09/11/2013

Teatro Completo de Machado de Assis

 Machado de Assis - Teatro Completo - Iba Mendes
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Comicidade, humor e Machado de Assis


Já  que  temos  tratado de  comicidade,  é  interessante  observar  a  diferença  que  Luigi  Pirandello estabelece,  em  seu  livro O  Humorismo,  entre  o que  é  humorístico e  o que  é  cômico.  Pirandello acredita  que  apesar  das  inúmeras  formas  de  se  pensar  o cômico e  o  humorístico,  a  característica  mais  geralmente  observável  entre  os  teóricos  é  a  da  “contradição”.  A  contradição seria  o desacordo  entre  o real  e  o ideal,  entre  aquilo que  esperamos  e  o que  de  fato nos  é  apresentado.  Quando,  por  exemplo,  em  uma  cena  de  comédia,  observamos  uma  personagem  que  foge  do comportamento ou do perfil  que  julgamos  ideal  (parecendo,  por  exemplo,  caricata  ou representante  de  um  certo tipo),  estabelecemos o primeiro contato com a contradição. Esta primeira observação da contradição  gera o cômico, aquilo que nos provoca o riso imediato. A partir do momento que passamos a  refletir sobre esta contradição, a situação deixa de ser cômica para ser humorística. Portanto, a  diferença  entre  o cômico e  o humorístico estaria,  segundo Pirandello,  na  “advertência  do  contrário” e no “sentimento do contrário”: 

Pois  bem,  nós  veremos  que,  na  concepção  de  toda  obra  humorística,  a  reflexão  não se esconde, não permanece invisível, isto é, não permanece quase uma forma  do sentimento, quase um  espelho no qual o sentimento se  mira, mas  se lhe põe  diante, como um juiz (...). O cômico é exatamente uma advertência do contrário.  (...) daquela primeira advertência do contrário fez-me passar a esse sentimento do  contrário. E aqui está toda a diferença entre o cômico e o humorístico.

Para  entendermos  melhor  este  raciocínio,  podemos  pensar  em  uma  determinada  situação (que, aliás, pode ser verificada em O caminho da porta) que nos servirá de exemplo.  Ao depararmos  com  uma  personagem  que  está  apaixonada  por  outra,  e  esta  personagem  utiliza  formas  de  conquista  que  nos  parecem  ultrapassadas,  artificiais  ou caricatas,  elas  poderão nos proporcionar momentos cômicos e risíveis. Mas, se passarmos a refletir sobre o  sofrimento pelo qual a personagem passa, a sua incapacidade de conquistar a pessoa amada e  em seus recursos ultrapassados e irreais de conquista, o ridículo de sua figura se apresentará  de forma diferente. Este sentimento gerado pela reflexão de sua condição fará com que esta  personagem deixe de ser cômica para ser humorística.

O cômico é, dessa forma, algo exterior a nós, a simples observação (ou advertência) de  um fato que nos faz rir. O humorismo, por sua vez, é algo interior, um sentimento fruto da  reflexão do fato cômico. Estas idéias sobre o humorismo se adéquam perfeitamente bem ao  humorismo construído em  algumas  obras  de  Machado de  Assis,  especialmente  em  seus  melhores romances e contos. Embora esta parte da obra do autor não seja objeto de análise  neste  trabalho,  observemos  como o pensamento de  Pirandello (que  parte também  de  outros  teóricos) pode explicar o humorismo, tão largamente comentado, em obras como Memórias  Póstumas de Brás Cubas:

A  característica,  por  exemplo,  de  tal  peculiar  bondade  ou  benévola  indulgência  que alguns descobrem no humorismo, já definido por Richter como a ‘melancolia  de  um  espírito  superior  que  chega  a  divertir-se  com  o  que  o  entristece’,  ‘o  tranqüilo,  sereno  e  refletido  olhar  sobre  as  coisas’,  o  ‘modo  de  receber  os  espetáculos  divertidos  que  parecem,  em  sua  moderação,  satisfazer  o  senso  de  ridículo  e  demandar  perdão  para  o  que  há  de  pouco  delicado  em  tal  comprazimento’.
  
Humor  e  melancolia,  estes  são os  traços  mais  marcantes  da  narrativa  de Brás  Cubas  (indicados pelo próprio narrador, no início de suas memórias). Pirandello acredita que estes  dois elementos são indissociáveis. Lélia Parreira Duarte, em sua obra já citada, também trata  desta questão e retoma a idéia de Schopenhauer, que também observa a seriedade por trás do  humorismo:

Schopenhauer chama-o de humorismo (1991, p. 77-83), explicando que, quando a  brincadeira se esconde atrás da seriedade, surge a ironia, e quando a seriedade se  esconde  atrás  da  brincadeira,  surge  o  humorismo.  A  inspiração  do  humorismo  seria  uma  disposição  subjetiva,  séria  e  elevada,  que  se  choca  involuntariamente  com um mundo heterogêneo ou hostil, sobre o qual não tem condições de atuar.

Esse humorismo não se aplica aos textos analisados neste trabalho, o risível se dá de  forma  diferente  na  obra  teatral  de  Machado,  que  se  aproxima  mais  dos  recursos  de  comicidade.  No  teatro de  Machado a  discreta  comicidade,  unida  às  situações  sem  grande  impacto na vida de suas personagens, não leva a uma reflexão mais aprofundada dos conflitos   retratados.  Portanto,  podemos  considerar  cômicos  os  recursos  do autor,  segundo o pensamento de  Pirandello.  Este  foi  o caminho que  Machado percorreu durante  toda  a  sua  atuação como dramaturgo.

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Fonte:
Gabriela Maria Lisboa Pinheiro:  “A Construção da Comicidade no Teatro de Machado de Assis”. (Dissertação apresentada  ao Programa  de  Pós-Graduação em  Literatura  Brasileira,  do  Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas  da  Faculdade  de  Filosofia,  Letras  e  Ciências  Humanas  da  Universidade  de  São Paulo,  para  obtenção do título de Mestre em Letras.  Área de Concentração: Literatura Brasileira  Orientador:  Prof.  Dr.  João Roberto Gomes  de  Faria). São Paulo, 2008.

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