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A obra e
seus “achados”
A obra
propriamente literária do contista Simões Lopes é pequena mas de alta
qualidade. Resume-se a dois livros publicados em vida, Contos Gauchescos
(1912) e Lendas do Sul (1913), além de um livro póstumo, Casos do
Romualdo (1952), que, em 1914, saíra em forma de folhetim, no jornal Correio
Mercantil, inspirado em parte no célebre Barão de Münchausen, publicado em
1786, na língua de Goethe, por Gottfried August Bürger. Suas outras
publicações, muitas delas sob diversos pseudônimos, são artigos de jornal,
discursos, conferências e peças de teatro, que só recentemente vem saindo em
livro, graças a infatigáveis representantes da pesquisa “lopesneta”. Sem
esquecer o Cancioneiro
Guasca, de 1911,
importante coletânea de narrativa e poesia oral, algumas das quais reaparecem,
estilizadas, como substrato mito-poético, na obra literária.
Neste ano
de 2012, por ocasião do centenário dos Contos Gauchescos e, em 2013, das
Lendas do Sul, justamente quando a Feira de Frankfurt terá o Brasil por
tema, resolvi apresentá-los ao público alemão, fazendo palestras em
universidades e organizando uma antologia bilíngue, que constitua uma amostra
pequena mas significativa da narrativa simoniana, incluindo, além de um conto e
de uma lenda, dos dois primeiros livros, um dos casos de Romualdo.
Simões não
é de todo desconhecido na Alemanha, mas o que aqui circulou é ainda muito
pouco. Em 1959 a
editora berlinense Langenscheidt publicou um livro paradidático, cujo título “contos
brasileiros”, aparece em português, seguido de um subtítulo em alemão: “Brasilianische
Lekture mit Ubersetzungshilfen und Erlauterungen.
Aí se
transcreve um dos mais belos contos do escritor gaúcho,“O Boi Velho”. Eu,
pessoalmente, tenho contribuído como posso para divulgá-lo. Desde 1989, em
diversos cursos que ministrei, na Freie Universität Berlin, foram lidos seus
textos com os estudantes, alguns dos quais chegaram a escrever bons trabalhos
sobre eles. Há inclusive uma tese de “Magister”, elaborada por Saskia Vogel,
que mereceu a nota máxima. Mas agora trata-se de tentar divulgá-lo
mais amplamente, por um livro bilingue, precedido de uma introdução que procure
dar uma visão geral da obra para estrangeiros, mas que também vá um pouco além
disso, despertando nos leitores/nas leitoras a vontade de ampliar o repertório
e ir mais fundo na obra.
Este texto
não deixa de ser um ensaio para essa introdução à breve antologia, que se
intitulará Cem anos de imensidão, numa clara referência ao conhecido
romance de Gabriel Garcia Marquez, Cem anos de solidão. Também no pampa
a solidão é grande, mas aí ela vem associada à vastidão, que já Sarmiento
assinala ao iniciar o seu célebre Facundo, livro que Simões Lopes
certamente leu. Nos seus contos centenários, porém, o que se quer marcar é
também a imensidão temporal e a imensidão de uma obra, na qual o tempo não se
mede apenas pelo aniversário de sua publicação, porque imensa na sua brevidade
ela internaliza, superpõe e funde a imensidão do espaço e a imensidão do tempo,
fazendo-nos mergulhar num mundo muito antigo, cujas raízes culturais se perdem
na noite dos tempos, mas que é presentificado pela narrativa literária,
justamente quando a modernização começa a destruí-lo.
O escritor
reiterou em discursos e conferências, em cerimônias e atos públicos, bem como em
livros inconclusos, que foi esboçando um tanto sem método ao longo da sua curta
vida, o desejo de contribuir para salvar a memória desse mundo do gaúcho em
extinção. Às vezes é mesmo um tanto empolado como em algumas conferências e
discursos. Mas quase sempre mostra senso crítico e engajamento social, como,
por exemplo, na coluna intitulada “Inquéritos em contraste” ou nas crônicas de “O
Rio Grande (à Vol d´Oiseau)” em que contrasta o luxo dos palacetes à pobreza do
asilo de mendigos. Ou, mesmo, de um modo mais leve e zombeteiro, na invocação
aos jovens de Pelotas para liderarem a comemoração do aniversário da cidade,
criativamente, reafirmando uma cultura própria contra a mera reprodução de
modelos estrangeiros.
A maior
parte desses escritos dispersos, que vêm sendo aos poucos resgatados,
comentados e publicados, graças ao empenho de alguns simonianos persistentes,
corresponde em muito aos ideais político-pedagógicos dos principais intelectuais do tempo, dentro e fora do
Rio Grande, como mostra detalhadamente o livro de Luís Borges, publicado em
2009. Há mesmo alguns textos ficcionais e poéticos de entretenimento, que o
mostram bem informado e bem humorado, além de serem muito bem escritos. Esse é o caso, por exemplo, do
folhetim, “A Mandinga”, publicado em jornal e só muito tempo depois, em livro. Bastante moderno, o texto divertido e
crítico é, ao mesmo tempo, um longo conto de suspense, sendo esse recurso folhetinesco usado com
maestria para prender os leitores e as leitoras.
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Fonte:
Fonte:
Lígia
Chiappini: "Simões Lopes Neto, um poeta da imensidão". Nonada Letras em Revista. Porto Alegre, ano 15, n. 19, p. 97-108,
2012, disponível em: http://seer.uniritter.edu.br
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