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Romance “Tentação”, de d Adolfo Caminha
[...]
Também em seu
romance Tentação, publicado postumamente, não faltaram críticas à
Monarquia, mas também ao movimento republicano. A personagem Evaristo de
Holanda, um republicano ardoroso, ou como ele mesmo se definia, um democrata,
não deixou, ao longo da narrativa, de bater-se contra os monarquistas, entre
eles o visconde de Santa Quitéria. Não são poucas as passagens do romance em
que o descontentamento da personagem foi representado. A vida na casa dos
Furtado, o casal de amigos que acolhera Evaristo e a sua esposa, passou a ser
um martírio, pois Dona Branca, a esposa de Furtado, era uma monarquista ferrenha
e comadre da princesa Isabel. Um exemplo dessa tensão instalada no interior da
narrativa de Tentação pode ser percebido no diálogo que reproduzimos a
seguir:
A propósito dos
filhos, a mulher [Dona Branca] anunciou o batizado da Julinha no primeiro domingo
de janeiro. Ia fazer uma festa sem cerimônia, entre pessoas da intimidade.
Evaristo recebeu
a notícia com um – oh!... de surpresa. – Muito bem! muito bem! Era preciso
batizar a menina... Ele, se tivesse filhos, batizava-os ao nascer.
E com ironia:
– Temos, então,
a princesa?
– Como, Sr.
Evaristo?
– Digo: a
princesa há de comparecer à festa...
– Qual o quê!
Pensa o senhor que a princesa anda se exibindo assim?
– Pensei...
– Vai ser a
madrinha de minha filha, por procuração; isso bem...
– E Evaristo, sempre
irônico:
– O imperador é
o padrinho...
– Não senhor,
não senhor... O padrinho é o Lousada, o velho Lousada. O imperador já é o
padrinho do Raul.
– Onde estamos
nós metidos, Adelaide! – exclamou o bacharel, arregalando os olhos. – Tudo aqui
é principesco, minha senhora!
D. Branca
compreendeu o debique, mas atalhou risonha:
Tudo aqui não é
principesco, não senhor! Não queira fazer pouco...
Eu, fazer pouco?
Oh, não se lembre de tal coisa! Principesco é uma maneira de dizer.
Ah! o senhor é
republicano?
Republicano não:
democrata.
Pois está muito
bem arranjado com a sua democracia!
Furtado, que
estava lendo o Comércio do Rio, saltou:
– Quem é
democrata – o Evaristo?
– Eu, sim...
– Democrata
enquanto não conheceres bem o Rio de Janeiro..
– Por quê?
– Ora, por quê!
Porque o Rio de Janeiro em globo é monarquista e quem diz monarquista diz
aristocrata.
– Não é razão.
Se o Rio de Janeiro em globo (quero dizer o município neutro...) é monarquista,
eu posso bem sair um republicano às direitas.
Furtado abriu
numa gargalhada estridente.
– Aonde vens
pregar essas teorias, meu caro? Na Corte do Império, e o que é mais, em
Botafogo! Ilusões de academia, rapaz, ilusões de estudante de retórica!
– Não senhor,
que o partido republicano está ganhando terreno aqui mesmo, na
– Corte, às
barbas d’El-Rei! Fala-se na ida do velho à Europa; o velho está doido, já não
pode governar, e o resultado é que...
– É estás a
dizer tolices... A monarquia está guardada por sentinelas da força do barão de
Cotegipe, do visconde de Ouro Preto, do João Alfredo e de outros... Cada um
desses homens é um obstáculo contra qualquer tentativa de assalto às
instituições.
Chegou a vez do
bacharel rir, mas rir com gosto, dando pulinhos na cadeira.
– O Cotegipe! (e
ria). O Ouro Preto! (tornava a rir). O João Alfredo! No momento psicológico
voam todos, como aves de arribação, para Petrópolis! Desaparecem como por
encanto, somem-se na noite do medo...
– É o que
pensas. A opinião deles, o povo não permitirá que eles sejam desacatados.
– O povo! –
exclamou Evaristo com voz de trovão. – A que chamas tu povo?
– À população do
Rio de Janeiro, à população do Brasil – a treze milhões de almas que adoram o
imperador!
– O povo
brasileiro não se envolve nisso não, meu Furtado; se fôssemos esperar pelo
povo, estávamos bem arranjados...
– E então?
– E então, é que
a força armada...
– Basta de
política, basta de política, Sr. Evaristo. Ó Luís, por favor, continua a ler
teu jornal – interveio Branca, – É favor! (Caminha, 1979, p.22-3)
Vemos por essa
cena que a discussão a respeito da política, notadamente do confronto entre
monarquistas e republicanos, ou democratas como Evaristo se dizia ser, saiu do
âmbito da vida privada – o batismo de Julinha, a filha caçula do casal Furtado
– para atingir uma discussão a respeito da atuação do gabinete de então e do
próprio imperador. No romance em causa, essas discussões serão crescentes. O
embate entre os antagonistas políticos fazem parte da trama narrativa,
construindo a intriga necessária para o andamento do romance.
As opiniões de
Evaristo e dos Furtado se alternam. Uma hora o vemos defendendo a República,
outra vemos Furtado defendendo a Monarquia. Evaristo chega mesmo a definir o
espaço em que se passava a trama a partir de uma ou de outra forma de governo.
Para ele o Rio de Janeiro ideal seria o Rio de Janeiro republicano: “O Rio de
Janeiro sem o imperador e sem os preconceitos da monarquia, o Rio de Janeiro
tal qual sonham os bons republicanos, há de ser uma coisa única! Palavra de
honra como eu não desejava abandonar esta terra, enquanto não visse um homem do
povo governando o Brasil!” (ibidem, p.100). E Evaristo vai além:
Que mas o quê!
Para longe deste inferno! para longe desta porqueira! Vive-se melhor, mais
barato e mais honradamente na obscuridade da província, criando galinhas ou
plantando jerimuns. Estou farto de aturar a pedantocracia de Botafogo e do Sr.
Luís Furtado. Um bacharel em direito vive em qualquer parte do mundo: vou
advogar, vou esperar a República no sertão! (ibidem, p.104)
No romance em
causa, há um capítulo todo dedicado a uma das viagens do imperador D. Pedro II
à Europa. Nesse capítulo, o narrador, e também Evaristo, tecem considerações a
respeito dos membros do movimento republicano como lemos abaixo:
E Evaristo, indignado,
pôs-se a andar de um lado para o outro da sala, com o panfleto abolicionista na
mão. Ultimamente encasquetara-se-lhe, como uma idéia fixa, o programa
republicano: abolir a escravidão e declarar a república brasileira, o
governo do povo pelo povo... Um dos membros do partido já o convidara para sócio
e ele se comprometera a tomar parte ativa nas reuniões do clube. Daí a sua
indignação contra o Valdevino que também apregoava entusiasmo pelas idéias
liberais de Saldanha Marinho e Quintino Bocaiúva. Não lhe saía da cabeça o
poeta da Ode à Monarquia! Como é que se explicava essa pouca-vergonha de
um escritor público?
Sentou-se,
afinal, e continuou a interrompida leitura do panfleto. (ibidem, p.90)
Vemos nessa
citação que Evaristo é também especialmente crítico com os “republicanos”, ou
seja, com aqueles que transitam indecisamente entre um lado e outro do poder. A
personagem parece mesmo não se sentir adequada dentro do contexto em que se
situa. Mais parece uma personagem romântica, ao defender suas utopias, vivendo
em uma cidade naturalista, onde as utopias são tragadas pelas circunstâncias.
Circunstâncias essas que Adolfo Caminha representou, como vimos, em seus
romances.
Não se trata
aqui de colar a obra à vida, mas de mostrar as relações-possíveis entre um e
outro fazer, ou melhor, entre uma e outra prática, seja ela discursiva ou
política ou porque não falarmos em uma manifestação simbiótica de
discurso-político ou política discursiva. Como sabemos, no caso dos escritores
naturalistas ou dos escritores que em momentos de sua carreira tenham se utilizado
dos pressupostos naturalistas, o jogo entre representação e realidade se dá em
dimensões bem próximas. Nesse jogo, muitas vezes, o vivido os serviu de fonte
para a literatura.
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Fonte:
Carlos Eduardo de Oliveira Bezerra: "Adolfo Caminha: um polígrafo na literatura brasileira do Século XIX (1885-1897). livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). São Paulo, 2009.
Fonte:
Carlos Eduardo de Oliveira Bezerra: "Adolfo Caminha: um polígrafo na literatura brasileira do Século XIX (1885-1897). livro é publicado pelo Programa de Publicações Digitais da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). São Paulo, 2009.
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