18/01/2014

Tentação, de Adolfo Caminha

 Adolfo Caminha - Tentação
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Romance “Tentação”, de d Adolfo Caminha

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Também em seu romance Tentação, publicado postumamente, não faltaram críticas à Monarquia, mas também ao movimento republicano. A personagem Evaristo de Holanda, um republicano ardoroso, ou como ele mesmo se definia, um democrata, não deixou, ao longo da narrativa, de bater-se contra os monar­quistas, entre eles o visconde de Santa Quitéria. Não são poucas as passagens do romance em que o descontentamento da personagem foi representado. A vida na casa dos Furtado, o casal de amigos que acolhera Evaristo e a sua esposa, passou a ser um martírio, pois Dona Branca, a esposa de Furtado, era uma monarquista ferrenha e comadre da princesa Isabel. Um exemplo dessa tensão instalada no interior da narrativa de Tentação pode ser percebido no diálogo que reproduzimos a seguir:
A propósito dos filhos, a mulher [Dona Branca] anunciou o batizado da Julinha no primeiro domingo de janeiro. Ia fazer uma festa sem cerimônia, entre pessoas da intimidade.
Evaristo recebeu a notícia com um – oh!... de surpresa. – Muito bem! muito bem! Era preciso batizar a menina... Ele, se tivesse filhos, batizava-os ao nascer.
E com ironia:
– Temos, então, a princesa?
– Como, Sr. Evaristo?
– Digo: a princesa há de comparecer à festa...
– Qual o quê! Pensa o senhor que a princesa anda se exibindo assim?
– Pensei...
– Vai ser a madrinha de minha filha, por procuração; isso bem...
– E Evaristo, sempre irônico:
– O imperador é o padrinho...
– Não senhor, não senhor... O padrinho é o Lousada, o velho Lousada. O imperador já é o padrinho do Raul.
– Onde estamos nós metidos, Adelaide! – exclamou o bacharel, arregalando os olhos. – Tudo aqui é principesco, minha senhora!
D. Branca compreendeu o debique, mas atalhou risonha:
Tudo aqui não é principesco, não senhor! Não queira fazer pouco...
Eu, fazer pouco? Oh, não se lembre de tal coisa! Principesco é uma maneira de dizer.
Ah! o senhor é republicano?
Republicano não: democrata.
Pois está muito bem arranjado com a sua democracia!
Furtado, que estava lendo o Comércio do Rio, saltou:
– Quem é democrata – o Evaristo?
– Eu, sim...
– Democrata enquanto não conheceres bem o Rio de Janeiro..
– Por quê?
– Ora, por quê! Porque o Rio de Janeiro em globo é monarquista e quem diz monarquista diz aristocrata.
– Não é razão. Se o Rio de Janeiro em globo (quero dizer o município neutro...) é monarquista, eu posso bem sair um republicano às direitas.
Furtado abriu numa gargalhada estridente.
– Aonde vens pregar essas teorias, meu caro? Na Corte do Império, e o que é mais, em Botafogo! Ilusões de academia, rapaz, ilusões de estudante de retórica!
– Não senhor, que o partido republicano está ganhando terreno aqui mesmo, na
– Corte, às barbas d’El-Rei! Fala-se na ida do velho à Europa; o velho está doido, já não pode governar, e o resultado é que...
– É estás a dizer tolices... A monarquia está guardada por sentinelas da força do barão de Cotegipe, do visconde de Ouro Preto, do João Alfredo e de outros... Cada um desses homens é um obstáculo contra qualquer tentativa de assalto às instituições.
Chegou a vez do bacharel rir, mas rir com gosto, dando pulinhos na cadeira.
– O Cotegipe! (e ria). O Ouro Preto! (tornava a rir). O João Alfredo! No momen­to psicológico voam todos, como aves de arribação, para Petrópolis! Desaparecem como por encanto, somem-se na noite do medo...
– É o que pensas. A opinião deles, o povo não permitirá que eles sejam desacatados.
– O povo! – exclamou Evaristo com voz de trovão. – A que chamas tu povo?
– À população do Rio de Janeiro, à população do Brasil – a treze milhões de almas que adoram o imperador!
– O povo brasileiro não se envolve nisso não, meu Furtado; se fôssemos esperar pelo povo, estávamos bem arranjados...
– E então?
– E então, é que a força armada...
– Basta de política, basta de política, Sr. Evaristo. Ó Luís, por favor, continua a ler teu jornal – interveio Branca, – É favor! (Caminha, 1979, p.22-3)
Vemos por essa cena que a discussão a respeito da política, notadamente do confronto entre monarquistas e republicanos, ou democratas como Evaristo se dizia ser, saiu do âmbito da vida privada – o batismo de Julinha, a filha caçula do casal Furtado – para atingir uma discussão a respeito da atuação do gabinete de então e do próprio imperador. No romance em causa, essas discussões serão crescentes. O embate entre os antagonistas políticos fazem parte da trama narrativa, construindo a intriga necessária para o andamento do romance.
As opiniões de Evaristo e dos Furtado se alternam. Uma hora o vemos defendendo a República, outra vemos Furtado defendendo a Monarquia. Evaristo chega mesmo a definir o espaço em que se passava a trama a partir de uma ou de outra forma de governo. Para ele o Rio de Janeiro ideal seria o Rio de Janeiro republicano: “O Rio de Janeiro sem o imperador e sem os preconceitos da monarquia, o Rio de Janeiro tal qual sonham os bons republicanos, há de ser uma coisa única! Palavra de honra como eu não desejava abandonar esta terra, enquanto não visse um homem do povo governando o Brasil!” (ibidem, p.100). E Evaristo vai além:
Que mas o quê! Para longe deste inferno! para longe desta porqueira! Vive-se melhor, mais barato e mais honradamente na obscuridade da província, criando galinhas ou plantando jerimuns. Estou farto de aturar a pedantocracia de Botafogo e do Sr. Luís Furtado. Um bacharel em direito vive em qualquer parte do mundo: vou advogar, vou esperar a República no sertão! (ibidem, p.104)
No romance em causa, há um capítulo todo dedicado a uma das viagens do imperador D. Pedro II à Europa. Nesse capítulo, o narrador, e também Evaristo, tecem considerações a respeito dos membros do movimento repu­blicano como lemos abaixo:
E Evaristo, indignado, pôs-se a andar de um lado para o outro da sala, com o panfleto abolicionista na mão. Ultimamente encasquetara-se-lhe, como uma idéia fixa, o programa republicano: abolir a escravidão e declarar a república brasileira, o governo do povo pelo povo... Um dos membros do partido já o convidara para sócio e ele se comprometera a tomar parte ativa nas reuniões do clube. Daí a sua indignação contra o Valdevino que também apregoava entusiasmo pelas idéias liberais de Saldanha Marinho e Quintino Bocaiúva. Não lhe saía da cabeça o poeta da Ode à Monarquia! Como é que se explicava essa pouca-vergonha de um escritor público?
Sentou-se, afinal, e continuou a interrompida leitura do panfleto. (ibidem, p.90)
Vemos nessa citação que Evaristo é também especialmente crítico com os “republicanos”, ou seja, com aqueles que transitam indecisamente entre um lado e outro do poder. A personagem parece mesmo não se sentir adequada dentro do contexto em que se situa. Mais parece uma personagem romântica, ao defender suas utopias, vivendo em uma cidade naturalista, onde as utopias são tragadas pelas circunstâncias. Circunstâncias essas que Adolfo Caminha representou, como vimos, em seus romances.
Não se trata aqui de colar a obra à vida, mas de mostrar as relações-possíveis entre um e outro fazer, ou melhor, entre uma e outra prática, seja ela discur­siva ou política ou porque não falarmos em uma manifestação simbiótica de discurso-político ou política discursiva. Como sabemos, no caso dos escritores naturalistas ou dos escritores que em momentos de sua carreira tenham se uti­lizado dos pressupostos naturalistas, o jogo entre representação e realidade se dá em dimensões bem próximas. Nesse jogo, muitas vezes, o vivido os serviu de fonte para a literatura.

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Fonte:
Carlos Eduardo de Oliveira Bezerra: "Adolfo Caminha: um polígrafo na literatura brasileira do Século XIX (1885-1897). livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). São Paulo, 2009.


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