23/01/2014

Serão Inquieto, de Antônio Patrício

 Antonio Patricio - Serao Inquieto - Iba Mendes
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António Patrício: escrita e experiência literária

Numa perspectiva mitocrítica, o que se observa no campo da literatura dramática produzida entre os fins de oitocentos e o primeiro quartel de novecentos é a grande voga – a par do drama naturalista e da comédia de atualidade – de um teatro histórico de recorte romântico e de pendor nacionalista. Em muitos dos textos, percebe-se uma tendência pedagógica fundamentada, sobretudo, no sentimento de crise nacional e na urgência de socorrer a pátria doente, seja numa linha tradicionalista e saudosa do passado – como são exemplares os textos de Henrique Lopes de Mendonça e Marcelino Mesquita –, seja numa linha revolucionária, projetada para o futuro – como, por exemplo, acontece em António Patrício.

Conforme destaca Túlio R. Ferro, “Influenciados pelos simbolistas e decadentistas franceses, é sob o signo duma modernidade irreverente, intencionalmente extravagante e aristocratizante, que os jovens letrados portugueses de 1890 vão tentar impor uma nova estética” (FERRO, s/d, p. 103). Os simbolistas portugueses vivenciam um momento múltiplo e vário, de intensa agitação social, política, cultural e artística. Será com o episódio do Ultimato inglês que se aceleram as manifestações nacionalistas e republicanas, que culminarão com a proclamação da República, em 1910. Os principais autores desse estilo em Portugal seguem, portanto, linhas diversas, que vão do esteticismo de Eugênio de Castro ao nacionalismo de Antônio Nobre.

Assim, tomando a publicação de Oaristos (1890), de Eugênio de Castro, como o marco inicial do simbolismo em Portugal, ou, ainda, 1889, ano do primeiro número da Boémia Nova e Os Insubmissos, revistas de manifestações decadentistas-simbolistas; considerando Palavras Loucas (1894), de Alberto de Oliveira, como paradigma neo- garrettista25 e Terra Florida (1909), de João de Barros, como reação do neo-romantismo vitalista26, além, nos últimos decênios do século, dos textos de índole panfletária de Guerra Junqueiro ou de Gomes Leal, observa-se que, lançar olhar para a literatura portuguesa finissecular traz importantes questões a respeito de periodização literária.

Há que se destacar que o Simbolismo não vem depois do Naturalismo, os dois movimentos são, em vez disso, praticamente contemporâneos. Entre 1857, ano de publicação de Madame Bovary e de Les Fleurs du Mal, e 1893, ano de finalização de Les Rougon-Macquart e da estréia de Pelléas y Mélisande, tem-se um pouco mais de trinta anos em que se encontram as obras de ambos os movimentos: obras de Flaubert, Madame Bovary, Salammbô (1862), L’Éducation sentimentale (1869), La Tentation de Saint Antoine (1874); de Zola, toda a série de Les Rougon-Maquart (1871-1892); de Baudelaire, Les Fleurs du mal, Les Paradis artificiels (1861); de Mallarmé, Hérodiade (1871), L’Après-midi d’un faune (1876), Vers et prose (1893), Un coup de dés (1897); de Verlaine, La bonne chanson (1870), Romances sans paroles (1874); de Rimbaud Une saison en enfer (1873), Les Illuminations (1886), por exemplo. Em outras palavras, Germinal é publicado no mesmo ano da Prose pour des Esseintes, de Mallarmé, da mesma maneira que suas Poésies coincidem com a publicação de La Terre, de Zola.

Neste sentido, estudar a obra de um autor – ou grupo de autores – é de grande contributo para uma maior intelecção da complexidade de doutrinas estéticas que atravessam as décadas finais do século XIX e os primeiros anos do século XX. Se “o sistema literário se manifesta como um polissistema, comportando, por conseguinte, mais do que um policódigo literário” (AGUIAR E SILVA, 1983, p. 102), como afirma Vítor Manuel de Aguiar e Silva, percebe-se, na literatura de fim-de-século em Portugal, justamente, a reverberação de sistemas literários hegemônicos – “estilos de época” – mas cujas linhas de demarcação são tênues. José Carlos Seabra Pereira (1979) já aludia ao fato de que uma obra pode, mais ou menos harmonicamente, articular aspectos que penetram ou tangem diversas vertentes literárias.

É este o caso de António Patrício, em que tal questão coloca-se com particular acuidade. Ao situá-lo no contexto finissecular, cabe ressaltar que seu primeiro texto dramático – O Fim – data de 1909 e o último – D. João e a Máscara – de 1924, para se verificar que os textos se desenvolvem numa época marcada por múltiplas tendências, o que poderia fazer supor que António Patrício é um simbolista tardio ou simbolista extemporâneo. Entretanto, seriam enquadramentos insuficientes para um escritor que, como simbolista, foi, sobretudo, heterodoxo. Sua obra que se situa numa convergência do Simbolismo e do Saudosismo, revela uma vivência “expressa em permanente tensão dionisíaca, de inspiração nietzschiana, na fronteira da morte a todo o instante apreendida”, no dizer de Jacinto Prado Coelho (1989, p. 802).

Tendo em vista, portanto, que uma obra literária nunca é autônoma em relação ao contexto sociocultural em que é produzida – antes, guardando com ele estreitas relações, – faz-se necessário um confronto com o teatro simbolista que se produzia na época e com os ideais saudosistas, preconizados por Teixeira de Pascoais. O que se propõe neste capítulo, portanto, é – através de uma breve análise das origens do Simbolismo e suas reverberações no teatro – estudar a produção teatral de António Patrício em seus aspectos mais ortodoxos quanto à estética simbolista, mas, também, em suas heterodoxias. Como será analisado, se Patrício soube, de fato assimilar, a herança teatral simbolista – seguindo os modelos presentes no Théâtre D’Art e do Théâtre de L’Oeuvre franceses, que se opunham ao Teatro Livre ou Moderno do racionalismo naturalista –, soube, também, acompanhar toda a sua evolução da estética simbolista, construindo uma obra original. Além disso, será observada a influência da filosofia de Friedrich Nietzsche nos textos dramáticos de Patrício, sobretudo no que diz respeito aos conceitos de apolíneo e dionisíaco, possibilitando, assim, a mitocrítica dos textos Pedro, o Cru, Dinis e Isabel e D. João e a Máscara.

Pedro e Inês, Dinis e Isabel e D. João, presentes na memória coletiva, preenchem o grande espaço que a saudade – também mitificada –, a vocação nostálgica do Absoluto, para utilizar a expressão de Durand, ocupa nas manifestações artísticas de Portugal. Consciente da importância das imagens com que se ocupa em seus textos dramáticos, António Patrício interessa-se, mais do que pela história canonizada nos livros, pelos mitos e representações que povoam o imaginário coletivo. A mitocrítica, para a análise dos seus textos dramáticos, tem como propósito revelar um núcleo mitológico, um padrão mítico. Isso porque, conforme ressalta Gilbet Durand, “qualquer texto revela, em suas profundidades, um ser pregnante‘ a olhar o significado” (DURAND, 2003, p. 158).

Quanto a isso, é importante o que diz Claude Lévi-Strauss, na sua Antropologia Estrutural, ao estudar a estrutura dos mitos, esclarecendo que o mito está destinado a conciliar antinomias inconciliáveis (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 243) e, que o pensamento mìtico “procede de tomada de consciência de certas oposições, e tende à sua mediação progressiva” (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 48). E, no confronto de diversas versões de um mito, esclarece não haver “versão verdadeira‘ da qual outras seriam cópias ou ecos deformados. Todas as versões pertencem ao mito” (LÉVI-SATRAUSS, 2008, p. 242).


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Fonte
Roberto Nunes Bittencourt: “Escrita de eros e tânatos no teatro de António Patrício”. ( Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Doutor em Letras Vernáculas (Literatura Portuguesa). Orientadora: Profª. Doutora Luci Ruas Pereira). Rio de Janeiro, 2011

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