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Algumas
considerações sobre as personagens Amaro e Amélia
Amaro
nasceu em Lisboa na casa da Marquesa de Alegros. Seus pais eram criados da casa.
Quando pequeno era franzino, acanhado e cheio de espinhas carnais. Desde
criança, tinha contato com o clero.
Desde os onze anos, ajudava à missa, e passava seus sábados limpando a capela.
Foi para o seminário aos quinze anos e quando saiu ainda era jovem, bonito e
estava mais forte. O rosto ovalado, a
pele trigueira, os cabelos pretos levemente anelados, tudo isto fazia de
Amaro um homem atraente. Tinha plena consciência da vida de limitações que lhe
fora imposta, e por esse motivo, criticava o clero por não poder realizar seus
desejos carnais e naturais. Desde sua chegada a Leiria, a cada instante
desejava Amélia e fazia muitos planos para concretizar esses desejos. Era um
homem fraco e ambicioso que claramente não tinha vocação para o
sacerdócio.
Já Amélia
era a rapariga mais bonita da cidade de Leiria. Tinha vinte três anos e era muito
desejada. Foi criada entre os padres e sua mãe sempre recebia visitas
eclesiásticas. Tomou lição de piano com o Tio Cegonha e animava as reuniões dos
padres à noite em sua casa. Alimentava uma verdadeira adoração por festas de
igreja e pela convivência com os santos, provavelmente fruto de sua carência
paterna de certa maneira suprida temporariamente pela convivência com os
padres, de tal maneira, que desejava ser freira. Deixou envolver-se pelo Padre
Amaro por meio de suas imaginações. Em apenas um momento de lucidez se dá conta
da gravidade de suas atitudes, quando se afasta de Amaro e pede perdão a Deus
pelos seus erros. Porém, sua decisão durou pouco, pois Amélia possuía uma
relação de total dependência com Amaro
que a cegava, impedindo-a de avaliar com clareza as conseqüências dos seus atos
que contradiziam sua educação e suas convicções religiosas.
Em um
segundo momento, uma complicação surge por meio da figura anticlerical e revolucionária
de João Eduardo; o namorado que se sentindo traído escreve um comunicado que
será publicado no jornal O Distrito,
sob pseudônimo, atacando o clero e revelando algumas de suas indiscrições e liberdades
por suspeitar da fervorosa relação que sua noiva tem com o Padre Amaro. João
Eduardo funciona como o agente catalisador e questionador da situação abusivamente
dominante, e, moral e religiosamente
conflitante do clero em cidades provincianas. A dinâmica que se segue comprova
claramente ao leitor esse fato, pois a jovem beata, já grávida de Amaro, é
maliciosamente induzida a ceder às pressões do padre para casar-se com João
Eduardo, e assim, encobrir o pecado por trás da verdadeira paternidade da
criança que espera. Perseguido implacavelmente pelos padres, em uma clara alusão
aos conflitos existentes entre o clero e a ciência, João Eduardo perde a noiva
e o emprego.
A dinâmica
que se segue revela a tensão que se estabelece no triângulo amoroso Amaro-
Amélia- João Eduardo. Em razão do comunicado, convencida por Amaro de que seria
a melhor solução para ambos, Amélia aceita se casar com João Eduardo e Amaro
muda-se de sua casa. A difamação e perda de status que o comunicado
impetrou aos padres fazem com que os mesmos, na figura do Padre Natário,
desejem incessantemente sua revelia. Natário, usando o santo e confidencial
meio da confissão, descobre o autor do artigo e conta a Amaro. Perseguido pelo
padre, João perde a noiva e o emprego. Muda-se de Leiria. Amaro aproveita-se
para aproximar-se mais de Amélia e passa a ter reações íntimas com ela que
acabam por gerar um fruto, a personificação indesejada do pecado: um filho.
Nesse momento, o caráter de Amaro é posto a prova e, temeroso de perder seu
imaculado prestígio social e religioso, o desenlace dessa trama indesejada pelo
Padre resultará em um estado de desgraça iminente: Amélia dá a luz na Quinta,
longe da mãe; não resiste à tristeza e morre um dia após o parto. A criança é
entregue a uma "tecedeira de anjos" e morre. Devido ao descontrole
das circunstâncias, o padre Amaro foge.
Em seu
estado final, ou seja, em sua terceira versão, o romance aproxima-se de uma crítica
social mais rígida e voraz quando descreve a cena em que Amaro e o Cônego Dias
se encontram ao acaso no Chiado e foram andando até o Largo de Camões, em
Lisboa. Já nitidamente recuperado dos acontecimentos de Leiria, Amaro segue com
sua carreira eclesiástica procurando uma
nomeação na paróquia de Vila Franca, próxima da capital. Dos fatos ocorridos em
Leiria, o Padre parece ter aprendido a lição que não se deve envolver-se com
mulheres solteiras, apenas com as casadas. Nesse momento, Eça parece
caracterizar bem o ambiente conectado à figura de Amaro: em meio às novidades
políticas que vinham de França, numa Lisboa imersa num “mundo decrépito” que “se
movia lentamente”, Amaro apresenta-se
com o espírito tão “renovado” quanto à atmosfera que envolvia a cidade; tão embrenhado
de si e de suas aspirações políticas dentro da igreja, quando a descrição que o
conde de Ribamar fazia de Lisboa e dos acontecimentos ocorridos em Paris.
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Fonte:
Raquel Alves Franco: “Literatura e cinema no universo queirosiano: duas adaptações de O Crime do Padre Amaro”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito para obtenção do Título de Mestre em Literatura Portuguesa . Orientadora: Profa. Dra. Ceila Maria Ferreira Batista Rodrigues Martins). Niterói, RJ, 2009 .
Fonte:
Raquel Alves Franco: “Literatura e cinema no universo queirosiano: duas adaptações de O Crime do Padre Amaro”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito para obtenção do Título de Mestre em Literatura Portuguesa . Orientadora: Profa. Dra. Ceila Maria Ferreira Batista Rodrigues Martins). Niterói, RJ, 2009 .
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