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O acaso
e os veículos da peripécia: a carta
O dado sobre o qual passamos a
discorrer nesta seção é a maneira como a carta é inserida em O Primo Basílio e sua importância no desenrolar da ação. A maior parte das reviravoltas
do romance é marcada pela presença de uma carta: esta é o veículo da peripécia que conduz a personagem de um estado a outro, seja da tranqüilidade
ao desespero, do tédio à excitação, da marginalidade ao domínio, da ignorância
ao conhecimento de uma verdade (aqui a peripécia surge transmutada de reconhecimento) e também dos padecimentos de Jorge e de Luísa.
Luísa o que se pode classificar
de “leitor ingênuo”– desprovida de meios de análise e de
reflexão sobre o que lê, não extraindo de suas leituras grandes proveitos intelectuais.
Retomando a lição dos antigos, já em Horácio temos que a função da obra literária
é deleitar, ensinar e comover. Luísa apenas se comove e se deleita (melhor seria
dizermos que se distrai); não absorve aprendizado pois não é capaz de analisar crítica e objetivamente o
que lê; e essa característica de leitora “ingênua” viabiliza sua sedução pela
carta banal e repleta de clichês de Basílio:
„Que outros desejem a
fortuna, a glória, as honras, eu desejo-te a ti! Só a ti, minha pomba, que tu és o único laço que me prende à vida, e se
amanhã perdesse o teu amor juro-te que punha um termo, com uma boa bala, a essa
existência inútil‟
A recepção dessa carta por Luísa
marca o início de sua condição de adúltera:
E Luísa tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a
primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades e seu orgulho dilatava-se
ao calor amoroso que saía delas (...).
(...) Foi-se ver no espelho: achou a pele mais clara, mais fresca,
e um enternecimento úmido no olhar; seria verdade então o que dizia Leopoldina,
que „não havia como uma maldadezinha para
fazer a gente bonita?‟ Tinha um amante, ela!
Curiosamente, a resposta de Luísa a
esse bilhete de Basílio é o que provocará sua mudança de posição em relação a
Juliana – de patroa passará a subordinada. Esta é a carta da qual a
empregada se apossa:
„Meu adorado Basílio.
Não imaginas como fiquei quando recebi a tua carta pela manhã, ao acordar.
Cobri-a de beijos...
(...) E se tu me tivesses pedido a vida dava-ta, porque te amo,
que eu mesma me estranho!... (...) Mau! Tinha vontade de te dizer adeus para
sempre, mas não posso, meu adorado Basílio! É superior a mim. Sempre te amei, e
agora que sou tua, que te pertenço de corpo e alma, parece-me que te amo mais, se
é possível...‟
A carta aqui surge como denunciadora
da personagem ao leitor, enfatizando as deficiências de Luísa enquanto escritora;
sua missiva revela-se um texto previsível e repetitivo, no qual faltam articulação
e coesão e há o emprego de lugares comuns, indicando as carências da educação
da personagem. Tais carências remetem-nos, uma vez mais, à questão do leitor
ingênuo.
A peripécia que segue é a que marca
a reversão dos papéis criada/senhora entre Luísa e Juliana, que então revela a
posse da carta escrita por Luísa.
- A senhora não me faça sair de mim! A senhora não me faça perder a cabeça! – e com a voz estrangulada
através dos dentes cerrados – olhe que nem todos os
papéis foram para o lixo!
Luísa recuou, gritou:
- Que diz você?
- Que as cartas que a senhora escreve aos seus amantes, tenho-as
eu aqui!
- E bateu na algibeira, ferozmente.
Nessas muitas reviravoltas e no
clima de constante tensão e desespero de Luísa, podemos perceber que, mais do que um “acessório”,
a carta e a casualidade são dados imprescindíveis
para que se atinja o clímax no qual a proposta determinista do Naturalismo será
corroborada - a esposa concretizará o adultério e posteriormente será punida (de
muitas formas): o marido interar-se-á da traição, a empregada recorrerá à chantagem e à
tão acalentada vingança, e todos os elementos já esboçados no capítulo de abertura
do romance serão retomados, afinal, da maneira previamente vislumbrada pela hipótese, dado
fundamental para os romances experimentalistas.
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Fonte:
Carolina Regina Morales: “Em busca do Paraíso vazio: a transgressão feminina em O Primo Basílio de Eça de Queirós”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Literatura Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientadora: Profa. Dra. Aparecida de Fátima Bueno). São Paulo, 2010.
Carolina Regina Morales: “Em busca do Paraíso vazio: a transgressão feminina em O Primo Basílio de Eça de Queirós”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Literatura Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas para obtenção do título de Mestre em Letras. Orientadora: Profa. Dra. Aparecida de Fátima Bueno). São Paulo, 2010.
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