21/01/2014

No País dos Ianques, de Adolfo Caminha

 Adolfo Caminha - No Pais dos Ianques  - Iba Mendes
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Breve análise do livro “No País dos Ianques”, de Adolfo Caminha

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Escrito no Ceará, no ano de 1890, oportunidade em que foi publicado no Diário do Ceará, e editado em volume em 1894, no Rio de Janeiro, No país dos ianques, como já foi dito, é como que o diário da viagem que Adolfo Caminha fez no cruzador Almirante Barroso, em 1886, como guarda-marinha: partindo do Rio de Janeiro, apartou em Pernambuco, para dali seguir para Barbados, depois Jamaica e afinal Estados Unidos, mais precisamente Nova Orleans, onde o navio ma representar o Brasil na Exposição Internacional que ali teria lugar; depois, Cuba, novamente os Estados Unidos, desta vez Nova Iorque, e depois Baltimore, Filadélfia, e por fim Anápolis, West Point e Newport.

Logo na abertura do pequeno prefácio com que apresenta o livro, Adolfo Caminha transcreve palavras de Taine, em que o crítico francês deixa claro que cada um deve dizer aquilo que viu, e unicamente o que viu, pois para ele as observações, desde que sejam pessoais e feitas de boa-fé, são sempre úteis.

Ora, se Adolfo Caminha chegou a afirmar, certa vez, numa pagina hoje desconhecida de muitos - o prefácio às Estrofes, de F. Alves Lima -, que a própria poesia deve ser a expressão em verso da verdade filosófica ou científica [uma vez que], A verdade é tudo na Arte como na Ciência,o que nunca felizmente chegaria a comprometer a literariedade de sua ficção, mais razão teria ele para invocar essa verdade com relação a um livro de observação, como é a narrativa de uma viagem.

Pensara a princípio em escrever uma obra de interpretação a respeito dos Estados Unidos; em tempo verificou, porém, que a tarefa não caberia a quem esteve apenas de visita à grande nação, e assim foi que se decidiu a seguir à risca o conselho de Taine, mestre de sua geração, fixando com o maior apego à verdade tudo quanto viu no país dos ianques.

Todavia, o ficcionista não poderia estar ausente dessas notas pessoais. E no capítulo I encontramos trechos como este, digno de um romance:

Noite escura e chuvosa, cheia de nevoeiro e tristeza, fria, sem estrelas, cortada de clarões longínquos. Tão escura que se não distinguia um palmo diante do nariz, tão feia que os bicos de gás da cidade, soturna e quieta, bruxuleavam palidamente com a sua luz trêmula e vacilante...

No capítulo XI há momentos assim:

Crepúsculo ... Céu pardo com uns tons de azinhavre muito vagos, aqui, ali. bordando nuvens. . . Embaixo a longa extensão côncava do vale afundando-se como o leito de um grande mar, que tivesse desaparecido, verde-escuro, indistinto quase a essa hora do dia.

Não falta a nota humorística, no capítulo VI, neste trecho:

Nuvens de mosquitos atordoaram-nos toda a noite. "- Caramba! exclamava o barbeiro de bordo, um estimável espanhol que trazíamos do Rio de Janeiro. Caramba! Mosquitos por mosquitos me gustan más los dei Brasil!

No capítulo I destaca-se a história de Gustavo Adolfo, poeta paraense cuja ambição o levara ao presídio de Pernambuco; essa narrativa é, como bem observou Sabóia Ribeiro, "quase um pequeno conto incrustado no livro".

Tudo isso são prenúncios do que iria cristalizar-se mais tarde no seu estilo de ficcionista.

O antimonarquismo de Caminha, que iria povoar vários passos de Tentação, também está presente nestas páginas escritas em 1890: ora se revela no relato de uma cena em que o príncipe D. Augusto é confundido com outro rapaz; ora explode em frases como esta, em que o narrador afirma que o imperador nunca estendeu o seu magnânimo olhar até aos cárceres senão em certos dias de gala natalícia para indultar os escolhidos da política dominante; [ora ainda quando, ao ver estátuas em Barbados e em Jamaica, lembra] aquela colossal massa de bronze que se ergue no Largo do Rocio, no Rio de Janeiro, em forma de um monarca escanchado num belo cavalo [e lamenta não ser], aquele bronze aproveitado para outra cousa mais digna e útil [ora ainda quando fala do]; anacrónico império do Sr. D. Pedro II ...

O castigo da chibata, que iria ainda reaparecer no romance Bom­Crioulo ( 1895), e que já era há muito uma preocupação de Caminha, está presente em algumas páginas de No país dos ianques. Aí conta o escritor como, logo ao deixar a Escola de Marinha, publicara um conto abordando o problema, e quais suas conseqüências:

Escusado é dizer que o meu artigo provocou o despeito dos culpados indiretamente feridos no seu amor-próprio. Embora! Fiquei satisfeito, como se tivesse sacudido para longe um fardo pesadíssimo.

É interessante observar que, coerente com seus anseios de progresso e civilização, o escritor não se conformava com o papel subalterno desempenhado pela mulher em relação ao homem, àquele tempo; e, entusiasmado com o trabalho das caixeiras de Nova Orleans, assinala que isto era muitíssimo natural, mas não no Brasil, onde as senhoras estão eternamente proibidas de competir com o outro sexo na vida pública.

Por sinal, algumas observações de Caminha servem para nos mostrar o quanto nosso país evoluiu em menos de um século no concerto das nações.

É natural o arrebatamento com que o jovem militar viu a grandeza dos Estados Unidos, cujo povo, certo de seu progresso, não deixou de se admirar do cruzador Almirante Barroso: "Como? Pois no Brasil também se fabricam navios de guerra? Está muito adiantado o Brasil!" Mas é pena que, em seu deslumbramento, o escritor haja algumas vezes exagerado a pequenez do Brasil de então diante da grande nação do Norte; já nem falamos, é claro, do trecho em que lamenta ser pequeno o nosso País, apesar de "toda a grandeza de suas montanhas e de seus rios, diante do colosso americano do norte". Referimo-nos a trechos como este, do capítulo XV, em que, ao fazer o elogio da Escola de West Point, observa:

E não era sem uma ponta de tristeza que nós, brasileiros - raça degenerada e linfática -, víamos criar-se assim uma raça forte e alegre com todos os caracteres de virilidade e independência.

Neste ponto, Adolfo Caminha, que havia sido tão lúcido ao combater os anacronismos que o rodeavam, pagava seu tributo às idéias da época (e de muitos anos mais tarde, é preciso que se reconheça), ao acreditar no mito das raças superiores e inferiores...

Sabino Batista, companheiro de Caminha na Padaria Espiritual, escreveu um rápido e despretensioso artigo cujo objetivo era registrar o aparecimento de mais um livro do já conhecido escritor, dizendo:

No país dos ianques não é um livro de crítica ou de análise aos costumes e ao caráter desse grandioso povo tão nosso irmão e que nós tanto admiramos, mas sim uma carteira de turista que, sôfrego de novidades, de novas sensações, vai anotando tudo o que a retina apanha de passagem.

E, alguns passos adiante, assinala com razão:

Tanto no romance como nas notas de viagens Caminha mostra pujantemente qualidades inatas de artista e de fino observador. A par de uma boa forma, de um magnífico estudo, o autor da Normalista é fluente em adjetivação, fácil e compreensível na linguagem.

É evidente que o interesse desse livro de Adolfo Caminha é relativo, principalmente levando-se em conta que, sendo um livro de viagem, retrata uma realidade já ultrapassada, ou seja, uma visão pessoal e rápida dos Estados Unidos de 1886. É certo que um romance, Tentação, no caso, igualmente reproduz um mundo hoje desaparecido, ou seja, o Rio de Janeiro dos últimos tempos da Monarquia. Mas é preciso lembrar que, se o objetivo de um livro de viagens é servir de documento, o de um romance, mesmo realista, não pode ser só este. Em todo caso, não é interessante para o leitor atual uma visão de como eram os Estados Unidos há mais de noventa anos?

Ademais, ainda é importante a leitura de No país dos ianques pelo fato de, sendo um livro escrito em 1890, baseado em anotações de 1886, já apresentar algumas das características fundamentais de observação e de estilo que marcarão a obra futura de Adolfo Caminha.


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Fonte:
Sânzio de Azevedo: Introdução crítica dois livros raros de Adolfo Caminha. In: CAMINHA, Adolfo. Tentação; No país dos Ianques. Rio de Janeiro, José Olympio; Fortaleza, Academia Cearense de Letras, 1979.

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