03/01/2014

Leonor de Mendonça (Teatro), de Gonçalves Dias

 Goncalves Dias - Leonor de Mendonca - Iba Mendes
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A desdêmona ambígua: Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias


“A complexidade patológica de D. Jaime, a doçura estática e trêmula de Leonor, a deliciosa cena familiar na casa dos Alcoforado, a função de contraponto naturalístico de uma Paula - são coisas de tragediógrafo nato. E o último ato (a batalha de Leonor contra a morte) faz arder, em um fogo só, realidade e símbolo, psicologia e abstração, como só as páginas deveras eternas do teatro conseguem.” Ruggero Jacobbi


Enquanto Martins Pena (assim como, depois, Joaquim Manuel de Macedo) se concentrou no potencial cômico de Otelo e na própria representação deste por João Caetano, Gonçalves Dias afigura-se como um dos primeiros leitores do Otelo shakespeariano no Brasil, e usa desta fonte para compor a melhor de suas peças, quiçá de toda a literatura dramática brasileira do século XIX194, que traz por título o nome da protagonista. O drama em três atos e cinco quadros de 1846 descende de Shakespeare em um período em que a versão de Ducis ainda era a que corria no Brasil, por conta principalmente da marcante interpretação de João Caetano – para quem, aliás, Leonor de Mendonça foi escrita, e por quem foi rejeitada (a peça só estrearia no Rio de Janeiro com a encenação do Teatro do Estudante do Brasil, dirigida por Esther Leão, e em São Paulo em 1954, com a montagem do Teatro Brasileiro de Comédia.

Gonçalves Dias foi buscar a inspiração para seu enredo em um fato histórico português ocorrido em 1512, quando D. Jaime de Bragança matou sua esposa Leonor sob pretexto de adultério, apesar do testemunho do padre confessor da esposa, que defendeu sua inocência. O fato, narrado na História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Vida do Duque D. Jaime, deixava margem à ambigüidade – teria sido Leonor inocente ou culpada?

Na peça, tal enredo é desenvolvido da seguinte forma: no primeiro ato, em uma  conversa entre Leonor e sua criada Paula, conhecemos o caráter terrível do duque e o interesse do jovem Alcoforado pela duquesa. Descobrimos também que o moço roubara de Paula uma fita de cetim pertencente a Leonor, que ordena à criada que a recupere.

Alcoforado vem pedir a proteção da duquesa, que promete interceder junto ao marido para enviá-lo à África para lutar por Portugal. Tendo tomado de volta sua fita do barrete do rapaz, acaba dando-lhe a mesma novamente como uma memória. Alcoforado joga-se aos pés de Leonor no momento em que o duque é anunciado. O jovem sai e Leonor comenta que fora imprudente. Mesmo assim, fala ao marido sobre a partida do moço. D. Jaime fala de seus sofrimentos anteriores, de cujas lembranças não consegue escapar. Aflito, resolve sair para uma caçada, a fim de acalmar-se. Leonor concorda em acompanhá-lo.

O segundo quadro traz a cena após a caçada, na qual Alcoforado salvara a vida de Leonor abatendo um javali. O duque insiste que a esposa agradeça seu salvador remunerando-o como lhe aprouver. D. Jaime tem um acesso de terror ao ver um copo d’água, atemorizando a duquesa. Ele insta Leonor a partir para a corte antes que seus ataques culminem em desgraça. A seguir, Alcoforado minimiza seu feito frente à duquesa, e fala de seu sofrimento por ela e de seus maus pressentimentos. Mesmo assim, ousa pedir a ela uma entrevista a sós para abrir seu coração. Leonor acaba concordando, e diz que mandará notícias pela criada.

O segundo ato mostra a cena familiar, na qual Alcoforado, em casa, conversa com o irmão, a irmã e o pai, preparando-se para sair à noite mas negando-se a revelar aonde vai. O pai o questiona mas acaba compreendendo, e o jovem sai levando a espada do irmão. Entretanto, no palácio, o criado Fernão vem advertir o duque sobre uma carta de Leonor a Alcoforado marcando um encontro. D. Jaime, em cólera, prepara uma armadilha e ameaça Fernão, caso tudo não seja verdade.

No terceiro ato, Alcoforado chega ao quarto de Leonor e declara seu amor, sabendo que vai partir e que deve morrer em combate. A duquesa expressa um amor “de mãe”, desvelado, mas o diálogo é interrompido por Paula que avisa que há homens armados pelos corredores. Leonor faz o jovem prometer que não lutará contra o duque, que os descobre e os acusa. Alcoforado conforma-se em ser punido mas tenta convencer D. Jaime da inocência de sua esposa. O duque sumariamente o condena à morte pelas mãos de um escravo.

Na última cena, Leonor, presa em seu quarto, reflete sobre a sua situação. Paula lhe traz os filhos, e logo depois o padre Lopo Garcia vem confessá-la. Leonor conta todo o ocorrido e seus sentimentos para com o duque e o Alcoforado. Quando D. Jaime chega, o padre afirma que Leonor é inocente antes de sair. A duquesa tenta argumentar com o marido, em vão. Enfim, todos os servos do castelo se recusam a matar Leonor, seguindo a recomendação de Lopo Garcia. Por um momento Leonor crê na sua salvação, mas o duque decide ser ele mesmo o executor, arrastando-a para fora da cena.


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Fonte:
Daniela Ferreira Elyseu Rhinow: “Visões de Otelo na cena e na literatura dramática nacional do século XIX”.(Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em   Literatura Brasileira, do Departamento de  Letras Clássicas e Vernáculas da  Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,  da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de  Doutor em Letras.  Orientador: Prof. Dr. João Roberto Gomes de Faria). São Paulo, 2007

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