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Fonte:
Sânzio de Azevedo: Introdução crítica dois livros raros de Adolfo Caminha. In: CAMINHA, Adolfo. Tentação; No país dos Ianques. Rio de Janeiro, José Olympio; Fortaleza, Academia Cearense de Letras, 1979.
Breve análise do livro “No País dos
Ianques”, de Adolfo Caminha
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Escrito
no Ceará, no ano de 1890, oportunidade em que foi publicado no Diário do Ceará,
e editado em volume em 1894, no Rio de Janeiro, No país dos ianques, como já
foi dito, é como que o diário da viagem que Adolfo Caminha fez no cruzador
Almirante Barroso, em 1886, como guarda-marinha: partindo do Rio de Janeiro,
apartou em Pernambuco, para dali seguir para Barbados, depois Jamaica e afinal
Estados Unidos, mais precisamente Nova Orleans, onde o navio ma representar o
Brasil na Exposição Internacional que ali teria lugar; depois, Cuba, novamente
os Estados Unidos, desta vez Nova Iorque, e depois Baltimore, Filadélfia, e por
fim Anápolis, West Point e Newport.
Logo
na abertura do pequeno prefácio com que apresenta o livro, Adolfo Caminha
transcreve palavras de Taine, em que o crítico francês deixa claro que cada um
deve dizer aquilo que viu, e unicamente o que viu, pois para ele as
observações, desde que sejam pessoais e feitas de boa-fé, são sempre úteis.
Ora,
se Adolfo Caminha chegou a afirmar, certa vez, numa pagina hoje desconhecida de
muitos - o prefácio às Estrofes, de F. Alves Lima -, que a própria poesia deve
ser a expressão em verso da verdade filosófica ou científica [uma vez que], A
verdade é tudo na Arte como na Ciência,o que nunca felizmente chegaria a
comprometer a literariedade de sua ficção, mais razão teria ele para invocar
essa verdade com relação a um livro de observação, como é a narrativa de uma
viagem.
Pensara
a princípio em escrever uma obra de interpretação a respeito dos Estados
Unidos; em tempo verificou, porém, que a tarefa não caberia a quem esteve
apenas de visita à grande nação, e assim foi que se decidiu a seguir à risca o
conselho de Taine, mestre de sua geração, fixando com o maior apego à verdade
tudo quanto viu no país dos ianques.
Todavia,
o ficcionista não poderia estar ausente dessas notas pessoais. E no capítulo I
encontramos trechos como este, digno de um romance:
Noite
escura e chuvosa, cheia de nevoeiro e tristeza, fria, sem estrelas, cortada de
clarões longínquos. Tão escura que se não distinguia um palmo diante do nariz,
tão feia que os bicos de gás da cidade, soturna e quieta, bruxuleavam palidamente
com a sua luz trêmula e vacilante...
No
capítulo XI há momentos assim:
Crepúsculo
... Céu pardo com uns tons de azinhavre muito vagos, aqui, ali. bordando
nuvens. . . Embaixo a longa extensão côncava do vale afundando-se como o leito
de um grande mar, que tivesse desaparecido, verde-escuro, indistinto quase a
essa hora do dia.
Não
falta a nota humorística, no capítulo VI, neste trecho:
Nuvens
de mosquitos atordoaram-nos toda a noite. "- Caramba! exclamava o barbeiro
de bordo, um estimável espanhol que trazíamos do Rio de Janeiro. Caramba!
Mosquitos por mosquitos me gustan más los dei Brasil!
No
capítulo I destaca-se a história de Gustavo Adolfo, poeta paraense cuja ambição
o levara ao presídio de Pernambuco; essa narrativa é, como bem observou Sabóia
Ribeiro, "quase um pequeno conto incrustado no livro".
Tudo
isso são prenúncios do que iria cristalizar-se mais tarde no seu estilo de
ficcionista.
O
antimonarquismo de Caminha, que iria povoar vários passos de Tentação, também
está presente nestas páginas escritas em 1890: ora se revela no relato de uma
cena em que o príncipe D. Augusto é confundido com outro rapaz; ora explode em
frases como esta, em que o narrador afirma que o imperador nunca estendeu o seu
magnânimo olhar até aos cárceres senão em certos dias de gala natalícia para
indultar os escolhidos da política dominante; [ora ainda quando, ao ver
estátuas em Barbados e em Jamaica, lembra] aquela colossal massa de bronze que
se ergue no Largo do Rocio, no Rio de Janeiro, em forma de um monarca
escanchado num belo cavalo [e lamenta não ser], aquele bronze aproveitado para
outra cousa mais digna e útil [ora ainda quando fala do]; anacrónico império do
Sr. D. Pedro II ...
O
castigo da chibata, que iria ainda reaparecer no romance BomCrioulo ( 1895), e
que já era há muito uma preocupação de Caminha, está presente em algumas
páginas de No país dos ianques. Aí conta o escritor como, logo ao deixar a
Escola de Marinha, publicara um conto abordando o problema, e quais suas
conseqüências:
Escusado
é dizer que o meu artigo provocou o despeito dos culpados indiretamente feridos
no seu amor-próprio. Embora! Fiquei satisfeito, como se tivesse sacudido para
longe um fardo pesadíssimo.
É
interessante observar que, coerente com seus anseios de progresso e
civilização, o escritor não se conformava com o papel subalterno desempenhado
pela mulher em relação ao homem, àquele tempo; e, entusiasmado com o trabalho
das caixeiras de Nova Orleans, assinala que isto era muitíssimo natural, mas
não no Brasil, onde as senhoras estão eternamente proibidas de competir com o
outro sexo na vida pública.
Por
sinal, algumas observações de Caminha servem para nos mostrar o quanto nosso
país evoluiu em menos de um século no concerto das nações.
É
natural o arrebatamento com que o jovem militar viu a grandeza dos Estados
Unidos, cujo povo, certo de seu progresso, não deixou de se admirar do cruzador
Almirante Barroso: "Como? Pois no Brasil também se fabricam navios de
guerra? Está muito adiantado o Brasil!" Mas é pena que, em seu
deslumbramento, o escritor haja algumas vezes exagerado a pequenez do Brasil de
então diante da grande nação do Norte; já nem falamos, é claro, do trecho em
que lamenta ser pequeno o nosso País, apesar de "toda a grandeza de suas
montanhas e de seus rios, diante do colosso americano do norte". Referimo-nos
a trechos como este, do capítulo XV, em que, ao fazer o elogio da Escola de
West Point, observa:
E
não era sem uma ponta de tristeza que nós, brasileiros - raça degenerada e
linfática -, víamos criar-se assim uma raça forte e alegre com todos os caracteres
de virilidade e independência.
Neste
ponto, Adolfo Caminha, que havia sido tão lúcido ao combater os anacronismos
que o rodeavam, pagava seu tributo às idéias da época (e de muitos anos mais
tarde, é preciso que se reconheça), ao acreditar no mito das raças superiores e
inferiores...
Sabino
Batista, companheiro de Caminha na Padaria Espiritual, escreveu um rápido e
despretensioso artigo cujo objetivo era registrar o aparecimento de mais um
livro do já conhecido escritor, dizendo:
No
país dos ianques não é um livro de crítica ou de análise aos costumes e ao caráter
desse grandioso povo tão nosso irmão e que nós tanto admiramos, mas sim uma
carteira de turista que, sôfrego de novidades, de novas sensações, vai anotando
tudo o que a retina apanha de passagem.
E,
alguns passos adiante, assinala com razão:
Tanto
no romance como nas notas de viagens Caminha mostra pujantemente qualidades
inatas de artista e de fino observador. A par de uma boa forma, de um magnífico
estudo, o autor da Normalista é fluente em adjetivação, fácil e compreensível
na linguagem.
É
evidente que o interesse desse livro de Adolfo Caminha é relativo, principalmente
levando-se em conta que, sendo um livro de viagem, retrata uma realidade já
ultrapassada, ou seja, uma visão pessoal e rápida dos Estados Unidos de 1886. É
certo que um romance, Tentação, no caso, igualmente reproduz um mundo hoje
desaparecido, ou seja, o Rio de Janeiro dos últimos tempos da Monarquia. Mas é preciso
lembrar que, se o objetivo de um livro de viagens é servir de documento, o de
um romance, mesmo realista, não pode ser só este. Em todo caso, não é
interessante para o leitor atual uma visão de como eram os Estados Unidos há
mais de noventa anos?
Ademais,
ainda é importante a leitura de No país dos ianques pelo fato de, sendo um
livro escrito em 1890, baseado em anotações de 1886, já apresentar algumas das
características fundamentais de observação e de estilo que marcarão a obra
futura de Adolfo Caminha.
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Fonte:
Sânzio de Azevedo: Introdução crítica dois livros raros de Adolfo Caminha. In: CAMINHA, Adolfo. Tentação; No país dos Ianques. Rio de Janeiro, José Olympio; Fortaleza, Academia Cearense de Letras, 1979.
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