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Dos
relatos de Taunay: abordagem teórica em a Retirada da Laguna
Pensamos: Taunay justificou
a invasão do território vizinho pelo fato de que as terras foram ameaçadas pelo
governo López, por pensar em alargar as fronteiras do seu país, movido simplesmente
pela ambição pessoal, como comentou Taunay em A retirada da Laguna
(1997, p.37). E refletimos como se mostrou o homem que habitava essa região. E como
transportamos nossa discussão acerca da territorialidade, das fronteiras desses
povos excluídos em suas origens e ‘jogados’ em parte alguma, contrariando o pertencimento
tão inerente às formações culturais dos povos indígenas. Mas, estes, convencidos
pelo não índio, ‘mergulharam’ nos campos de guerra, não empunhando armas, mas
carregando-as, vencendo os desatinos da fome, da miséria, da perda da terra. Ao
que nos perguntamos: houve também a perda da identidade?
O mesmo
olhar estereotipado paradoxal que é dirigido a Mato Grosso pelo viajante estrangeiro,
passa ser recebido do brasileiro de outras regiões. Macro e micro espaços se
reorganizam a partir de um único ponto que ao mesmo tempo fascina e aterroriza.
O espaço exótico e tropical possui um encantamento
que supera a realidade (MENEGAZZO,
2001, p. 119).
Entendamos que Taunay pertencia
a uma elite, que representava o poder monárquico, mas que escreveu seus relatos
com o ‘olhar’ do europeu, nos campos de guerra. O olhar do viajante, do estrangeiro
que ressignifica os valores dentro de sua visão de mundo, com os recortes do
olhar europeu, mas diante de um mundo estranho a ele e a toda a equipe: o
interior do Mato Grosso.
Se a estratégia
de hegemonia é, literalmente, insignificável sem a representação metonímica da
sua estrutura agonística e ambivalente de articulação,
como poderia a vontade coletiva estabilizar e unificar sua interpretação como agência de representação,
como representante de um povo? (BHABHA, 1998,
p.57).
Ao que havemos de tentar
responder: “Mover o enquadramento da identidade do campo de visão para o espaço da escrita põe em questão a
terceira dimensão que dá profundidade à
representação do Eu e do Outro” (BHABHA, 1998, p.81). Na citação acima, o autor Bhabha, em O Local
da cultura, aponta para a discussão de como a representação do Outro
adquire uma ambivalência desconstrutora como poder do conhecimento e da identificação
do sujeito. A identidade está confrontada na expectativa do Outro e é um modo contraditório
de representação do outro presente no discurso
colonial.
Quando falamos
em identidade; pensamos que as culturas são processos identitários linguísticos; os quais também conflitivos:
A
identidade étnico-cultural não é uma realidade muda, ela é fonte de sentido e de
construção do real, mesmo onde aparece como marginalizada. [...] Isto significa que a etnia, isto é, o pertencimento
étnico em processo, concorre na constituição de sujeitos e de grupos. É um elemento constituinte de práticas
sociais, e ao mesmo tempo as práticas
sociais vão constituindo a reconfiguração étnica (KREUTZ, 1998, p. 2).
Quanto a
reconfiguração étnica citada pelo autor Kreutz, percebemos também no texto de Vargas (2003), referindo-se ao povo Terena:
Aproximando
essa discussão identitária para a sociedade Terena, observa-se que ocorre um processo semelhante
ao pensamento do senso comum, ou seja, que os índios Terena não seriam (são) mais
índios de verdade, porque muitos deles não falam mais a sua língua, suas pautas culturais foram modificadas, alguns
estão nas universidades, disputando
trabalho com os não índios, deixando suas terras indígenas e morando nas cidades próximas a elas, em busca
de melhores condição de vida e de trabalho (VARGAS, 2003, p.35).
E em Taunay
(1997), o índio ‘transformado’ pelas influências culturais, étnicas, geográficas,
pela perda do seu território após a guerra, originou uma transformação nos grupos
indígenas, pois almejavam buscar melhores condições de sobrevivência e subsistência.
Como vemos em Vargas (2003), o homem indígena procurou
as cidades, na tentativa de mudar sua condição, estudando e assumindo os conceitos
do homem não índio.
A relação aos
índios Terena, pode-se dizer que as transformações culturais não foram somente resultados
de suas pautas culturais de convívio. As próprias forças sóciopolítica-econômicas
da sociedade regional forçaram
a isso: a Guerra contra o Paraguai foi fator determinante
para o esparramo dos índios pelo território sul-mato-grossense. Tiveram suas aldeias destruídas
e os antigos territórios que ocupavam tomados pelas fazendas que começaram a se
formar na região. O esparramo indígena pelas fazendas aconteceu justamente
com o fim da referida guerra;
esse também foi o período em que os Terena formaram o principal grupo de trabalhadores da região, tornaram-se a mão-de-obra mais procurada pelos
fazendeiros, sendo também os responsáveis pelo desenvolvimento econômico daquela
região (VARGAS, 2003, p.35).
Na obra A
retirada da Laguna, não encontramos comentários sobre os índios ao final da
guerra. Alguns trechos no final da obra, que foram escritos em outras obras de Taunay, podem ser resgatados como importantes. Em A retirada,
porém, não encontramos abordagens
sobre as configurações étnicas provocadas pela mudança cultural ocorrida na guerra,
que os índios foram transformados em agricultores nas fazendas. Parece-nos
comum, ao autor, pois citou que os índios eram os que plantavam o milho e, nas
Memórias (2004), Taunay comentou sobre as lavouras e os cultivos dos Terena, tendo o cuidado de tratá-los como um povo educado e
trabalhador. Percebemos então,
nas palavras de Kreutz (1998), que o processo cultural é sempre um processo
conflitivo. O autor pondera: “[...] o tema do racismo não é apenas um ‘companheiro
de viagem da exploração colonial’, legitimando-a, mas também constitui um paradigma
profundamente vinculado com as lutas nacionalistas que acabaram desembocando nas duas Guerras Mundiais” (KREUTZ,
1998, p.10).
Entre a diversidade
e a diferença existe um abismo insondável, uma distância política, poética e filosoficamente
opressora. O outro da diversidade e o outro da diferença constituem outros dissimilares.
A tendência de fazer deles o
mesmo retorna todo discurso a seu trágico ponto de partida colonial, ainda que
vestido com a melhor roupagem do
multiculturalismo – mesmo que seja igualitarista ou diferencialista. Há uma política, uma poética e uma
filosofia da diferença. Mas como descrever essas questões em inventar novamente
o outro, sem mascará-lo, sem designá-lo,
sem emudecê-lo, sem deixá-lo tenso com a fixação do diferente, sem constituí-lo num simples ventríloquo da
nossa mesmidade, sem transformá-lo
em uma espacialidade exterior da
nossa (in) diferença? (SKLIAR, 2002, p.201-2).
Pois o
outro que se apresenta diante de ‘nós’, não necessariamente é aquele que ocupa outro
lugar no mundo, como percebemos em Taunay (1997), no qual o outro é sempre o
diferente de ‘mim’, o sujeito que ‘me perturba’, como foram os índios, quando o
autor os chama de selvagens. Ou as mulheres, tratadas como seres inexistentes e
os soldados, como seres que ocupavam aquele espaço, não por merecimentos, mas por
dever para com a Pátria. Pensemos: se ao tratar o “homem bruto” como tal, o autor
pretendeu desestabilizar o homem primitivo/nativo, isso permitiria um espaço maior
para ser ocupado pelo colonizador? Na cabeça de Taunay, seria uma forma de ‘criar
espaço’ para o homem mais culto, mais inteligente, mais preparado cultural e socialmente,
o homem branco europeu, o colonizador? Pensava ele que os ‘direitos humanos’ seriam
apenas do povo considerado ‘mais evoluído’, como encontramos no século XIX? Os ‘valores’
de Taunay refletiram-se nos seus textos e apareceram nos seus relatos.
Dessa
forma, Skliar (2003) nos provoca questionando de que, quem é, afinal, o outro? E
discorre: “... não é uma pergunta cuja resposta possa nos conduzir à confortável
e tranquilizadora conclusão de que todos somos, de certo modo, outros
ou então todos somos, de certo modo, diferentes” (SKLIAR, 2003, p.102).
Ao que podemos concluir: as diferenças
existem, não é questão de hierarquizá-las. Vemos então, em Taunay, uma hierarquia, em que as diferenças são
silenciadas em nome do poder que detinha? Taunay também se deteve diante das
etnias indígenas e do que chamamos de popular, suas crenças e seus costumes
foram revelados apelo autor nas Memórias (2004).
E o termo popular
é definido por Hall (2009) como “a manipulação e aviltamento da cultura do povo”,
e que “não existe uma ‘cultura popular’ íntegra, autêntica e autônoma, situada fora
do campo de força das relações de poder e de dominações cultuais” (HALL, 2009, p.237).
Em outra descrição, o autor assinala que: “[...] a cultura popular é todas
essas coisas que o ‘povo’ faz ou fez. Aquilo que define seu ‘modo característico de vida”. (Idem, p.240) E
problematiza que nem tudo o que um povo faz pode ser visto como cultura,
pois seria muito comum, muito descritivo, precisa se descobrir o que é um “mero
inventário descritivo”, afirma.
Estudando e refletindo sobre os sujeitos na guerra,
presentes ou não, percebemos a necessidade de se entender as relações interculturais
que apareceram projetadas ao longo do
discurso.
Assim se trabalhariam
os processos de hibridização em relação à desigualdade entre as culturas, com as
possibilidades de apropriar-se de
várias simultaneamente em classes e grupos diferentes e, portanto, a respeito
das assimetrias de poder e do prestígio (CANCLINI, 2008, p.XXVI).
O que é o
diferente? Parte-se do contexto cultural/histórico que o diálogo que ocorreu entre
as partes, ‘o homem europeu’ e o indígena, assim como os membros da coluna que também
estiveram envolvidos na guerra, tenha decorrido da ”mistura de hábitos, crenças
e formas de pensamento europeu com os originários das sociedades americanas” (CANCLINI, 2008, p. XXVIII).
Os
fenômenos geográficos, econômicos, religiosos, morais e culturais tiveram uma força
maior nos campos de guerra, e o sentimento de comunidade amparava os membros da comitiva tornando-os mais unidos num sentimento
coletivo.
Esse
estudo é uma reflexão acerca das diferenças em Taunay, especificamente na obra A
retirada da Laguna. Escolhemos por analisar na obra recortes de textos que
o autor informou-nos sobre as diferenças que
se fizeram notar nos campos de guerra. Mas, Taunay não os mostrou. Apenas apresentou ‘olhares’ colonialistas, de
um jovem descendentes de europeu, que trazia consigo ‘marcas’ da Europa tradicionalista
com seus valores do século XIX, e o autor aplicou-os a todos. Para que questionar
um modelo hierarquizador, eurocêntrico e apologético? Taunay convencido de que
a forma mais adequada seria omitir certos apontamentos a D. Pedro II, à corte brasileira,
às famílias europeias, para não produzir conflitos desnecessários, assim o fez em
A retirada. Permitiu-se assim, fazer com que a sociedade conhecesse sua história
tal e qual sentiu e viveu, que foram omitidas em
A retirada, mas escritas com detalhes,
grosso modo, saborosas, nas Memórias,
e publicadas somente cinquoenta anos após sua morte,
conforme desejou o autor.
O fundamental, no entanto, é
que se perceba o étnico como um processo e não como um dado resolvido no nascimento. O étnico constrói-se
nas práticas sociais, num processo de relação. Por isso é fundamental entretanto
para as relações de poder entre os diferentes grupos sociais e culturais (KREUTZ, 1998, p. 5).
Queremos saber
quem foi Taunay: o representante de um povo? De uma nação? O legitimo representante
do Governo Imperial durante a Guerra contra o Paraguai? O olhar eurocêntrico sobre
o sujeito marginalizado socialmente? Como
podemos fazer a leitura dessa representação se ao mesmo tempo em que representava
um povo, era representado pelos demais em função da e na guerra? Ao
questionarmos sobre a posição ocupada por Taunay no campo da representação,
perguntamo-nos se ele também era representado
pela comitiva, pelos indígenas e até pelo inimigo? Na leitura da obra tentamos entender o que
é esse espaço da diferença que nos move no
sentido de buscar significações para nossa pesquisa.
Chegar a
uma identidade significa encontrar diferenças, que nada mais são do que uma identidade
enraizada em solo próprio, separada de outras identidades. Ao mesmo tempo em que
a diferença isola, o receio de ficar só é superado pelo delineamento
identitário. Frente ao Outro, os limites se definem e se superam (MENEGAZZO, 2001,
p.113).
Não pensamos em criticar a obra
A retirada, nem poderíamos pela relevância de sua narrativa para a história. Apenas procuramos
discutir a maneira como o autor aborda o sujeito, que é o Outro, em seus relatos,
e como os apresenta ao leitor. O objetivo é questionar como ultrapassar as fronteiras
da literatura propriamente dita e transcender pelas imagens históricas, triunfalistas,
que o autor criou, para apresentar conotações do poder, por ele representado. E
percebermos como culturalmente Taunay se serviu da diferença entre os sujeitos,
para representar o poder monástico que tinha se serviu da autoridade, e para isso,
criou os sujeitos da guerra com o olhar eurocêntrico que trouxe consigo.
E imergindo nas questões de
identidade pensamos com Kreutz em como:
A cultura
está vinculada à vida social. Movimentos sociais, conflitos, instituições, espaço
social, a linguagem e a visão de mundo dos indivíduos, tudo isto é uma expressão cultural. As culturas, mesmo
onde aparecem como marginalizadas e excluídas, não são realidades mudas, mas são
fontes de sentido e de construção do real. O ser humano de fato nasce culturalmente situado, o que, no
entanto, não é um destino já que vai
re-situando sua situalidade cultural, retomando constantemente o conflito de tradições oculto sob o signo de
uma “identidade estabelecida”
(KREUTZ, 1998, p.5).
Procuramos
entender como Taunay ‘significou’ a diferença. No texto de A retirada, traçou
comentários a respeito da equipe que comandava a expedição de guerra. Em dado momento,
porém percebemos que o autor deixou claro sua animosidade em relação ao comandante
Camisão, um sujeito que, nos parece, a princípio, fora indicado para o cargo de
comandante, segundo Taunay, sem ao menos ter condições de ser líder. A
liderança não era seu forte. O autor nos mostrou momentos de ansiedade, em que
o comandante titubeou em algumas passagens e, ao invadir o Paraguai, fora teimoso.
Explicou que o comandante não era ligado a definições rápidas e imediatas, e
quando as fez, surpreenderam Taunay.
Percebemos nesta citação:
Nosso comandante
leu nesse despacho não o que havia ali, isto é, indicação facultativa, mas uma ordem formal e peremptória para
avançar. Foram inúteis as observações que lhe fizeram a propósito do assunto: cego por sua suscetibilidade doentia,
não aceitava sequer as objeções
menos contestáveis (TAUNAY, 1997, p. 54).
Súbitas
decisões que, segundo Taunay (1997) poderiam ter comprometido toda a equipe.
Suas decisões foram marcadas por críticas de Taunay. Nesse questionamento julgamos
importante também salientar a atitude de Taunay em relação a algumas passagens,
quando comparou o exército brasileiro ao exército francês que usou na Argélia alguns tipos de assentos amarrados a cavalos para
transportar os doentes.
E sobre o
espaço das fronteiras, observamos no relato de Taunay o momento da chegada das tropas na fronteira do Brasil com o Paraguai:
Foi um
momento solene, uma emoção a que ninguém escapou, oficiais e soldados. Ver o
aspecto da fronteira que demandávamos representou para todos uma surpresa.
Ninguém estivera ali antes. Alguns podiam já tê-la visto, mas apenas com os olhos
de caçador ou de andarilho, para
quem o chão é indiferente. A maioria de nós ouvira falar vagamente da
fronteira, mas agora ali estava ela à nossa frente, como ponto de encontro de duas nações armadas, como
campo de batalha (TAUNAY, 1997, p. 82).
O espaço
da fronteira visivelmente mostrado a nós pelo autor como um espaço geográfico
que, da mesma forma, não deixou de instaurar no grupo certa emoção, pois os destinos daqueles homens estavam interligados, pela história.
Essas ideias generalizáveis
tomaram forma e hoje, nós homens do século XXI, questionamos: o que é generalizável
torna-se comum ao homem de forma a impetrar a violência e os costumes, todos como
sendo uma verdade absoluta? Em uma guerra, as ordens, os mandos são sempre generalizáveis
e, portanto não são questionados, pois não cabia naquele espaço/tempo regular as
informações? Todos os mandos foram absolutos, cumpridos, suprimindo dos
sujeitos seus direitos? O aceitável não se questionou, apenas foi cumprido nas defesas dos interesses políticos. E é
necessário que
[...] enveredamos,
inicialmente, pelo papel de textos como o de Taunay na divulgação para o mundo da barbárie e da violência
das guerras. Por outro lado [...]
não podemos deixar de questionar o quanto o generalizável é, a um só tempo, necessário
na compreensão das coisas do
mundo, estabelecendo as fronteiras entre o aceitável e o não aceitável, entre a
barbárie e a solidariedade, entre o humano e o que já não parece humano, mas também o quanto o mesmo generalizável, quando transformado em
senso comum, banaliza o jogo compreensivo,
para torná-lo verdade unilateral e inconteste na defesa de interesses de grupos políticos, econômicos
e culturais (SANTOS, 2010, p.
248).
Esses espaços
de fronteiras ainda podemos entender como espaços de territorialidade, mas as
questões não são tão simplistas: falar em fronteiras não é questão meramente espacial.
Trata-se de um espaço de ocupação em que os sujeitos estão à mercê de suas
trocas identitárias, benevolentes ou não; são espaços multiculturais e de trocas, espaços em que se alargam as relações.
Assim, A retirada da Laguna move-se pelo espaço das relações externas do
Brasil com seus vizinhos geográficos – no caso de A retirada, o Paraguai – mas sobretudo como o Estado
brasileiro inseria-se ou pretendia firmar-se em meio ao cenário do século XIX, marcado, grosso
modo, por uma ideia, por um projeto de modernidade, de cultura e por uma proposta econômica – o liberalismo.
Avança-se, portanto, para além dos limites espaciais, intentando-se marcar um
lugar para o Brasil que suplantasse a lógica do local, alocando-o em uma proposição de pertencimento a uma
tradição maior, qual seja, a européia,
inclusive do ponto de vista beligerante, com a Guerra da Tríplice Aliança ou
Guerra do Paraguai (SANTOS, 2010, p. 249).
Que fazer com esses espaços
que se interligam e criam rupturas, os espaços das diferenças que são aplicados em nosso meio
sem que muitas vezes percebamos? Espaços em que as fronteiras são sinônimos de limites,
de imbricações de espaços deslizantes em que configuram as relações dos
sujeitos na formação de suas identidades. Os espaços marginais (dos sujeitos
que vem da margem), também são significativos, na formação das diferenças. Muitas
vezes, são espaços de exclusões, donde os sujeitos observam e analisam com os olhares subalternizadores, o
olhar de Taunay. Os olhares atravessados de Taunay podem ser definidos como
Kreutz propõe:
No
monólogo cultural predominante, a diferenciação foi um estigma a ser superado pelo
caminho da uniformização, na perspectiva de uma superioridade protetora, não se percebendo a “comiseração paternalista” como uma forma de discriminação
(KREUTZ, 1998, p. 7).
“Na mesma
prática de insensibilidade com as diferenças, situa-se a relação do colonizador
cristão em relação aos povos indígenas” (KREUTZ, 1998, p. 8). E complementa: “O
artifício de domínio do europeu, cristão-colonizador, era o de tornar os povos
com culturas diferentes mais iguais a ele para colocá-los melhor a seu serviço”
(Idem, p.8).
No contato
do colonizador, aparece nitidamente a compreensão do processo identitário como algo monolítico e
homogêneo, algo acabado, suscetível
de ser transmitido. E esta concepção a-histórica, metafísica, levou-o a uma incapacidade total
de diálogo com as culturas diferentes da sua. Entre os missionários, também era
consensual que o modo de ser indígena não se ajustava aos padrões da sociedade lusa e hispano-colonial. A função
da redução e da escola deveria
ser a de transformar o modo-de-ser indígena, ajustando-o aos princípios
euro-cristãos (KREUTZ, 1998, p. 8).
Parece-nos
que para Taunay o olhar atravessado era um modo de ver o outro, legitimado pela
diferença e pela ‘arrogância’ do olhar do colonizador. Pensemos como, mesmo em meio
a tanta adversidade, o autor não se deixou influenciar pelos modos e crenças,
costumes e gostos de outros povos? Mesmo que seu olhar tenha sido permeado pelos
costumes e influências europeias, não teria sido Taunay um sujeito exposto às imbricações
identitárias, pelo convívio de tantos anos junto aos combatentes, às transformações
decorrentes da guerra, portanto também um sujeito em transformação?
Foi Taunay também um outro,
sujeito de si mesmo, que ao término da guerra percebeu-se ‘capturado’ pelos
modos dos índios, pela natureza do interior dos pantanais, ou tão somente pelo olhar frágil e doce da bela índia
Guaná Antonia, por quem disse nas Memórias (2004) ter sido apaixonado? Estas
reflexões de fato nos remetem a pensar como
Taunay também foi um sujeito ajustado e imbricado culturalmente, podendo nem ter
se dado conta disso, no final de tudo.
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Fonte:
Fonte:
Elisa Maria Balzan: “A
criação da diferença na obra a Retirada da Laguna de Visconde de Taunay”. (Dissertação
apresentada ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado em Educação da
Universidade Católica Dom
Bosco, como parte
dos requisitos necessários
apresentados para obtenção
do título de Mestre
em Educação. Área de concentração: Educação. Orientador: Prof. Dr. Neimar
Machado de Sousa). Campo Grande, 2012
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