroublon (Machado, 1878a: 10-15).

Consolidou-se deste modo a aproximação de Júlio César Machado à esfera teatral, que já se vinha realizando aos poucos: “Entrei eu para o teatro do Ginásio como tradutor, e encontrei em toda aquela gente o gasalhado afetuoso e alegre, que ninguém no mundo sabe dar como os artistas” (ibidem: 33). Continuaram do Ginásio a dar-lhe comédias para traduzir, a par de outros gêneros dramáticos, entre os quais o folhetinista recorda, desses primeiros tempos, a ópera cômica O chalet, original de Eugène Scribe e A. H. J. Mélesville, com música de Adolphe Adam, representada no Teatro do Ginásio desde 1850. Provavelmente mais tarde, acumulando experiência, Machado pôde escolher ele mesmo peças para o repertório do Ginásio – “Quando eu ia à livraria Langlé, hoje Férin, escolher peças francesas para o Ginásio” (ibidem: 286). O jovem tradutor chegou mesmo a ensinar francês ao ator Taborda, que, enquanto se remodelava o edifício, quis aproveitar o interregno para conhecer os teatros de Paris, contando com o patrocínio do rei D. Fernando para a viagem: “Durante o mês que precedeu à sua partida, reuníamo-nos às noites, ele e eu, no camarim, e dávamos lições de francês. Eu tinha então dezessete anos, e era tradutor do Ginásio” (Machado, 1871b: 24).

Desde muito novo, portanto, Júlio César Machado fez amizade com personalidades do teatro. Entre elas, para além dos já referidos, encontram-se ainda os dramaturgos António da Silva Mendes Leal e seu irmão José da Silva Mendes Leal, o ator João Anastácio Rosa, que casara com uma irmã de Pedro Vidoeira, amigo de Machado, e com quem trocavam impressões, facilitando-lhes ao mesmo tempo o acesso a textos de comédias e dramas (Machado, 1878a: 150). Aliás, a sua relação com José da Silva Mendes Leal proporcionou-lhe a oportunidade de em 1853 se tornar revisor do jornal A lei, de que o dramaturgo era redator, onde Júlio César Machado escreveu os primeiros folhetins, durante seis meses.


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Fonte:
Licínia Rodrigues Ferreira: “Júlio César Machado Cronista de Teatro: Os Folhetins d’A Revolução de Setembro e do Diário de Notícias”. (Dissertação de Mestrado orientada pelo Professor Doutor José Camões). Universidade de Lisboa - Faculdade de Letras Estudos de Teatro. Lisboa, 2011

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