21/12/2013

O Primo Basílio, de Eça de Queirós

 Eca de Queiros - O Primo Basilio - Iba Mendes
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O acaso e os veículos da peripécia: a carta
  
O dado sobre o qual passamos a discorrer nesta seção é a maneira como a carta é inserida em O Primo Basílio e sua importância no desenrolar da ação. A maior parte das reviravoltas do romance é marcada pela presença de uma carta: esta é o veículo da peripécia que conduz a personagem de um estado a outro, seja da tranqüilidade ao desespero, do tédio à excitação, da marginalidade ao domínio, da ignorância ao conhecimento de uma verdade (aqui a peripécia surge transmutada de reconhecimento) e também dos padecimentos de Jorge e de Luísa.
  
Luísa  o que se pode classificar de “leitor ingênuo”– desprovida de meios de análise e de reflexão sobre o que lê, não extraindo de suas leituras grandes proveitos intelectuais. Retomando a lição dos antigos, já em Horácio temos que a função da obra literária é deleitar, ensinar e comover. Luísa apenas se comove e se deleita (melhor seria dizermos que se distrai); não absorve aprendizado pois não é capaz de analisar crítica e objetivamente o que lê; e essa característica de leitora “ingênua” viabiliza sua  sedução pela carta banal e repleta de clichês de Basílio:

„Que outros desejem a fortuna, a glória, as honras, eu desejo-te a ti! Só a ti, minha pomba, que tu és o único laço que me prende à vida, e se amanhã perdesse o teu amor juro-te que punha um termo, com uma boa bala, a essa existência inútil‟

A recepção dessa carta por Luísa marca o início de sua condição de adúltera:

E Luísa tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades e seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas (...).
(...) Foi-se ver no espelho: achou a pele mais clara, mais fresca, e um enternecimento úmido no olhar; seria verdade então o que dizia Leopoldina, que „não havia como uma maldadezinha para fazer a gente bonita?‟ Tinha um amante, ela!

Curiosamente, a resposta de Luísa a esse bilhete de Basílio é o que provocará sua mudança de posição em relação a Juliana – de patroa passará a subordinada. Esta é a carta da qual a empregada se apossa:

„Meu adorado Basílio.
Não imaginas como fiquei quando recebi a tua carta pela manhã, ao acordar.
Cobri-a de beijos...

(...) E se tu me tivesses pedido a vida dava-ta, porque te amo, que eu mesma me estranho!... (...) Mau! Tinha vontade de te dizer adeus para sempre, mas não posso, meu adorado Basílio! É superior a mim. Sempre te amei, e agora que sou tua, que te pertenço de corpo e alma, parece-me que te amo mais, se é possível...‟ 

A carta aqui surge como denunciadora da personagem ao leitor, enfatizando as deficiências de Luísa enquanto escritora; sua missiva revela-se um texto previsível e repetitivo, no qual faltam articulação e coesão e há o emprego de lugares comuns, indicando as carências da educação da personagem. Tais carências remetem-nos, uma  vez mais, à questão do leitor ingênuo.

A peripécia que segue é a que marca a reversão dos papéis criada/senhora entre Luísa e Juliana, que então revela a posse da carta escrita por Luísa.

- A senhora não me faça sair de mim! A senhora não me faça perder  a cabeça! e com a voz estrangulada através dos dentes cerrados olhe que nem todos os papéis foram para o lixo!
Luísa recuou, gritou:
- Que diz você?
- Que as cartas que a senhora escreve aos seus amantes, tenho-as eu aqui!  
- E bateu na algibeira, ferozmente.

Nessas muitas reviravoltas e no clima de constante tensão e desespero de Luísa, podemos perceber que, mais do que um “acessório”, a carta e a casualidade são dados imprescindíveis para que se atinja o clímax no qual a proposta determinista do Naturalismo será corroborada - a esposa concretizará o adultério e posteriormente será punida (de muitas formas): o marido interar-se-á da traição, a empregada recorrerá à chantagem e à tão acalentada vingança, e todos os elementos já esboçados no capítulo de abertura do romance serão retomados, afinal, da maneira previamente vislumbrada pela hipótese, dado fundamental para os romances experimentalistas.

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Fonte:
Carolina Regina Morales: “Em busca do Paraíso vazio: a transgressão feminina em O Primo Basílio de Eça de Queirós”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Literatura Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientadora: Profa. Dra. Aparecida de Fátima Bueno). São Paulo, 2010.

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